Eutanásia?!


Os prazos propostos são irrealistas, pouco seguros, a fiscalização efectiva não está assegurada.  É um texto também revelador de falta de conhecimento concreto sobre a triste realidade dos países onde leis semelhantes já são aplicadas – como no caso do Canadá, em que as razões sociais, como a pobreza, não ter casa ou cuidados de…


Ao longo dos últimos 10 anos fomos assistindo no nosso país a um processo orquestrado para nos fazer crer que a eutanásia era algo imprescindivel no nosso quotidiano, “uma morte medicamente assistida”, um tratamento médico, que era uma “morte digna”, um direito humano – afinal, como se houvesse um dever de matar se isso se fizer a pedido de um terceiro. Através do recurso sistemático a eufemismos e da escolha deliberada de certas palavras, através da associação a uma pretensa modernidade, foi-se branqueando a natureza essencial do acto – a execução da morte de alguém – e fêz-se crer aos nossos concidadãos que esta era a solução para casos supostamente excepcionais.

No processo parlamentar que teve lugar nos últimos anos, com chumbos e várias insistencias de novas iniciativas legislativas, os peritos e as várias Ordens profissionais ouvidas foram-se pronunciando de forma clara, opondo-se globalmente às várias versões apresentadas. Através de subterfugios e alguns contorcionismos mais ou menos opacos, a maioria dos deputados sobrepôs-se a esses colectivos, à sua opinião balizada e ponderada, e chegou a uma versão final que em muito se afasta do que inicialmente se discutia. 

A versão aprovada da lei, publicada em 2023, tem contornos imprecisos, privilegia o suicidio assistido, alarga em muito o âmbito da aplicação da eutanásia, vai para além dos casos excepcionais e de terminalidade – como nos quiseram fazer crer há 8 anos atrás. Os prazos propostos são irrealistas, pouco seguros, a fiscalização efectiva não está assegurada.  É um texto também revelador de falta de conhecimento concreto sobre a triste realidade dos países onde leis semelhantes já são aplicadas – como no caso do Canadá, em que as razões sociais, como a pobreza, não ter casa ou cuidados de saúde já servem para invocar a realização da eutanásia. Temos uma lei que viabiliza o homicidio a pedido, que permite que pessoas que não estão nem doentes nem no fim da sua vida a tenham abreviada em vários anos, em números que podem atingir os milhares de casos a cada ano. Será isto moderno, será isto solidário?

Acompanhando e tratando pessoas muito doentes, milhares delas, ao longo destes ultimos quase 30 anos, tenho bem claro que o sofrimento desacompanhado e sem tratamentos não são, nos dias de hoje, uma opção. Todas as medidas para proprocionar uma Vida Digna intervindo activamente nesse sofrimento devem ser tomadas, e constituem, elas sim, um verdadeiro direito humano. Esses cuidados clinicos, eficazes, rigorosos e humanizados são os Cuidados Paliativos, mas infelizmente continuam a não estar acessiveis para uma larga maioria dos portugueses.  

A lei aprovada contraria o respeito pela Constituição e pelos Direitos Humanos, e não resolve este problema escandaloso de milhares de doentes desacompanhados quando estão mais vulneráveis.

Numa ocasião em que o investimento socialista no SNS está claramente abaixo das promessas feitas e estão bem à vista as falhas do Estado em matéria de Saúde, em que milhares de doentes, frágeis e vulneráveis, não tem acesso aos Cuidados Paliativos que necessitam,  voltamos a frizar que a prioridade não é viabilizar a morte a pedido mas sim investir em equipas suficientes, preparadas e qualificadas para intervir activamente no sofrimento e oferecer vidas dignas aos nossos concidadãos. E claramente tem faltado vontade politica para o fazer.

Os mais vulneráveis não podem ser deixados para trás, nomeadamente no fim das suas vidas.Também aqui precisamos de mudanças, para melhor. Oxalá.

 

Médica dos Cuidados Paliativos e ex-deputada do CDS

Eutanásia?!


