RIADE – Saihat, e Dammam, sua espécie de irmã gémea, debruçam-se diretamente sobre as águas do Golfo Pérsico. Da costa quase se pode ver o Qatar e o Bahrein. Um lugar bem diferente da poeirenta Riade, refrescado pela brisa marítima, pejado de palmeiras, lugar de pescadores e agricultores que aproveitam a fertilidade que a natureza lhes oferece. É verdade que o Khaleej Football Club, clube treinador pelo português Pedro Emanuel, não vive tão tranquilo como o Al Hilal, de Jorge Jesus (líder do campeonato), ou o Al Nassr, de Luís Castro e Ronaldo (que ainda sonha com o título). Mas, neste momento, e após o último empate com o Al Hazm (1-1), está com cinco pontos de avanço sobre os lugares de descida e recebe amanhã o Al Shabab do recém-chegado Vítor Pereira. A vida parece, apesar de tudo, correr com tranquilidade para Pedro Emanuel nesta sua terceira experiência saudita, depois de ter comandado o Al Taawoun (2018/19) e ter passado apressadamente pelo Al Nassr (2022).
Pedro, como estás a viver esta outra experiência na Arábia? Olha, a primeira experiência, no Taawoun, em 2018, foi extraordinária, muito melhor do que estava a contar. Um clube mediano, um Rio Ave, se quisermos comparar com o campeonato português, que já tinha tido um português a treinar, o José Gomes, e que deixou marca. Aliás foi ele que me aconselhou o clube e eu estava numa altura da carreira em que precisava de sair de Portugal. Deparámo-nos com dificuldades, como é normal, mas também tivemos um grupo de trabalho óptimo, cheio de querer e de vontade. Vencemos a Taça do Rei, ficámos em terceiros, a melhor classificação de sempre, e apurámo-nos para a Champions Asiática. Abriu-nos muitas portas e, sobretudo, a do Almeria, que tinha um patrão saudita, e acabou por ser irrecusável – era a Liga Espanhola (embora na II) e ficava ali, perto de casa.
Que correu mal no Al Nassr para teres ficado tão pouco tempo? Ora bem. Há que reconhecer que a fase do Al Nassr vem num período menos bom em termos desportivos. O presidente do Almeria, Turki al Sheik, que tinha comprado o clube três anos antes, queria que subíssemos na segunda época. Começámos bem, ao fim de dez jornadas estávamos na zona de subida, no segundo lugar, mas ele mostrou a face mais complicada dos dirigentes árabes, a de um temperamento apressado e falta de paciência, algo que ditou o meu despedimento. Surge o convite do Al Nassr, clube gigante aqui na Arábia, muito pelo que tínhamos feito no Taawoun. O objetivo do Nassr era a vitória na Champions e a equipa estava nos quartos-de-final. Passámos às meias-finais e apanhámos o Al Hilal. Foi uma eliminação dolorosa (eles acabaram por ganhar a prova), jogámos uma hora do jogo decisivo com um a menos, e não evitámos ficar de fora. Penso que isso esvaziou um bocadinho o balão das expectativas em relação a mim. Contudo, embora não sendo gratificante porque não ganhámos, e porque no fundo só lá estive pouco mais de um mês, vivi a realidade de muitos jogadores ausentes nas seleções e muitos outros lesionados. Não vou esconder a deceção. Foi uma experiência que não teve condições para correr bem.
Agora, no Khaleej, que objetivos te colocaram na frente? É um contexto diferente. Muito diferente! Estamos a falar de uma equipa que vem da II Divisão onde passou oito anos. Se me perguntares: «Porquê o Khaleej após ter saído do Nassr?», eu respondo-te que necessitava de um desafio novo. Em seguida, percebi que o presidente queria muito a nossa contribuição e, além disso, porque o clube precisa mais do que um simples treinador de futebol. São necessárias novas condições de trabalho e não falamos de um clube qualquer, dedica-se a várias modalidades, é o campeão saudita de andebol, por exemplo, e precisa que a sua secção de futebol volte a ser credibilizada e estabelecer-se na I Divisão de forma duradoura. E eu precisava da adrenalina da superação, da dificuldade, de satisfazer as pessoas que acreditam em mim da forma como estas pessoas acreditam. E, quando sair, que deixe algo de duradouro, sobretudo no profissionalismo, não só em termos de mentalidade mas também de infraestruturas.
