Paulo Caiado. “Dificilmente voltaremos a ter casas baratas”

Paulo Caiado. “Dificilmente voltaremos a ter casas baratas”


A baixa de preços na habitação só poderá acontecer se o Estado intervier em vários fatores, defende o presidente da APEMIP. Custos de construção são o fator que mais pesa, mas não o único.


Comecemos pelos preços. Baixar parece estar fora de questão. 2024 conta com mais aumentos ou estabilização?

Vou dar primeiro um dado que acho que é importante ser refletido: quanto custa construir hoje uma casa?

Os custos de construção têm aumentado…

E este caso não pode ser escamoteado. Aquela ideia de que podemos voltar a ter casas baratas dificilmente alguma vez corresponderá à realidade. Só é possível haver casas baratas se houver intervenção do Estado seja na estrutura fiscal de construção de uma casa nova, seja disponibilizando os terrenos, seja mesmo financiando para que hajam casas com preços acessíveis. Veja o seguinte: em Portugal, neste momento e à partida, não é possível edificar uma casa a um valor inferior a 1.500 euros o metro quadrado. Sem o custo do terreno. Se dissermos que o terreno custa um terço do valor de construção – e isto não é válido, por exemplo, para Lisboa ou para grandes centros urbanos, onde o valor do terreno representa uma fatia maior –, estamos a falar em 500 euros. Ora, 1.500 de euros de construção, mais 500 euros do terreno são 2.000 euros o metro quadrado. O que estamos a dizer é que, sem custos de projetos, de arquitetos, de licenças, sem nada disso, sem impostos, não é previsível edificar uma casa com 100 metros quadrados por menos de 200 mil euros.

O Governo e as autarquias têm prometido algumas políticas de habitação, mas os resultados continuam a não estar à vista. O que falha?

Acho que é muito importante, exatamente na sequência do que estávamos a falar, que se assuma frontalmente duas coisas que são totalmente distintas. Uma é o mercado e aquilo que o caracteriza. A outra é a necessidade de haverem casas baratas ou casas acessíveis a quem não pode suportar os preços que se praticam no mercado. E para isso é preciso que o Estado intervenha.

O que pode fazer?

Acho que um dos maiores erros que foi cometido em 2023 foi o Governo vir dizer que é preciso baixar os preços das casas. Isso é um absurdo. Nunca conheci ninguém na minha vida profissional que estivesse disponível para baixar o preço da casa. Nunca. Independentemente das questões ideológicas, do que pensa, do que acha, nunca conheci ninguém que, confrontado com a necessidade de vender a casa da avó que faleceu dissesse ‘vamos vender um bocadinho mais barato do que é possível’.

Mas, apesar de os grandes centros urbanos estarem mais lotados, é um mal geral um pouco por todo o país… Fora das grandes cidades deixa de ser uma opção?

Continua a ser uma opção. Aquilo que assistimos é que estes anéis periféricos cada vez se vão afastando mais dos centros porque quanto maior é a distância, valores mais baixos são possíveis de encontrar. Sempre que as pessoas se vão afastando, mas começa a haver fluxos de procura a 15, 20, 30 quilómetros de Lisboa, do Porto ou de Coimbra, nessas localizações depois começa a haver pressão e procura.

E hoje em dia, se calhar, as diferenças já não são assim tantas como eram antes.

Não são. E depois temos a somar aqui à equação um dado. Falarmos num tema não significa que estejamos a falar contra ele. Se isto não for assumido, então os riscos de estarem a produzir um género de anabolizantes para determinadas ideologias é enorme. Ou seja, é claro que, se em Portugal entraram nos últimos anos 600, 700 mil imigrantes, com certeza que precisaram e precisam de casa. É óbvio que precisam. E obviamente que têm absorvido a oferta disponível de valor mais baixo. E ainda bem que entraram e é preciso entrarem mais para contribuírem para o nosso desenvolvimento económico, para a nossa segurança social. Acho que devem ser muito bem-vindos.

Prejudica quem já cá está?

É necessário que hajam condições para poderem ser acolhidos com dignidade. Aquilo que se passa com a imigração é que acho que os imigrantes são muito importantes para o país, têm tido um contributo inestimável para o nosso desenvolvimento económico. Acho que com a população a decrescer – e hoje é conhecido que o saldo migratório só é positivo devido à entrada de imigrantes –, temos todos que perceber que os imigrantes têm absorvido a oferta disponível de baixo valor que vai estando disponível.

O que podemos esperar para este ano em termos da oferta e da procura?

