1. Sem surpresa, o PS venceu as eleições europeias em Portugal, embora tenha perdido um deputado. Pedro Nuno Santos optou pela popularidade de Marta Temido, resultado da mediatização na pandemia. PNS saiu-se bem. Inverteu um ciclo de quatro derrotas e ganha alento. Como diz o povo, por um voto se ganha ou se perde. E o 1% que separa o PS e AD prova isso mesmo. A aposta de Montenegro foi insuficiente. Bugalho, escolhido de surpresa quando se esperava Rui Moreira, não chegou para a encomenda. Fez lembrar Jorge Jesus quando fazia grandes campeonatos e perdia mesmo no fim. O jovem que agrada aos mais velhos não soube evitar o crescimento trazido pelo homem de meia idade e liberal que os mais novos adoram e dá pelo nome de Cotrim de Figueiredo, o principal vencedor da noite. Mesmo assim, Cotrim não conseguiu o terceiro lugar que as projeções lhe davam. O desastre do Chega com o embaixador Tânger Correia, velejador olímpico, putinista assumido, antissemita confesso e adepto das teorias conspirativas, confirmou-se. Só não foi ainda maior porque André Ventura deitou a mão à campanha eleitoral, limitando os estragos e garantindo à pele o terceiro lugar. De facto, o Chega foi o grande derrotado, apesar de eleger dois eurodeputados, tal como os liberais. Ventura sentiu na pele que uma coisa é o barulho e estardalhaço e outra a afirmação continuada que faz um partido grande e estável. Se não mudar pode ser um epifenómeno, até porque as autárquicas (em princípio as próximas eleições) precisam de gente séria e de implantação. O Bloco e a CDU confirmaram os seus lentos desaparecimentos e ficaram-se por um único deputado. O PAN sumiu-se e o Livre falhou por pouco. Apesar do voto em mobilidade e antecipado, a abstenção foi brutal, mas menor do que nas últimas europeias. Se não fosse isso, o alheamento teria sido desastroso. Montenegro assumiu com dignidade uma derrota que não deverá ter grande influência na governação. Não vai ser por isto que a AD deixará de governar, o que não quer dizer que esteja segura. Com tão curta vitória, o PS não vai querer legislativas tão cedo. Pedro Nuno Santos sabe-o e, por isso, falou em estabilidade. Tanto ele como Ventura terão percebido que podem pagar caro se não deixarem passar o próximo Orçamento e darem mais espaço de governação à AD. De assinalar que foi Montenegro a criar o facto político da noite ao assegurar que o governo apoiará uma eventual candidatura de António Costa ao Conselho Europeu. É uma perspetiva bastante plausível, desde que lhe seja retirada a canga que a procuradora-geral da República lhe pôs em cima sem necessidade, a não ser a de criar uma confusão política lamacenta. Agora era tempo de demitirem a senhora ou de ela própria se pôr a andar.
2. Na Europa, não se deu o tsunami de direita radical que alguns temiam. O Partido Popular Europeu continua a ser dominante, seguido dos socialistas. Isso tornou Ursula von der Leyen a vencedora da maior eleição plurinacional do mundo. A subida das direitas que se deu não incide mais especialmente sobre os pró-russos e parece claro que não haverá a temida junção dos dois grupos dessa área. Claro que houve resultados expressivos para as duas famílias radicais na Áustria, Espanha, Hungria, Holanda, Bélgica, França e Alemanha. Foi nestes dois últimos países, os mais importantes da União Europeia, que se deu a maior mexida. Macron sofreu mais uma copiosa derrota e vai para legislativas, que Marine Le Pen pode vencer. Na Alemanha, os sociais democratas têm a chefia do governo de coligação e perderam para a direita democrática e para a extrema-direita, ficando em terceiro. Não se pode dizer que seja pouca coisa. Mesmo assim o dano alemão é relativo. Já o estoiro de Macron pode mesmo ter consequências para a governabilidade do país e para a própria manutenção do Presidente.
