Tom Wilkinson. A soberana persuasão de um ator discreto

Tom Wilkinson. A soberana persuasão de um ator discreto


1948-2023. O ator britânico morreu aos 75 anos no passado sábado 


É característico de um homem que quis sempre preservar uma margem de discrição numa carreira notável que se construiu sob a luz da ribalta o ter desaparecido sem o menor espalhafato, sem sequer dar tempo às despedidas ou a honr.

arias de qualquer espécie, aproveitando-se da algazarra da passagem de ano para mergulhar, de cabeça baixa, na morte, sem a considerar ou reconhecer. Numa extraordinária evocação que lhe rendeu nas páginas do The Guardian, Ryan Gilbey recorda como este prolífico ator britânico e estrela relutante, que morreu no passado dia 30, aos 75 anos, possuía muitas das qualidades que fazem de uma gabardina aquela peça de roupa que envergamos como uma reconfortante armadura: ele não dava muito nas vistas, era firme e podia-se contar com ele sempre que as condições não nos eram favoráveis.

Tom Wilkinson era já um veterano dos palcos ingleses, e um homem de meia idade, quando sentiu que a sua profissão não exigia que explorasse os seus talentos e determinação, e foi então que decidiu empenhar-se em deixar as sucessivas atuações para se tornar um dos mais memoráveis construtores desses papéis secundários que funcionam como os pilares que sustentam uma produção, e não demorou para entrar na lista de todos os agentes de casting, sendo ele um dos eixos fundamentais de filmes espantosos como The Full Monty, Eternal Sunshine of the Spotless Mind e Michael Clayton. De acordo com o comunicado do seu agente, Wilkinson morreu subitamente em casa, rodeado pela família. Não foram adiantados detalhes quanto à causa da morte.

Embora o seu nome não fosse atrativo suficiente para levar muitos às salas de cinema, Wilkinson sabia usar em seu proveito o facto de não ser um figurão, o que lhe permitia esquivar-se a qualquer forma de tipificação, moldando-se a cada personagem, sentindo-se livre para fazer escolhas que fizeram dele um modelo de persuasão. Richard Eyre, que o dirigiu em Stage Beauty (2004), elogiou a sua «autoridade moral» e a tendência que havia nele para trazer «um sentido de gravidade e detalhe e inteligência» nas suas atuações. Por sua vez, Wilkinson reconhecia as vantagem em se manter uma postura discreta naquela profissão: «Vejo-me a mim mesmo como um ator utilitário, aquele que pode ser chamado para desempenhar qualquer função. Sempre achei que os atores devem gozar de um certo grau de anonimato. Deparo-me com muitos atores que vivem obcecados em alcançar a fama, mas eu nunca vi que tivesse grande utilidade».

Com as suas participações em cerca de 130 produções no cinema e na televisão, interpretou personagens que guardavam uma certa reserva, o que lhe permitia controlar e gerir a mágoa e a devastação interior de tantos dos homens que interpretou, montando um quadro psicológico denso, muitas vezes oferecendo-nos pouco mais que um vislumbre do tumulto com que se debatia interiormente, e que levou, em 2001, a Academia a reconhecer a força da sua interpretação em In the Bedroom, ao interpretar um homem que depois de perder o filho busca vingança. Algumas vezes, o desequilíbrio permitia-lhe desenhar toda a irregularidade de figuras perturbadas, como nesse advogado cujos valores morais o arrastam para um esgotamento, em Michael Clayton (2007), filme que lhe valeu a segunda nomeação para um Óscar.

Wilkinson não perdia demasiado tempo com os elementos místicos da representação, e conseguia ter uma abordagem bastante sóbria, reconhecendo que a sorte acabava por ditar o curso de uma vida. «Não nos vale de muito termos uma interpretação extraordinária num filme rasca. O momento crucial na vida de um ator é quando consegue uma boa interpretação num filme que se torna um êxito. É aí que as portas se abrem». E na vida deste ator britânico, esse papel foi Gerald Cooper, um ex-supervisor de uma siderurgia de Sheffield que esconde da mulher o facto de estar desempregado, na comédia-drama The Full Monty (1997). O filme tornou-se um êxito internacional, chegando numa altura em que Wilkinson começava a ficar desesperado depois de duas décadas à procura da sua grande oportunidade.

Gerald é o mais velho dos cinco homens que dão por si completamente sem rumo, e se reveste a sua humilhação de sobranceria na forma como se relaciona com os que lhe estavam subordinados, na sua resistência a assumir a sua condição, tem um arco mais pronunciado, sendo obrigado a engolir o orgulho e juntar-se à bizarra trupe que vê no striptease masculino uma forma de recuperar uma auto-estima profundamente ligada ao papel de ganha-pão, sendo um grupo de homens que se veem simbolicamente reduzidos a safarem-se com biscates, e essa mesma masculinidade bate no fundo no clímax de uma rotina de dança completamente falha de sensualidade. Era um papel que Wilkinson sabia instintivamente como interpretar, expondo a vulnerabilidade que se esconde do outro lado de uma postura amarga. Era também um papel que lhe permitia lidar com o seu próprio fracasso, enquanto ator, sendo alguém que desde cedo revelou uma enorme promessa.

Nascido no seio de uma família de agricultores em Leeds, os pais batizaram-no Geoffrey Thomas Wilkinson, tendo ele escolhido a abreviatura do nome do meio quando começou a pisar os palcos e descobriu que havia já um Geoffrey Wilkinson nos registos. Ele viria a passar a maior parte da infância em Kitimat, na Colúmbia Britânica, Canadá, para onde a família se mudou em busca de uma nova vida depois de ter vendido a quinta. Quando o emprego do pai na fundição de alumínio não deu certo, regressaram ao Reino Unido, estabelecendo-se na Cornualha, onde os pais geriam um tabernáculo. Após a morte do pai, quando Wilkinson tinha 16 anos, a mãe mudou-se de novo para o Yorkshire. Foi uma professora, Molly Sawdon, na escola King James, em Knaresborough, que incutiu nele o gosto pelo teatro. Em breve coube-lhe dirigir os colegas numa encenação de A Cantora Careca de Ionesco, e logo ali Wilkinson deu-se conta de que estava no seu elemento. «Eu sabia como o fazer», disse numa entrevista em 1994. «Sabia quando as pessoas deviam fazer as suas entradas. Como deviam atuar. Assim que fiz esta peça, não havia dúvidas sobre o que ia fazer. Tudo o resto desapareceu».

Estudou literatura inglesa e americana na Universidade de Kent em Canterbury, onde foi presidente da sociedade de teatro, antes de ser aceite na Rada em Londres. Ganhou então um lugar no elenco da Nottingham Playhouse depois de fazer a audição com o discurso de Hamlet para os atores. «Foi a melhor audição que alguma vez vi», recorda Eyre. «Foi surpreendentemente real e autoritário». Alguns anos depois, apesar do seu talento ser inegável, os palcos que haviam sido o seu lugar de recreio, tinham-se tornado um espaço no qual se sentia confinado, e estava a ganhar 250 libras por semana como Rei Lear no Royal Court em 1993 quando decidiu que queria mais. «Estava falido e numa posição em que nunca tinha estado antes – a telefonar às pessoas para perguntar: ‘Tem alguma coisa para mim, qualquer coisa?’ Ao ver amigos e antigos colegas a fazer filmes, sentiu o impulso: «Quero estar à mesa com os grandes».