1. Aos poucos está a esboroar-se a ideia de que as legislativas poderiam ser um passeio no parque para o PS. O otimismo, justificado por uma campanha interna civilizada, por um acordo equilibrado para os órgãos do partido, pelo efeito de um congresso bem organizado, cheio de marketing televisivo e pela presença positiva de um António Costa aparentemente pouco ressentido, esvazia-se. Agora sente-se a tensão própria do tempo da formação de listas de deputados, enquanto se verifica uma concentração de ataques a Pedro Nuno Santos (PNS) por aquilo que fez e não fez. Verifica-se ainda que PNS não adquiriu a carapaça blindada e a agilidade dialética dos líderes políticos seniores. Ainda vacila perante perguntas óbvias. Até por isso, o alvo deixou de ser o PS, as suas políticas e a governação deplorável de António Costa. O objetivo é PNS que passa a vida a autojustificar-se. E isso é uma fragilidade num tempo em que os eleitores vão sobretudo atrás da mística do chefe e não das ideias. Um programa político é bolota de boca e pouco mais. A PNS só ainda não tocou o incómodo de ser posto na berlinda com uma notícia emanada da Justiça. À falta disso, o líder socialista é o alvo indireto da contestação da TAP à antiga presidente da companhia e ao seu milionário pedido de indemnização pelo humilhante despedimento. A gestora é brutalmente classificada de incompetente. Afirma-se que qualquer incapaz teria feito a recuperação da TAP que ela conseguiu. Convém não esquecer que a TAP depende hoje da tutela política de António Costa, que acumulou a pasta de Galamba, e de Fernando Medina, embora através de secretários de Estado. A notável jornalista Ana Sá Lopes associou essa circunstância tutelar no Público de domingo, o que levou António Costa a uma resposta irada. Tudo num país onde a independência dos gestores públicos não é evidente, como ficou patente em inúmeras comissões parlamentares de inquérito. Pode-se sempre admitir que os advogados tenham entrado em excesso de zelo na defesa de quem lhes paga, ignorando o rigor dos factos. A verdade, porém, é que o combate político se faz através de múltiplas formas e plataformas, visando muitas vezes a vingança e a destruição da pessoa e não as suas ideias. Para isso concorre uma certa tradição política e também as degradantes redes sociais que são o único alimento informativo de muita gente que ignora a informação mediada, ou seja, o jornalismo. Embora este não ande particularmente saudável.
2. Mais uma vez importa refletir sobre as eleições nos Açores, cuja campanha já decorre. Para o PSD é crucial vencê-las com maioria absoluta. Se assim não for, o melhor para Montenegro é uma vitória do PS no arquipélago, ainda que pareça absurdo. O PSD ficar refém do Chega para governar, através de um acordo ou de uma coligação, como parece ser vontade de certos sociais-democratas açorianos, transportaria a questão definitivamente para o governo nacional. Obrigaria Montenegro a falar a toda a hora sobre uma aliança com Ventura, que muitos admitem. A campanha das legislativas nacionais ficaria contaminada por um tema único e fraturante, visto que Montenegro traçou uma linha vermelha em relação ao Chega, o que o compromete a ele, mas não ao PSD e ao CDS. Montenegro também disse (mas não reafirmou domingo) que só forma governo se o PSD tiver mais votos do que o PS (e deputados?), o que inviabilizaria um acordo com os liberais ou outro qualquer partido se o PS fosse o mais votado. Montenegro mostra uma rara coragem, até porque sabe que fica sem chão se não for mesmo o mais votado. A menos que se vulgarize e passe a ser mais um político que diga uma coisa e faça o contrário, ao jeito de António Maló de Abreu, que afinal sempre se arranjou com Ventura.
