Incógnitas 2024


Somam-se incógnitas sobre o futuro que a Humanidade vai criar, já não falando do que o planeta pode reservar.


Nota prévia: Instalou-se uma enorme confusão no que diz respeito à celebração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, que deveria iniciar-se em março. Há uma comissária, mas não há comissão, nem plano, quase três anos de instituída a ideia. Denunciado o escândalo, o governo mexeu-se de um dia para o outro. A celebração passa de maio deste ano até ao 10 de Junho de 2025. Tudo isto é mais uma pata na poça do Ministro da Cultura (a Lusa é outra). Adão e Silva deixa um fabuloso rasto de não-obra. Incumbida antes de entrar para o governo da organização das comemorações do cinquentenário do 25 Abril, a criatura também nada de palpável deixou além do seu custo pessoal. Alguém imagina que a Espanha não esteja preparada, em 2047, para os 500 anos de Cervantes? Por cá será tudo em cima do joelho. Vá lá que nos pouparam, até ver, a habilidade manhosa reportar tudo por dois anos, recorrendo à circunstância de não se saber exatamente quando nasceu o poeta. Seria como mandar o Camões vir chatear mais tarde, até porque em 2024 teremos coisas patrióticas para celebrar como o 25 de Abril, o Euro24, os Jogos Olímpicos e, claro, o Big Brother, esse glorioso retrato do país que nos tornámos.

1. A partir de quinta-feira termina o IVA zero sobre os cerca de 50 produtos escolhidos pelo Governo a fim de combater a inflação. Depois de informações iniciais contraditórias, reconheça-se que foi uma medida bem-sucedida. Tivesse sido tudo assim durante o costismo e estaríamos bem melhor. A questão agora é perceber o impacto da reposição do imposto, associado a um aumento geral dos preços que se verifica sempre no início de cada ano. O efeito pode agravar o clima recessivo que já se sente. Não é por acaso que janeiro é sempre o mês mais depressivo do calendário, sendo a terceira segunda-feira o dia mais neurótico. A situação portuguesa só mudará se houver crescimento e se a remuneração do trabalho for maior. Até agora, a pré-campanha eleitoral não trouxe nenhum discurso político que contenha propostas objetivas para inverter o rumo descendente de Portugal. É só a conversa do costume! É certo que não surgiram ainda programas e nomes de candidatos aos lugares. Há que esperar sem desesperar, mas sem grandes ilusões.

2. Para além da imprevisibilidade própria de uma natureza que nos domina e condiciona, 2024 vai certamente ser um ano movimentado, animado e, sobretudo, perigoso. Entre nós, teremos, pelo menos, três eleições relevantes: Açores, legislativas e europeias que se constituem numa verdadeira incógnita. As principais são as do Parlamento nacional, sendo improvável que delas resulte claramente uma decisão popular de estabilidade. Antes pelo contrário. São os portugueses, confrontados com cada vez mais opções, que vão definir o quadro futuro. Talvez nunca a responsabilidade de cada um tenha sido tão grande. Nem sempre, uma vez contados os votos, a sua interpretação é convergente, como sucede quando há uma maioria absoluta. Face a vários cenários pós-eleitorais possíveis, recai sobre o Presidente da República boa parte da responsabilidade das fases seguintes. Ao ponto de ele poder, como fez Cavaco Silva, impor compromissos assinados antes de dar posse a uma solução. No nosso semipresidencialismo o peso arbitral do Chefe de Estado aumenta quando o Parlamento reflete uma realidade muito plural, ao contrário do que sucede quando há soluções de maioria absoluta monopartidária ou resultante de uma coligação estável. Precisamente por causa da imprevisibilidade do resultado eleitoral das legislativas e da eventual dificuldade de dispormos de um governo estável, como apontam as sondagens, foi essencial a sensatez do presidente Marcelo ao exigir que houvesse um Orçamento de Estado (OE), antes de proceder à dissolução do Parlamento. O OE, uma vez aprovado, torna-se uma lei da Assembleia da República e não do Governo, a quem compete aplicá-lo e geri-lo. Pelo menos no plano orçamental não há razão para desesperar, desde que haja as receitas estimadas. O próximo Governo está nas mãos de cada um de nós, dos que votam, dos que votam branco ou nulo e dos abstencionistas que, no fundo, delegam noutros a escolha, o que não é propriamente saudável.

