A fábula dos cofres cheios


Depois da lengalenga da culpa do Passos, vem a caminho a fábula dos cofres cheios, na qual Montenegro não pode cair.


Nota prévia: Mal se soube do atentado terrorista de Moscovo e já um general que se diz português estava na CNN/TVI a assegurar que havia mão ucraniana. Ignorou atentados passados e a forma como os russos oprimem muçulmanos das suas repúblicas e como massacraram sírios e afegãos. Há muito para esclarecer sobre as causas do bárbaro ataque, que remete para o que fizeram o Hamas recentemente e há anos os chechenos. Na altura, Putin serviu-se disso para consolidar o seu poder ditatorial. Não hesitou em massacrar sequestrados e terroristas. Agora, pode aproveitar para intensificar a invasão criminosa da Ucrânia, tal que Natanhyahu em Gaza. Falta-lhe, porém, o argumento de que luta pela sobrevivência do seu país e do seu povo cercados por um vasto mundo hostil.

1. A ideia de que Portugal tem os cofres cheios é uma armadilha na qual Luís Montenegro não pode cair. A ideia está a ser passada a toda a força pelo governo cessante, os partidos da próxima oposição e os membros do “comentariado” nacional que formam o novo país sentado. Baseia-se nas contas do Estado e nos apoios do PRR que estamos a voltar a desperdiçar. Na verdade, há uma pequena folga orçamental que António Costa deixou. Mesmo assim, devemos mais do que tudo o que produzimos num ano. A situação não é comparável à que Sócrates legou. Portugal não está falido. Mas daí a achar que estamos bem vai um mundo. Há liquidez que pode aliviar quem teve ordenados bloqueados e foi vítima de injustiça, como os polícias, guardas da GNR e prisionais e os militares. Tal como muitas outras classes, como os professores (os que trabalham mesmo), os médicos, os oficiais de Justiça, por exemplo. Uma vez aplicados, os aumentos serão permanentes, tornando a gestão das contas muito complicada, sem aumentar impostos. Há, porém, uma realidade bem mais grave. É a emergência de resolver o problema da falta de crescimento. É ele que tem levado a que Portugal perca sistematicamente posições na competitividade. Ao ponto de ser ultrapassado pela Roménia e os bálticos. Em oito anos quase tudo foi deixado ao abandono, travado, escondido e desleixado. Muito do que foi anunciado não passou do papel e do telejornal. Agora, é preciso mesmo resolver o caos do SNS, a construção de hospitais, a habitação, a falta de comboios, o aeroporto, a TAP, a reforma da Justiça, a poupança de água, a ineficácia do Estado, a insuficiência industrial, a falta de transportes coletivos no país todo, a economia do mar, e a Defesa Nacional, num tempo de guerra. Tudo isso vai implicar gastos gigantescos de modernização e construção. Serão milhares de milhões. António Costa varreu quase tudo para debaixo do tapete e deixa a casa em ruínas. Luís Montenegro não pode ir no engodo que lhe estão a lançar. A sua política tem de passar tanto por fazer como pela denúncia sistemática do estado deplorável em que o país se encontra, comparando, por exemplo, com a Espanha. Não estamos de tanga, mas Portugal precisa de obras gigantescas. Depois da culpa do Passos, temos agora a fábula dos cofres cheios. Não se pode deixar crescer essa falácia.

2. Rui Tavares é um político hábil e inteligente, mas exibe fraca consideração pelo discernimento dos eleitores. Há dias encontrou-se com Mariana Mortágua, que leva a cabo uma cruzada para federar a esquerda. O líder do Livre proclamou que a esquerda conseguiria crescer tanto como a direita se tivesse os mesmos apoios e visibilidade mediática. Referia-se ao Chega. “Se tivesse metade dessa exposição, o Livre teria tido um resultado muito mais amplo”, disse. É inequívoco o desprezo pelo sentimento dos eleitores. Considerar que é tudo uma questão de dinheiro, de projeção e de publicidade é deprimente e menoriza os portugueses. Os políticos não se vendem como sabonetes. Essas simplificações são uma forma de achincalhar a cidadania. Os resultados eleitorais são fruto da governação e da perceção da população. Nem sempre são sequer um sinal de adesão ideológica a projetos. Ninguém tem tanto dinheiro como o PCP e o resultado está à vista. Quem mais teve visibilidade foi o PS e não ganhou. O dinheiro não compra tudo, ao contrário do que pensa Rui Tavares. Os eleitores são até muito livres. Por isso lhe deram um peso igual ao Bloco e acima do PCP, apesar da diferença de meios e de comentadores afetos.