3. No quadro nacional, optou-se na AD por uma fundamental estratégia de credibilização. Juntou-se um grupo de duas dezenas de conceituados economistas que definiu um quadro previsível de macroeconomia dentro do qual há diversas opções possíveis. Pode não ser muito “sexy”, mas trava a demagogia e baliza os limites do programa eleitoral a apresentar dentro de dias. A convenção do fim de semana teve um impacto político-mediático positivo. Foi um movimento de união do centro-direita que só pode crescer. Houve boas peças oratórias, nomeadamente a de Paulo Portas e de alguns não filiados de reconhecida qualidade. Até o simbólico Santana Lopes lá esteve e desdramatizou a ausência de Passos Coelho. Gonçalo da Câmara Pereira foi eficazmente neutralizado para evitar más figuras. Nuno Melo tentou retificar as suas declarações sobre a viabilização de um eventual governo minoritário do PS perante uma eventual maioria de direita, feitas uns dias antes. Não era fácil e não conseguiu desdizer-se objetivamente, o que lhe fica mal. O dislate ficou lá mesma porque o que ele disse na CNN é um facto audível. Seja como for, a convenção pode marcar uma viragem e correu bem. Há que levá-la do casino para a rua, onde Ventura se passeia prometendo tudo a todos à moda do Bloco e combater o PS pelas ideias e a denúncia do seu desastre governativo. Na convenção foi muito falado Passos Coelho que primou pela ausência, seja por não querer ir ou por não ter sido convidado. Ficou exposta a fratura com Montenegro, se é que havia dúvidas. Os passos de Coelho são dados silenciosamente por fora. Colocam-no na posição de ser visto por alguns como o futuro intérprete de uma geringonça de direita, quando ele considerou perversa a de Costa.
4. Na intervenção final da convenção, Montenegro desvendou um pouco das medidas que tenciona aplicar sem se exceder, mas acertou nas principais preocupações dos portugueses (saúde, educação, impostos e reformas), apontando soluções aparentemente realistas. Procurou mais uma vez recuperar a confiança dos renitentes pensionistas. Montenegro mobilizou a sala. Por conseguinte, obteve um bom momento de televisão, o que é fundamental num tempo em que tudo o que se faz visa os telespetadores, os media e as redes sociais. Estrategicamente ignorou o chamado elefante na sala, ou seja, a hipótese de um entendimento de qualquer natureza com o Chega. Deixou Ventura a falar sozinho. Pelos vistos, mantém o que tem dito: com ele não haverá coligação ou acordo parlamentar com a direita radical. Ficou-se por meras indiretas ao Chega, passando para Nuno Melo esse embate. Também não retificou a ideia de que só formará governo se for o mais votado do que Pedro Nuno Santos e o PS. Em síntese, esteve bem. Ganhou fôlego e ânimo no fim de semana, apesar de uma coisa ser o efeito televisivo e outra a realidade prática da vida.
5. Quanto à lista de deputados que a AD produziu, reconheça-se que é melhor do que a de Rio, o que era o mínimo exigível. Desapareceram criaturas como a que chegou a ser cabeça de lista por Viseu em nome da juventude. O nome nem ocorre. Para recordatória ilustrada ficou uma espécie de carrapito que usava. Há casos absurdos como Pinto Luz no Algarve e Teresa Morais em Setúbal. Ressalta a absoluta ausência de uma figura com perfil de candidato a Presidente da Assembleia da República. Alguns dizem que está lá Aguiar Branco, que corre por Viana do Castelo. Esquecem, para além de outras coisas, que ele só conseguiu algo como 3% dos votos quando se candidatou à liderança do PSD, o que é pífio. Verdade se diga que, depois de Santos Silva, é fácil arranjar melhorzinho.
6. Foi comovente ver Rui Tavares queixar-se de a comunicação social andar a levar o Chega ao colo. Tem toda a razão. Ventura é sempre notícia e faz por isso. Quando o Bloco de Esquerda apareceu, deu-se a mesma coisa. Com a diferença de que a maioria dos jornalistas simpatizava com Louçã e quejandos. Agora fazem questão de hostilizar Ventura. Esquecem que muitas coisas na vida têm efeito perverso.