3. Os indicadores e a perceção não mentem e a constatação é óbvia: a insegurança (para não usar a palavra criminalidade) está a aumentar em Portugal. Não é este o tempo para detalhar isso. Mas é importante sinalizar que a ministra da Administração Interna tem pouco tempo para resolver a questão do subsídio de missão (vulgo de risco, da PSP e da GNR). Neste momento, há uma diferença de 100 euros/mês que pode ser aceite pela Plataforma, mesmo com a discordância de dois sindicatos. Dar esse passo é fundamental para proteger os cidadãos. É, porém, preciso que Margarida Blasco e a sua equipa percebam estar a errar ao atribuírem o subsídio em função da hierarquia. O risco mede-se nas ruas, nas patrulhas, nos bairros difíceis, nos muitos bas-fond da criminalidade organizada nas cidades e nos campos. Nessas zonas perigosas, quem atua não são os chefes e os oficiais, nem os policias municipais, nem normalmente os agentes da judiciária. Ali, na hora, a proteger, a prender, a levar com agressões, insultos ou a terem de atuar em situações limite contra multidões, estão sobretudo polícias, em regra jovens e honrados. Esses são o núcleo “patrulheiro” que dois sindicatos da polícia (Sinapol e Sindicato dos Profissionais de Polícia) defendem em primeira linha, ao reclamarem para eles subsídios iguais aos da judiciária. Fazem-no sabendo que, amanhã, os beneficiários de agora perceberão que fará sentido deixarem de ter uma cobertura de risco superior aos que andam nas ruas.
4. A sentença que condenou Manuel Pinho a 10 anos de cadeia e a uma gigantesca sanção financeira foi pouco analisada. Isto apesar de ser histórica, na medida em que, pela primeira vez, atinge um ministro nacional por atos cometidos em funções. É certo que o caso se vai arrastar de recurso em recurso, faltando muito para terminar. Como diz o advogado do condenado, “foi só a primeira parte”. Nem mesmo um jornalista tão esclarecido como Sousa Tavares, na TVI, abordou razoavelmente o assunto. E, no entanto, é simples: Pinho foi corrompido por Ricardo Salgado ao receber qualquer coisa como 15 mil euros/mês quando era ministro e uma reforma antecipada brutal em pouco tempo. Só isso diz muito sobre o poder do chamado “Dono Disto Tudo” e muito mais ainda sobre o governo que Pinho integrava e que José Sócrates liderava. Foi mais uma parte da teia que gangrenou Portugal a ficar exposta. Falta agora o julgamento do ex-primeiro ministro. Mas é talvez também oportuno avaliar as decisões que Pinho tomou como ministro da economia e ver se há matéria para as reverter ou penalizar os beneficiários.
5. Tanto a sentença do caso Pinho/DDT como as diligências e a constituição de arguidos no caso das gémeas ocorreram pouco antes das eleições europeias, o que já não se estranha. Alguns jornalistas e especialistas entendem que há explicações aceitáveis (como a disponibilidade do juiz de instrução no caso das gémeas) para as duas situações. É possível. Também é provável que os portugueses já nem sejam influenciados por estas coincidências temporais. Mas, convenhamos, há um exibicionismo judicial sistemático que é dispensável. Tanto nas diligências como na exuberância verbal das doutas sentenças. Tudo o que mete leis em Portugal é quase impercetível. Interessa aos que ganham vida à volta delas. E são muitos. Mesmo.
6. Num artigo recente, António Preto, advogado e ex-deputado do PSD, denuncia, no Público, a prática sistemática da EDP em não pagar um cêntimo de IMI (o imposto municipal) sobre as suas barragens, conseguindo mesmo contrariar uma decisão do poderoso fisco. António Preto explica que são vinte anos nessa situação e que, agora, a EDP fez avançar uma ação, com base na matriz das liquidações de IMI, no valor astronómico de 475.029.599,81 euros, a fim de manter o privilégio. Tal obrigaria a que a contestação das autarquias fosse de 5.812.878,00 euros em custas judiciais, que obviamente não têm, mas que a EDP dispõe para a sua iniciativa. Segundo o autor, esta última soma representa o dobro do IMI em litigância, pelo que convida o presidente da empresa, Miguel Andrade, a repensar o assunto. É duvidoso que consiga, mas é corajosa a denúncia e é importante que os consumidores saibam, até porque há alternativas potencialmente mais baratas.