3. Enviada antes da mensagem de Ano Novo do Presidente da República, esta crónica apenas permite a apreciação das palavras natalícias de António Costa, que nos apareceu mais otimista do que nunca. É verdade que, apesar do estado caótico em que deixa setores essenciais (Saúde, Justiça, Habitação, Agricultura, Defesa, Segurança Social na ótica assistencial e Cultura), Costa mudou muitos paradigmas nos seus quase nove anos de consulado, havendo mais reformas do que parece. E nem todas foram péssimas. O que houve, sim, foi uma verdadeira avalanche de medidas de cartaz que não passaram disso. A mais extraordinária é a das contas certas que ele vendeu bem interna e externamente, mas que foram feitas à conta de uma inflação que ajudou à receita e de uma carga fiscal que não tem retorno nenhum para o cidadão pagador. Quem chegasse a Portugal e ouvisse a mensagem de António Costa pensaria provavelmente que tinha desembarcado num país no mínimo tão próspero como a Noruega ou a Dinamarca.

4. À escala planetária, a nossa atualidade doméstica não tem relevância absolutamente nenhuma. Já o desiderato das eleições americanas tem inequívoca repercussão mundial e pode ser o acontecimento do ano. Isto, porque é efetiva a hipótese do golpista louco que dá pelo nome de Donald Trump voltar à Casa Branca. A criatura que ia dando cabo da centenária democracia americana, que Putin adora e até parece controlar, que o louco da Coreia do Norte recebe com carinho, está de volta. Nem a sua ordinarice nativa, a sua misoginia, a sua inconsistência política e cultural lhe estão a retirar hipóteses. Parece até que tamanha carga de defeitos é um chamariz para uma parte dos americanos. É uma espécie de atração coletiva pelo horror. Trump pode afastar Biden de um segundo mandato, de acordo com diversos estudos, apesar do atual presidente ser um grande senhor da política americana e mundial. Cada povo faz a cama em que se deita e é em primeiro lugar vítima de si próprio e da sua geografia. O problema com americanos, russos e chineses é que os seus conflitos e estados de alma têm repercussão mundial. Com Putin reeleito, Trump regressado, com uma guerra na Europa e outra no Médio Oriente e a crescente agressividade da China com Taiwan e não só, 2024 não se apresenta animador. Em geral, a União Europeia continua a manter um difícil equilíbrio interno, seguindo a rota do alargamento a leste. Já não se pode falar em coesão política e advinha-se que o crescimento vai levar a prazo a uma profunda transformação dos seus pressupostos, o que é altamente preocupante. Construir é difícil. Destruir é num instante. 

5. Em França, foi aprovada no Parlamento uma nova lei da imigração, mais restritiva do que a que vigora. O assunto gerou polémica no país político, levou a demissões no governo e causou problemas sérios a um Macron cada vez mais desacreditado, à direita e à esquerda. A lei ainda tem de ser validada pelo conselho constitucional, uma vez que parece romper com o princípio da igualdade. Nos termos do que é proposto, para receber prestações sociais um estrangeiro não comunitário terá de justificar 5 anos de permanência; o fundo de desemprego só será acessível ao fim de 3 anos e o mesmo se aplica às ajudas para habitação. Já a atribuição da nacionalidade deixa de ser um direito automático aos 18 anos para quem nasceu no território. Macron está confrontado com a eventual necessidade de remodelar o governo. Os próximos dias vão ser decisivos. A França atuou tarde, face à vaga de imigrantes não integrados que foi deixando crescer. A Bélgica, a Espanha e até Portugal (antes que seja tarde) deveriam olhar para o problema seriamente, a fim de evitar que o fluxo migratório se torne incontrolável. O nosso país, por exemplo, funciona como porta de entrada no espaço da União Europeia, através de redes de tráfico humano que se movimentam à vontade.

