Riade – É natural que o sempre estimado leitor comece por perguntar: «Afinal que diabo é isso do Nadj». A resposta segue já de seguida: é a zona geográfica que ocupa o centro da Arábia Saudita e na qual habita cerca de um terço da população do país e que é, no seu total, de 36 milhões de pessoas. É igualmente o local de nascimento da família Saud, a casa real do país, composta pelos descendentes de Muhammad bin Saud Al Muqrin, que viveu entre os anos de 1687 e 1765, inicialmente Emir de Diriyah (Muhammada vivia na fortaleza de Turaif), uma das cidades mais significativas da região, situada um pouco a norte da capital Riade, fundador desta nação que, de um momento para o outro, se tornou num dos maiores importadores de treinadores e jogadores de futebol do mundo.
Há portanto que dizer que assumir o cognome de «Cavaleiros do Nadj» revela, no mínimo, um certo descaramento. Mas quem se assume dessa forma não tem de ser criticado. A verdade é que o Al Nassr, cujo nome quer dizer Vitória, só tem motivo para se orgulhar da sua história que se iniciou no ano de 1955, no dia 22 de outubro, doze anos antes, por exemplo, do que a de um dos seus grandes rivais, o Al Hilal. Algo está, definitivamente, entalado na garganta dos adeptos e dirigentes d’«Os Cavaleiros do Nadj» tal como uma espinha de tilápia (um dos peixes que ainda se encontra por cá com maior facilidade): nunca ganharam a Liga dos Campeões Europeus da Ásia, contam apenas com uma Taça das Taças (prova que já foi extinta) e já estiveram numa final perdida em 1995, frente aos sul-coreanos do Ilhwa Chunma (0-1), ainda por cima jogada em casa, em Riade. A contratação de Cristiano Ronaldo, que na altura provocou uma espécie de comoção no futebol mundial, trouxe na manga esse objetivo, e o treinador Luís Castro não deixará de sentir essa responsabilidade agora que a equipa está nos oitavos de final da competição mas, a nível caseiro, está no segundo lugar da classificação a sete pontos de distância do Al Hilal de Jorge Jesus.
Mas recuemos no tempo, embora mande a verdade dizer que o nome do capitão da seleção nacional portuguesa venha ofuscando o nome do próprio clube. Dois irmãos, da família Al-Ja’ba, decidiram juntar a rapaziada que disputava jogos de futebol num terreno baldio em Gashlat Al-Shortah, junto ao grande jardim e Al-Fotah, o maior da capital da Arábia Saudita, e avançar com a construção de balneários e de uma arrecadação para guardar os equipamentos. Nascia o Al Nassr. Mas os manos Ali e Al-Owais não eram nenhuns mendigos como devem calcular e o Al Nassr não cresceu propriamente alimentado a migalhas. Para começar, os Al-Ja’ba eram muito bem relacionados com o príncipe Abdul Rahman bin Saud Al Saud e convidaram-no para ser o presidente da nova instituição. Só vantagens, está bem de ver. O príncipe ficou de tal forma encantado com o convite e criou uma empatia tão grande com o clube que se manteve na direção durante trinta e nove anos, isto é, até à data da sua morte, embora com a presidência dividida em três mandatos. Pouco lhe importou que o Al Nassr tenha sido obrigado a começar a sua vida na IIDivisão saudita. Agarrou-se a ele com unhas e dentes. Chamaram-lhe O Padrinho, alcunha que, como sabemos, tem uma conotação negativa em muito bom lugar do planeta Terra mas não propriamente aqui. E oito anos após ter nascido, o Al-Nassr chegou à I Divisão. A Vitória era, finalmente, um nome que lhe ficava bem.
Foi preciso esperar mais um pouco para conquistar o título de campeão. Mas, entre 1970 e 1980, o Al Nassr ganhou quatro campeonatos sauditas, seis Taças do Rei, três Taças do Príncipe. Conta a história que três avançados que jogavam uns com os outros de olhos fechados – Majed Abdullah, Fahd Al-Herafy e Mohaisn Al-Jam’aan – transformaram por completo o estilo de jogo da equipa e fizeram-na evoluir competitivamente de forma a atingir o topo tão ansiado. Majed Ahmed Abdullah era o mais famoso e o mais popularmente querido dos três e manteve-se como referência na década seguinte, embora tenha tido de engolir a frustração de nunca ter conquistado a tão sonhada Taça dos Campeões Asiáticos, agora chamada Liga dos Campeões para usar o termo europeu.
O facto de o futebol saudita ser muito pouco conhecido fora do continente – nesse aspeto os europeus e sul-americanos só olham para os próprios umbigos –, faz com que o nome de Majed Ahmed Abdullah não faça soar campainhas de nenhum dos que têm a incrível pachorra de me ir lendo, mas acreditem que o seu peso é enorme junto dos adeptos das camisolas amarelas.
A proeza de Stoichkov
Neste momento, o Al Nassr tem nove estrangeiros no seu plantel, dois deles portugueses, Ronaldo e Otávio (embora este último brasileiro assimilado), e outros que já passaram por Portugal como são os casos de Talisca (Benfica) e Alex Telles (FCPorto). A seguir a Cristiano, a contratação mais imponente foi a do senegalês Sadio Mané. Como aconteceu na generalidade dos Países do Golfo Pérsico, a procura de jogadores com algum nome no mercado internacional deu-se na fase de enriquecimento dos clube que começaram a ser propriedade de grandes magnatas do petróleo. Na memória dos adeptos d’«Os Cavaleiros do Nadj» ficaram colados, por exemplo, os de Denilson, Angelos Charisteas (o bicho que nos marcou o golo na final do Europeu de 2004, obrigadinho!), Marcelinho Carioca, Youssouf Fofana e, sobretudo, o de Hristo Stoichkov, muito provavelmente o melhor jogador búlgaro de todos os tempos, que envergou a camisola do clube em 1998. Depois de passar três meses lesionado quando saiu do Barcelona para o CSKA de Sófia, Hristo aceitou apresentar-se no Al-Awwal Park de Riade e prometeu que faria a diferença. Fez. Continuou a sofrer da lesão que trazia consigo mas, no dia 12 de abril desse ano, no Estádio King Fahd a rebentar de entusiasmo, com mais de 70 mil pessoas nas bancadas, o Al Nassr bateu os sul-coreanos do Suwon Samsung Bluewings por 1-0, conquistando a Taça dos Vencedores de Taças dos Países Asiáticos (era esse o seu nome oficial). O pontapé certeiro deu-se logo aos nove minutos e saiu do pé esquerdo de Stoichkov. Quinze dias mais tarde cometeria um até hoje considerado ato de traição para com aquele a quem também chamam de Al Alami (O Clube Global) e seguindo para Tóquio onde ainda fez uma época quase completa no Kashiwa Reysol. De herói a vilão foi um ápice, é mesmo assim que trabalha o cérebro dos que vêm os seus clubes acima de tudo o que os rodeia. Ainda assim, Stoichkov foi, até à vinda de Ronaldo, o nome mais sonante de todos os que passaram pelo Al Nassr. Para nós. Para eles ninguém consegue fazer sombra ao velho Majed Ahmed Abdullah. Velho? Um forma de expressão. Tem apenas 64 anos e continua a marcar presença nos jogos do seu clube de toda a vida.