A mais que previsível hecatombe de afirmação eleitoral do Chega, com a assinatura incontornável da estratégia de choque frontal parlamentar sem complemento de desgaste das razões de convergência dos eleitores e dos pontos de implantação, lançou o país político numa centralidade de atenção e debate que ela própria se constitui em fator de promoção da coisa.
O PS no governo, com maioria absoluta e recursos, teve a oportunidade de mitigar o fenómeno, indo às causas de enamoramento pelo protesto, o populismo e o justicialismo, preferiu os jogos de alecrim e manjerona para desgastar o PSD. Mais, desenvolveu uma estratégia política e orçamental de aforro na primeira parte da legislatura para depois aliviar na segunda metade com ideias e medidas positivas que saciariam os conformados e os insatisfeitos. As inconsistências próprias do exercício político deslaçado pela falta de visão estratégica, solidez dos protagonistas e proximidade às realidades concretas do país somadas à ligeireza do funcionamento das instituições do Estado de Direito Democrático trataram do resto.
O PS na oposição, confirmada pela sua liderança, apesar das vozes discordantes, que serão cada vez mais, apenas terá ao seu alcance a verve e a proclamação de princípios de compromisso com a democracia, sem a possibilidade de recurso ao poder e aos meios que permitem erradicar o descontentamento, que estarão nas mãos da direita. Aliás, a sublime prontidão da assunção da derrota na noite eleitoral, sublinha a miserável realidade de, na última década e meia de história do PS, António José Seguro ter sido o único líder obrigado a ganhar por muitos depois de alguns terem assinado o memorando com a Troika em nome do partido e do país. Agora que vigora, uma vez mais, o umbigo da sobrevivência política em jeito de oportunidade suprema da vida, que se juntam também de novo os interesses particulares e a centralidade política está colocada no Chega, centro de todas as atenções, o lastro das derivas negativas tendem a consolidar-se.
O PS, por vontade da sua liderança e da maioria dos seus militantes preferiu este caminho, alguns sonharam-no, outros configuraram-se ao destino, quais predestinados para o poder, indiferentes aos sinais, aos rumos e às inevitabilidades.
Depois das eleições e da assunção da derrota, são evidentes os sinais preocupantes:
. à primeira oportunidade, expressa-se uma deriva à esquerda, acedendo prontamente a uma marcação de agenda do fragilizado Bloco de Esquerda, certamente em nome de passados futuros, parte deles responsáveis pela emergência e consolidação do Chega. Não o perceber é continuar a persistir nos erros da sementeira que deram a atual colheita eleitoral, em que vale de muito pouco as proclamações sem ação consequente nas causas do deslaço e descontentamento;
. à primeira oportunidade, emergem as evidentes diferenças de perspetivas e de interesses que estavam ungidas pelo esforço de manutenção do exercício do poder, que estiveram na base do garrote imposto ou escolhido pela liderança nas configurações dos órgãos internos, das listas de deputados, do programa eleitoral, do posicionamento e da mensagem política. Barricados no castelo é possível que a juventude leve a pensar terem tempo para fazer o que ainda não foi feito, mas essa tolerância não existe, ou melhor só existe pelo posicionamento construído e pelo tribalismo entrincheirado em que se transformaram os partidos políticos, incapazes de verem um pouco além da circunstância. As eleições europeias, com evidentes riscos de consolidação do atual quadro de miséria e reforço das derivas à direita são já a seguir e, depois, há as eleições autárquicas, prova maior da implantação ou mitigação dos fenómenos atuais, sem os recursos do exercício do poder político central, tão pejado de dificuldades como de meios para atingir fins.
São evidentes os riscos de uma deriva com a consistência de uma gelatina de morango, porque enviesada à esquerda.
Pela descaracterização do PS como partido de centro-esquerda com vocação de poder, com noção dos equilíbrios e das dinâmicas da sociedade portuguesa.
Pela incapacidade em sustentar sintonias com nichos eleitorais, abertos a outras realidades, oportunidades e modelos de organização da sociedade.
Pela indisponibilidade para manter diálogo e compromisso com todos os partidos políticos e com a diversidade da sociedade.
Pela obsessão com a consequência e não com as causas fundadas na degradação do exercício político, do funcionamento dos serviços públicos e da sustentada ausência de respostas concretas para as pessoas e para os territórios, a par de uma indiferença em relação a dinâmicas que medram a confiança, a coesão social e territorial, por serem reveladoras de uma fragilização da observância das regras e da autoridade do Estado.
O quadro traz-me à memória aqueles territórios em que as instituições estão há tanto tempo afastadas do poder que qualquer coisa é que baste para manter as pequenas relevâncias da vaidade, dos interesses particulares e da sobrevivência política. Não creio que seja essa a vocação do PS. O protesto. O nicho. O umbigo como a medida de todas as coisas. A incapacidade de ter uma visão de 360 graus. Ser apenas uma parte do todo, em Portugal como na Europa.
NOTAS FINAIS
PRESIDENTE DE CRONÓMETRO. Mal estão apurados os resultados do imbróglio eleitoral induzido pelo Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa de cronómetro em punho já procura soluções, enquanto o tic-tac ecoa em relação à Madeira. 24 de março é já a seguir, com arguidos da justiça. É seguir o padrão?
JORNALISMO DESFASADO. Os jornalistas fizeram greve. Estão no seu direito. Os leitores têm feito crescentes greves à aquisição de informação porque existem alternativas e o que é produzido amiúde é desfocado dos seus interesses, não é apelativo. Vender conteúdos para os mesmos, que são cada vez menos, concebidos, muitas vezes, em regozijo próprio, só pode acabar mal. É preciso muito mais de todas as partes.