Incógnitas 2024


Somam-se incógnitas sobre o futuro que a Humanidade vai criar, já não falando do que o planeta pode reservar.


Nota prévia: Instalou-se uma enorme confusão no que diz respeito à celebração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, que deveria iniciar-se em março. Há uma comissária, mas não há comissão, nem plano, quase três anos de instituída a ideia. Denunciado o escândalo, o governo mexeu-se de um dia para o outro. A celebração passa de maio deste ano até ao 10 de Junho de 2025. Tudo isto é mais uma pata na poça do Ministro da Cultura (a Lusa é outra). Adão e Silva deixa um fabuloso rasto de não-obra. Incumbida antes de entrar para o governo da organização das comemorações do cinquentenário do 25 Abril, a criatura também nada de palpável deixou além do seu custo pessoal. Alguém imagina que a Espanha não esteja preparada, em 2047, para os 500 anos de Cervantes? Por cá será tudo em cima do joelho. Vá lá que nos pouparam, até ver, a habilidade manhosa reportar tudo por dois anos, recorrendo à circunstância de não se saber exatamente quando nasceu o poeta. Seria como mandar o Camões vir chatear mais tarde, até porque em 2024 teremos coisas patrióticas para celebrar como o 25 de Abril, o Euro24, os Jogos Olímpicos e, claro, o Big Brother, esse glorioso retrato do país que nos tornámos.

1. A partir de quinta-feira termina o IVA zero sobre os cerca de 50 produtos escolhidos pelo Governo a fim de combater a inflação. Depois de informações iniciais contraditórias, reconheça-se que foi uma medida bem-sucedida. Tivesse sido tudo assim durante o costismo e estaríamos bem melhor. A questão agora é perceber o impacto da reposição do imposto, associado a um aumento geral dos preços que se verifica sempre no início de cada ano. O efeito pode agravar o clima recessivo que já se sente. Não é por acaso que janeiro é sempre o mês mais depressivo do calendário, sendo a terceira segunda-feira o dia mais neurótico. A situação portuguesa só mudará se houver crescimento e se a remuneração do trabalho for maior. Até agora, a pré-campanha eleitoral não trouxe nenhum discurso político que contenha propostas objetivas para inverter o rumo descendente de Portugal. É só a conversa do costume! É certo que não surgiram ainda programas e nomes de candidatos aos lugares. Há que esperar sem desesperar, mas sem grandes ilusões.

2. Para além da imprevisibilidade própria de uma natureza que nos domina e condiciona, 2024 vai certamente ser um ano movimentado, animado e, sobretudo, perigoso. Entre nós, teremos, pelo menos, três eleições relevantes: Açores, legislativas e europeias que se constituem numa verdadeira incógnita. As principais são as do Parlamento nacional, sendo improvável que delas resulte claramente uma decisão popular de estabilidade. Antes pelo contrário. São os portugueses, confrontados com cada vez mais opções, que vão definir o quadro futuro. Talvez nunca a responsabilidade de cada um tenha sido tão grande. Nem sempre, uma vez contados os votos, a sua interpretação é convergente, como sucede quando há uma maioria absoluta. Face a vários cenários pós-eleitorais possíveis, recai sobre o Presidente da República boa parte da responsabilidade das fases seguintes. Ao ponto de ele poder, como fez Cavaco Silva, impor compromissos assinados antes de dar posse a uma solução. No nosso semipresidencialismo o peso arbitral do Chefe de Estado aumenta quando o Parlamento reflete uma realidade muito plural, ao contrário do que sucede quando há soluções de maioria absoluta monopartidária ou resultante de uma coligação estável. Precisamente por causa da imprevisibilidade do resultado eleitoral das legislativas e da eventual dificuldade de dispormos de um governo estável, como apontam as sondagens, foi essencial a sensatez do presidente Marcelo ao exigir que houvesse um Orçamento de Estado (OE), antes de proceder à dissolução do Parlamento. O OE, uma vez aprovado, torna-se uma lei da Assembleia da República e não do Governo, a quem compete aplicá-lo e geri-lo. Pelo menos no plano orçamental não há razão para desesperar, desde que haja as receitas estimadas. O próximo Governo está nas mãos de cada um de nós, dos que votam, dos que votam branco ou nulo e dos abstencionistas que, no fundo, delegam noutros a escolha, o que não é propriamente saudável.