Os prazos propostos são irrealistas, pouco seguros, a fiscalização efectiva não está assegurada.  É um texto também revelador de falta de conhecimento concreto sobre a triste realidade dos países onde leis semelhantes já são aplicadas – como no caso do Canadá, em que as razões sociais, como a pobreza, não ter casa ou cuidados de…


Ao longo dos últimos 10 anos fomos assistindo no nosso país a um processo orquestrado para nos fazer crer que a eutanásia era algo imprescindivel no nosso quotidiano, “uma morte medicamente assistida”, um tratamento médico, que era uma “morte digna”, um direito humano – afinal, como se houvesse um dever de matar se isso se fizer a pedido de um terceiro. Através do recurso sistemático a eufemismos e da escolha deliberada de certas palavras, através da associação a uma pretensa modernidade, foi-se branqueando a natureza essencial do acto – a execução da morte de alguém – e fêz-se crer aos nossos concidadãos que esta era a solução para casos supostamente excepcionais.

No processo parlamentar que teve lugar nos últimos anos, com chumbos e várias insistencias de novas iniciativas legislativas, os peritos e as várias Ordens profissionais ouvidas foram-se pronunciando de forma clara, opondo-se globalmente às várias versões apresentadas. Através de subterfugios e alguns contorcionismos mais ou menos opacos, a maioria dos deputados sobrepôs-se a esses colectivos, à sua opinião balizada e ponderada, e chegou a uma versão final que em muito se afasta do que inicialmente se discutia. 

A versão aprovada da lei, publicada em 2023, tem contornos imprecisos, privilegia o suicidio assistido, alarga em muito o âmbito da aplicação da eutanásia, vai para além dos casos excepcionais e de terminalidade – como nos quiseram fazer crer há 8 anos atrás. Os prazos propostos são irrealistas, pouco seguros, a fiscalização efectiva não está assegurada.  É um texto também revelador de falta de conhecimento concreto sobre a triste realidade dos países onde leis semelhantes já são aplicadas – como no caso do Canadá, em que as razões sociais, como a pobreza, não ter casa ou cuidados de saúde já servem para invocar a realização da eutanásia. Temos uma lei que viabiliza o homicidio a pedido, que permite que pessoas que não estão nem doentes nem no fim da sua vida a tenham abreviada em vários anos, em números que podem atingir os milhares de casos a cada ano. Será isto moderno, será isto solidário?

Acompanhando e tratando pessoas muito doentes, milhares delas, ao longo destes ultimos quase 30 anos, tenho bem claro que o sofrimento desacompanhado e sem tratamentos não são, nos dias de hoje, uma opção. Todas as medidas para proprocionar uma Vida Digna intervindo activamente nesse sofrimento devem ser tomadas, e constituem, elas sim, um verdadeiro direito humano. Esses cuidados clinicos, eficazes, rigorosos e humanizados são os Cuidados Paliativos, mas infelizmente continuam a não estar acessiveis para uma larga maioria dos portugueses.  

A lei aprovada contraria o respeito pela Constituição e pelos Direitos Humanos, e não resolve este problema escandaloso de milhares de doentes desacompanhados quando estão mais vulneráveis.

Numa ocasião em que o investimento socialista no SNS está claramente abaixo das promessas feitas e estão bem à vista as falhas do Estado em matéria de Saúde, em que milhares de doentes, frágeis e vulneráveis, não tem acesso aos Cuidados Paliativos que necessitam,  voltamos a frizar que a prioridade não é viabilizar a morte a pedido mas sim investir em equipas suficientes, preparadas e qualificadas para intervir activamente no sofrimento e oferecer vidas dignas aos nossos concidadãos. E claramente tem faltado vontade politica para o fazer.

Os mais vulneráveis não podem ser deixados para trás, nomeadamente no fim das suas vidas.Também aqui precisamos de mudanças, para melhor. Oxalá.

 

Médica dos Cuidados Paliativos e ex-deputada do CDS