3. Enquanto não surge o novo governo e se especula sobre a fragilidade ou não da situação política pós-eleitoral, a maior incógnita tem a ver com a composição e futuro comportamento do numeroso grupo parlamentar do Chega. Os “cheganos” (para usar uma palavra que alguns setores da esquerda caviar já adotam) vão ser o grupo que os jornalistas vão esmiuçar e acompanhar em profundidade. Pelo passado de cada um e pelo que disseram. O maior investigador da coisa é aliás Araújo Pereira, de longe o melhor jornalista de investigação do país. André Ventura tem poucas defesas contra as barracadas e agora não pode calar todos. Apesar disso, conta com alguns elementos experientes que permanecem na bancada, a que se juntam ex-deputados do PSD. Mesmo assim, fazer oposição com decoro terá de ser uma das prioridades, se o Chega pretender ser visto como alternativa. A Assembleia da República vai ser o grande fórum político. Tudo o que ali se passar vai contar como nunca. São previsíveis sessões tempestuosas e dores de cabeça para quem dirigir os trabalhos. Felizmente, Santos Silva e as suas socráticas provocações estão fora.

4. A situação criada na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), na sequência de um fracasso de 60 milhões de euros investidos para entrar no negócio do jogo no Brasil, é alarmante.  Uma comissão parlamentar de inquérito, agora que há uma nova Assembleia da República, é altamente desejável. A SCML é a verdadeira segurança social em Lisboa. Há uma osmose de responsabilidades no caso do Brasil que envolve a ministra da tutela, o ex-provedor Edmundo Martinho e outros dirigentes da instituição. Há curiosos pareceres de ilustres causídicos. Tudo constituído numa amálgama de problemas perante os quais se assiste a um passar de culpas. A provedora Ana Jorge é recente na função (cerca de um ano). Veio da administração da Cruz Vermelha (outra confusão com o hospital) e foi ministra da saúde de Sócrates. Apanhou com o problema, mas tem de o esclarecer. Parece ter pouca força interna para tal. Já a ministra Mendes Godinho acompanhou grande parte da operação “Jogo no Brasil”. Na Mesa da SCML (Administração) há ainda quem tenha decidido sobre o assunto. É o caso da vice-provedora Ana Vitória, anterior detentora do pelouro da internacionalização. Também lá tem assento Teresa Passo, uma antiga funcionária da EPUL. Foi autora de um estudo, há 20 anos, para viabilização da construção do Hospital da Luz, posto em xeque pelo jornalista do Público José António Cerejo. Segundo o jornal, o marido de Teresa Passo foi presidente da EPUL e veio a tornar-se “um dos principais administradores da área imobiliária do Grupo Espírito Santo, a cujo universo empresarial pertencia à época a sociedade proprietária do referido hospital.

5. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) conferiu o título de Doutor Honoris Causa a José Silva Peneda, ex-ministro do Trabalho e Segurança Social de Cavaco Silva. Silva Peneda tem estado ligado à UTAD. Teve uma vida dedicada à causa pública. Foi ministro e secretário de Estado. Entre muitas coisas, desenvolveu iniciativas destinadas a dinamizar empregos e estratégias de criação de redes de cuidados de proximidade, na altura inexistentes. Aproximou o Estado das Misericórdias e da obra social da Igreja. Foi ainda eurodeputado e presidente do Conselho Económico Social. Economista de formação, na atividade privada teve sucesso. Chegou a vice-presidente da Sonae. É um homem do Norte e do Interior justamente homenageado. Dele disse um dia Dom Manuel Martins que tem o coração do tamanho de Portugal. Quem o conhece sabe que é mesmo assim.