Terceiro clube da Arábia Saudita: gostas de estar aqui ou é puro acaso? É verdade – terceira experiência na Arábia Saudita. Já tive outra aqui ao lado, nos Emirados, e outra que tem alguma relação com estas, que foi a do Almeria quando comprado por um saudita, Turki al Sheik – ao fim ao cabo fui o primeiro treinador que ele escolheu. Se aqui estou é porque uma razão forte existe. E essa razão é o respeito pelo trabalho que venho fazendo ao longo dos anos. Também é um projeto de vida meu, viver num país diferente, com uma cultura diferente, e tentar como puder ajudar a desenvolver a mentalidade do clube no qual estou agora, o Khaleej, e em consequência, o futebol da Arábia Saudita, com mais profissionalismo, com mais rigor. E isso está a ser feito de forma rápida porque a Arábia Saudita está em busca de recuperar o tempo perdido.
Já não treinas em Portugal desde 2017. É uma opção tua ou pretendes voltar? Não treinar em Portugal foi uma opção. Tomei a decisão de abrir um novo mercado para mim, aqui no Médio Oriente, um mercado que está em ascensão. Felizmente têm surgido outras abordagens mas esta é uma decisão firme, e não vou esconder que também em termos financeiros, porque está muito acima do que nós conseguimos praticar – aqui não há tributação nem para jogadores nem para treinadores. Mas acrescento que me sinto muito respeitado neste país, sinto que o meu trabalho e o da minha equipa técnica é muito valorizado, e não é fácil adaptarmo-nos a uma cultura tão diferente, e consegui fazê-lo: nós vivemos pelo sol, eles vivem pela lua, agora vem o Ramadão, em Março, uma altura muito complicada porque o dia deixa de existir praticamente por causa do jejum. Estamos aqui bem. A sequência dos convites teve lógica e manteve-nos aqui (já referi a ligação ao Almeria), a experiência no Al Ain foi muito boa, um clube bem organizado, de nível de Champions. Tenho mais um ano de contrato e, pelo respeito que existe no clube, muito provavelmente irei continuar. Sinto-me muito feliz aqui e sinto que o meu nome já é uma referência no futebol aqui nesta zona do mundo.
Resposta que vem ao encontro da pergunta que ia fazer: também treinaste nos Emirados… Grande clube! Grande clube o Al Ain. Uma estrutura brutal, mas tivemos a infelicidade de chegar lá pouco antes da Pandemia. Mas também temos de saber viver com as dificuldades. Foi uma experiência muito rica.
Ainda és muito jovem mas já passaste por vários clubes: gostas da mudança? Falas em ser jovem…Fiz 49 anos. Já tenho 14 como treinador, depois de um ano fantástico como adjunto do André Villas-Boas. Mas não tenho tantas mudanças quanto isso. O que é gratificante. É sinal que têm tido confiança no nosso trabalho. Não concordo com o que dizes. Até tenho tido uma vida de treinador bastante estável.
Notas uma grande diferença na Arábia desde a primeira vez que aqui chegaste, em 2018? Coincidiu com a chamada do príncipe Mohammed bin Salman a tomar decisões sobre a evolução saudita. O rei está debilitado e é ele que toma decisões e está a tentar encurtar distâncias para o resto do mundo de forma bem acelerada. A evolução nota-se a todos os níveis. Novos aeroportos, novos edifícios, novos complexos habitacionais, muito como aconteceu no Dubai. No futebol, então, ainda mais. Com a chegada do Ronaldo, com o apoio do Fundo Real Saudita que adquiriu os quatro principais clubes e com o auxílio que presta aos clubes mais pequenos, está a tornar-se mais competitivo. Precisamos é de melhores relvados e melhores academias para fazer crescer o futebol jovem.
Imagino que seja mais agradável viver em Dammam, onde estás, do que em Riade… É, na minha opinião, a cidade mais equilibrada em relação ao modo de vida europeu. Uma zona portuária que tem uma ligação forte com o estrangeiro. Bons restaurantes, boas zonas por onde podemos passear, o mar aqui ao lado, isso ajuda bastante. Para mim que gosto de viver à beira-mar, é óptimo!