Os fluxos de procura são fluxos muito rápidos, muito ágeis. Quando, de repente, Portugal é um destino muito interessante para determinado país, que há muitos cidadãos que procuram trabalhar, ter oportunidades de trabalho, resolver as suas vidas, muito rapidamente isso pode gerar um fluxo procura imediato. Ora, num extremo oposto temos os fluxos oferta. A oferta é extremamente lenta. Construir uma casa demora imenso tempo. O que é que temos? Temos um fluxo de oferta que é sobretudo oriundo de questões sociológicas, alguém morreu e uma casa ficou disponível e os herdeiros resolvem arrendar, há um inquilino que muda de local de trabalho, sai e a casa fica disponível. São estes eventos que vão sendo os mais representativos da oferta para arrendamento.

É inevitável o impacto que a conjuntura geopolítica e macroeconómica teve no mercado imobiliário em 2023. Continuamos com esses problemas em 2024…

Diria que é o tema com maior impacto: a subida tão abrupta das taxas de juro, que dificultou e que vai dificultar principalmente o acesso ao mercado. Ou seja, aqueles jovens, na maioria, que estão a pensar enfrentar a primeira aquisição, confrontados com o valor das casas, os capitais próprios necessários, o valor de uma prestação… facilmente percebe que não consegue. Portanto sim, principalmente a subida tão abrupta das taxas de juro veio principalmente dificultar o acesso àqueles que poderiam estar a pensar na aquisição de uma nova casa pela primeira vez. E porquê que insisto neste primeira vez? Para os que já têm casa é completamente diferente. A casa valorizou-se imenso. E hoje, quando alguém vende uma casa porque quer comprar outra, a realidade é que nunca teve uma dotação financeira tão grande como tem neste momento.

O BCE não subiu as taxas de juro nas últimas três vezes e a presidente, Christine Lagarde, já disse que se tudo correr bem, podem baixá-las a partir do Verão. É um bom indicador…

É muito bom indicador. No entanto, temos de ter noção que as variáveis neste momento são muitas. As variáveis englobam as nossas eleições, as eleições na Europa, as eleições nos Estados Unidos, a ausência de paz no Médio Oriente, a ausência de paz na Ucrânia, alguma insegurança sobre até no Pacífico e, portanto, aquilo que todos já percebemos é que eventos em zonas muito, muito distantes podem, com grande facilidade, ter repercussão direta nas nossas vidas.

Temos que aguardar para ver.

Dirias que variáveis são demasiadas para fazer grandes prognósticos, ainda que, com base nos dados que neste momento dispomos, são bons porque, chegados aqui o mercado tem tido de facto uma robustez muito grande e a expectativa é de que no próximo verão possamos começar a assistir a uma redução das taxas de juros. Assim sendo, podemos assistir aqui a algum revitalizar das transações imobiliárias.

Que podem vir a aumentar?

Sim, penso que sim.

E o que se pode esperar do mercado de arrendamento?

Os preços não podem subir além daquilo que é possível as pessoas pagarem. Ou seja, chega a uma altura – e eu diria que nessa altura, previsivelmente já chegou nos grandes centros urbanos onde a generalidade das pessoas não pode, não consegue. A menos que procurem novas formas de ocupação habitacional que passem por grupos, alargar os valores ou procurarem soluções que se vão afastando dos centros urbanos com os custos implícitos na mobilidade quando nos vamos afastando do local onde precisamos de viver. Diria que não é previsível, por um lado que assistimos a alguma redução no valor das casas para arrendar, mas também não é previsível que continuemos a assistir a uma subida continuada porque chega a uma altura em que realmente as pessoas não conseguem, não há possibilidade de match entre o rendimento de um agregado familiar e o valor de uma casa.

2023 foi um ano de altos e baixos para as mediadoras. O que esperar de 2024?

Estamos a assistir a um fenómeno muito interessante, eu diria muito positivo para as mediadoras, que é o facto de o recurso à mediação imobiliária ter cada vez maior expressão nas transações. A Deco apresentou já este ano o resultado do estudo que aponta para cerca de mais de 80% das transações estarem a ser feitas com recurso à mediação imobiliária. Portanto, esse é um bom indicador. É também de facto indicador da dificuldade que as pessoas têm em encontrar soluções sozinhas, mas, simultaneamente, traz uma responsabilidade acrescida para a mediação e para as imobiliárias que não podem dececionar os seus clientes. As imobiliárias têm aqui uma excelente oportunidade ao estarem a ser mais solicitadas, apesar de haver uma redução no número de transações, têm que ter a capacidade de corresponder e superar as expectativas dos clientes. Há aqui uma responsabilidade muito acrescida àquilo que deve ser o desempenho e que tem de ser o profissionalismo das imobiliárias no geral.