A fábula dos cofres cheios


Depois da lengalenga da culpa do Passos, vem a caminho a fábula dos cofres cheios, na qual Montenegro não pode cair.


Nota prévia: Mal se soube do atentado terrorista de Moscovo e já um general que se diz português estava na CNN/TVI a assegurar que havia mão ucraniana. Ignorou atentados passados e a forma como os russos oprimem muçulmanos das suas repúblicas e como massacraram sírios e afegãos. Há muito para esclarecer sobre as causas do bárbaro ataque, que remete para o que fizeram o Hamas recentemente e há anos os chechenos. Na altura, Putin serviu-se disso para consolidar o seu poder ditatorial. Não hesitou em massacrar sequestrados e terroristas. Agora, pode aproveitar para intensificar a invasão criminosa da Ucrânia, tal que Natanhyahu em Gaza. Falta-lhe, porém, o argumento de que luta pela sobrevivência do seu país e do seu povo cercados por um vasto mundo hostil.

1. A ideia de que Portugal tem os cofres cheios é uma armadilha na qual Luís Montenegro não pode cair. A ideia está a ser passada a toda a força pelo governo cessante, os partidos da próxima oposição e os membros do “comentariado” nacional que formam o novo país sentado. Baseia-se nas contas do Estado e nos apoios do PRR que estamos a voltar a desperdiçar. Na verdade, há uma pequena folga orçamental que António Costa deixou. Mesmo assim, devemos mais do que tudo o que produzimos num ano. A situação não é comparável à que Sócrates legou. Portugal não está falido. Mas daí a achar que estamos bem vai um mundo. Há liquidez que pode aliviar quem teve ordenados bloqueados e foi vítima de injustiça, como os polícias, guardas da GNR e prisionais e os militares. Tal como muitas outras classes, como os professores (os que trabalham mesmo), os médicos, os oficiais de Justiça, por exemplo. Uma vez aplicados, os aumentos serão permanentes, tornando a gestão das contas muito complicada, sem aumentar impostos. Há, porém, uma realidade bem mais grave. É a emergência de resolver o problema da falta de crescimento. É ele que tem levado a que Portugal perca sistematicamente posições na competitividade. Ao ponto de ser ultrapassado pela Roménia e os bálticos. Em oito anos quase tudo foi deixado ao abandono, travado, escondido e desleixado. Muito do que foi anunciado não passou do papel e do telejornal. Agora, é preciso mesmo resolver o caos do SNS, a construção de hospitais, a habitação, a falta de comboios, o aeroporto, a TAP, a reforma da Justiça, a poupança de água, a ineficácia do Estado, a insuficiência industrial, a falta de transportes coletivos no país todo, a economia do mar, e a Defesa Nacional, num tempo de guerra. Tudo isso vai implicar gastos gigantescos de modernização e construção. Serão milhares de milhões. António Costa varreu quase tudo para debaixo do tapete e deixa a casa em ruínas. Luís Montenegro não pode ir no engodo que lhe estão a lançar. A sua política tem de passar tanto por fazer como pela denúncia sistemática do estado deplorável em que o país se encontra, comparando, por exemplo, com a Espanha. Não estamos de tanga, mas Portugal precisa de obras gigantescas. Depois da culpa do Passos, temos agora a fábula dos cofres cheios. Não se pode deixar crescer essa falácia.

2. Rui Tavares é um político hábil e inteligente, mas exibe fraca consideração pelo discernimento dos eleitores. Há dias encontrou-se com Mariana Mortágua, que leva a cabo uma cruzada para federar a esquerda. O líder do Livre proclamou que a esquerda conseguiria crescer tanto como a direita se tivesse os mesmos apoios e visibilidade mediática. Referia-se ao Chega. “Se tivesse metade dessa exposição, o Livre teria tido um resultado muito mais amplo”, disse. É inequívoco o desprezo pelo sentimento dos eleitores. Considerar que é tudo uma questão de dinheiro, de projeção e de publicidade é deprimente e menoriza os portugueses. Os políticos não se vendem como sabonetes. Essas simplificações são uma forma de achincalhar a cidadania. Os resultados eleitorais são fruto da governação e da perceção da população. Nem sempre são sequer um sinal de adesão ideológica a projetos. Ninguém tem tanto dinheiro como o PCP e o resultado está à vista. Quem mais teve visibilidade foi o PS e não ganhou. O dinheiro não compra tudo, ao contrário do que pensa Rui Tavares. Os eleitores são até muito livres. Por isso lhe deram um peso igual ao Bloco e acima do PCP, apesar da diferença de meios e de comentadores afetos.

