A Semente do Mal. A estreia de Gabriel Abrantes no cinema de terror

A Semente do Mal. A estreia de Gabriel Abrantes no cinema de terror


Já temos mais do que provas da qualidade das produções nacionais. Temo-las visto a voar além fronteiras e a fazer com que o nosso país apareça no mapa da cinematografia. Gabriel Abrantes surpreende os espectadores com o seu primeiro filme de terror. ‘A Semente do Mal’ estreia-se no dia 18 de janeiro e promete desconcertar…


São poucos os cineastas portugueses que apostam no terror. Será por medo? Receio de tocar sempre em lugares comuns sem retirar qualquer surpresa daqueles que se sentam nas cadeiras para vivenciar o filme? Talvez por falta de financiamento, ou porque, mais do que essas, outras histórias merecem ser contadas? Há quem diga que este é o género mais difícil de fazer com veracidade e qualidade. Haverá muitas outras razões.

E o que nos faz gostar de uma produção ‘obscura’? Um filme que nos espreme as entranhas e nos faz gelar os braços? Que nos desconcerta e, por vezes, até nos tira o sono? O cinema tem esse poder e, às vezes, não encontramos respostas para essas perguntas. Mas Gabriel Abrantes arriscou e já é possível ver em sala o primeiro filme de terror de uma carreira ascendente e da qual fazem parte filmes como Palácios de Pena, em 2011, Os Humores Artificiais, em 2016 ou Diamantino, em 2018, que lhe valeu o prémio da Semana da Crítica em Cannes.

A Semente do Mal, em inglês Amelia’s Children, foi exibido pela primeira vez na secção indústria da 48.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Toronto, e teve a sua estreia na Europa durante a 17ª edição do MOTELX, em setembro, onde recebeu elogios tanto do público como da crítica. Talvez pela qualidade da sua produção, fotografia e sonoplastia, pela escolha do elenco – que conta com a participação de Anabela Moreira, Alba Baptista, Carloto Cotta, Rita Blanco e a atriz norte-americana Brigette Lundy-Paine -, ou pelo enredo, que apesar de nos remeter para os clássicos do terror à portuguesa, ao mesmo tempo, foge daquilo a que estamos habituados.

Uma família amaldiçoada

A família deveria ser um porto seguro. Um lugar onde podemos descansar, depositando toda a nossa confiança. No entanto, há casos onde isso não acontece. Muito pelo contrário… Edward foi raptado da casa onde vivia em Portugal com a mãe e o seu irmão gémeo ainda em bebé e levado para os EUA. Sem saber desse facto, lá viveu e cresceu, sempre com uma tela em branco sobre as suas origens, uma frustração que lhe dizia que apenas se conheceria completamente quando conhecesse a sua família biológica. A vida ia correndo, mas sempre na tentativa de lutar contra fantasmas passados. Depois de inúmeras tentativas falhadas, o jovem na casa dos 30 anos, que vive com a namorada em Nova Iorque, acaba por obter informações que o encaminham para uma mansão no meio da floresta, no Norte de Portugal. Na verdade, foi a namorada que conseguiu recolher as pistas, através de um pequeno aparelho tecnológico que lê o ADN. Edward descobre que lá tem um irmão gémeo, Manuel, e a sua mãe, Amélia – desfigurada pelas cirurgias plásticas que realizou ao longo da vida. «Finalmente, vai poder descobrir quem é e de onde vem. Mas nada é o que parece e Edward logo descobrirá que está ligado a eles por um segredo monstruoso», destaca a sinopse.

A poucos minutos do princípio da longa metragem, Gabriel Abrantes utiliza a famosa pintura de Goya, Saturno devorando um filho, de 1819, para nos dar pistas da temática do filme: o tabu das relações sexuais consanguíneas. Recorde-se que na obra do artista espanhol, que faz parte de uma série apelidada Pinturas Negras, o deus Cronos (Saturno na mitologia romana) é representado no ato de devorar um dos seus filhos. A figura era um emblema alegórico do passar do tempo, pois Cronos comia os filhos recém-nascidos de Reia, sua mulher, por receio de ser destronado por um deles. Aqui, o realizador prova-nos mais uma vez que o terror é um bom género para retratar o incesto.

No entanto, dá-nos tempo e espaço para descobri-lo, destapando aos poucos, num cenário gélido e, muitas vezes, desconcertante, o que une esta peculiar família. Scary jumps, um humor inconveniente – que nos oferece alguns espaços para respirarmos -, uma crítica social e uma tecnologia que já lhe é familiar em anteriores produções… O realizador junta estes e mais ingredientes para entregar ao espetador uma história que tinha tudo para ser «mais do mesmo» – já que como muitas outras segue o cânone português do campo vs. cidade – mas que se transforma, ao longo dos minutos, numa produção única e como nunca se viu em Portugal.