3. Enquanto não surge o novo governo e se especula sobre a fragilidade ou não da situação política pós-eleitoral, a maior incógnita tem a ver com a composição e futuro comportamento do numeroso grupo parlamentar do Chega. Os “cheganos” (para usar uma palavra que alguns setores da esquerda caviar já adotam) vão ser o grupo que os jornalistas vão esmiuçar e acompanhar em profundidade. Pelo passado de cada um e pelo que disseram. O maior investigador da coisa é aliás Araújo Pereira, de longe o melhor jornalista de investigação do país. André Ventura tem poucas defesas contra as barracadas e agora não pode calar todos. Apesar disso, conta com alguns elementos experientes que permanecem na bancada, a que se juntam ex-deputados do PSD. Mesmo assim, fazer oposição com decoro terá de ser uma das prioridades, se o Chega pretender ser visto como alternativa. A Assembleia da República vai ser o grande fórum político. Tudo o que ali se passar vai contar como nunca. São previsíveis sessões tempestuosas e dores de cabeça para quem dirigir os trabalhos. Felizmente, Santos Silva e as suas socráticas provocações estão fora.

4. A situação criada na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), na sequência de um fracasso de 60 milhões de euros investidos para entrar no negócio do jogo no Brasil, é alarmante.  Uma comissão parlamentar de inquérito, agora que há uma nova Assembleia da República, é altamente desejável. A SCML é a verdadeira segurança social em Lisboa. Há uma osmose de responsabilidades no caso do Brasil que envolve a ministra da tutela, o ex-provedor Edmundo Martinho e outros dirigentes da instituição. Há curiosos pareceres de ilustres causídicos. Tudo constituído numa amálgama de problemas perante os quais se assiste a um passar de culpas. A provedora Ana Jorge é recente na função (cerca de um ano). Veio da administração da Cruz Vermelha (outra confusão com o hospital) e foi ministra da saúde de Sócrates. Apanhou com o problema, mas tem de o esclarecer. Parece ter pouca força interna para tal. Já a ministra Mendes Godinho acompanhou grande parte da operação “Jogo no Brasil”. Na Mesa da SCML (Administração) há ainda quem tenha decidido sobre o assunto. É o caso da vice-provedora Ana Vitória, anterior detentora do pelouro da internacionalização. Também lá tem assento Teresa Passo, uma antiga funcionária da EPUL. Foi autora de um estudo, há 20 anos, para viabilização da construção do Hospital da Luz, posto em xeque pelo jornalista do Público José António Cerejo. Segundo o jornal, o marido de Teresa Passo foi presidente da EPUL e veio a tornar-se “um dos principais administradores da área imobiliária do Grupo Espírito Santo, a cujo universo empresarial pertencia à época a sociedade proprietária do referido hospital.

5. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) conferiu o título de Doutor Honoris Causa a José Silva Peneda, ex-ministro do Trabalho e Segurança Social de Cavaco Silva. Silva Peneda tem estado ligado à UTAD. Teve uma vida dedicada à causa pública. Foi ministro e secretário de Estado. Entre muitas coisas, desenvolveu iniciativas destinadas a dinamizar empregos e estratégias de criação de redes de cuidados de proximidade, na altura inexistentes. Aproximou o Estado das Misericórdias e da obra social da Igreja. Foi ainda eurodeputado e presidente do Conselho Económico Social. Economista de formação, na atividade privada teve sucesso. Chegou a vice-presidente da Sonae. É um homem do Norte e do Interior justamente homenageado. Dele disse um dia Dom Manuel Martins que tem o coração do tamanho de Portugal. Quem o conhece sabe que é mesmo assim.