3. Enviada antes da mensagem de Ano Novo do Presidente da República, esta crónica apenas permite a apreciação das palavras natalícias de António Costa, que nos apareceu mais otimista do que nunca. É verdade que, apesar do estado caótico em que deixa setores essenciais (Saúde, Justiça, Habitação, Agricultura, Defesa, Segurança Social na ótica assistencial e Cultura), Costa mudou muitos paradigmas nos seus quase nove anos de consulado, havendo mais reformas do que parece. E nem todas foram péssimas. O que houve, sim, foi uma verdadeira avalanche de medidas de cartaz que não passaram disso. A mais extraordinária é a das contas certas que ele vendeu bem interna e externamente, mas que foram feitas à conta de uma inflação que ajudou à receita e de uma carga fiscal que não tem retorno nenhum para o cidadão pagador. Quem chegasse a Portugal e ouvisse a mensagem de António Costa pensaria provavelmente que tinha desembarcado num país no mínimo tão próspero como a Noruega ou a Dinamarca.

4. À escala planetária, a nossa atualidade doméstica não tem relevância absolutamente nenhuma. Já o desiderato das eleições americanas tem inequívoca repercussão mundial e pode ser o acontecimento do ano. Isto, porque é efetiva a hipótese do golpista louco que dá pelo nome de Donald Trump voltar à Casa Branca. A criatura que ia dando cabo da centenária democracia americana, que Putin adora e até parece controlar, que o louco da Coreia do Norte recebe com carinho, está de volta. Nem a sua ordinarice nativa, a sua misoginia, a sua inconsistência política e cultural lhe estão a retirar hipóteses. Parece até que tamanha carga de defeitos é um chamariz para uma parte dos americanos. É uma espécie de atração coletiva pelo horror. Trump pode afastar Biden de um segundo mandato, de acordo com diversos estudos, apesar do atual presidente ser um grande senhor da política americana e mundial. Cada povo faz a cama em que se deita e é em primeiro lugar vítima de si próprio e da sua geografia. O problema com americanos, russos e chineses é que os seus conflitos e estados de alma têm repercussão mundial. Com Putin reeleito, Trump regressado, com uma guerra na Europa e outra no Médio Oriente e a crescente agressividade da China com Taiwan e não só, 2024 não se apresenta animador. Em geral, a União Europeia continua a manter um difícil equilíbrio interno, seguindo a rota do alargamento a leste. Já não se pode falar em coesão política e advinha-se que o crescimento vai levar a prazo a uma profunda transformação dos seus pressupostos, o que é altamente preocupante. Construir é difícil. Destruir é num instante. 

5. Em França, foi aprovada no Parlamento uma nova lei da imigração, mais restritiva do que a que vigora. O assunto gerou polémica no país político, levou a demissões no governo e causou problemas sérios a um Macron cada vez mais desacreditado, à direita e à esquerda. A lei ainda tem de ser validada pelo conselho constitucional, uma vez que parece romper com o princípio da igualdade. Nos termos do que é proposto, para receber prestações sociais um estrangeiro não comunitário terá de justificar 5 anos de permanência; o fundo de desemprego só será acessível ao fim de 3 anos e o mesmo se aplica às ajudas para habitação. Já a atribuição da nacionalidade deixa de ser um direito automático aos 18 anos para quem nasceu no território. Macron está confrontado com a eventual necessidade de remodelar o governo. Os próximos dias vão ser decisivos. A França atuou tarde, face à vaga de imigrantes não integrados que foi deixando crescer. A Bélgica, a Espanha e até Portugal (antes que seja tarde) deveriam olhar para o problema seriamente, a fim de evitar que o fluxo migratório se torne incontrolável. O nosso país, por exemplo, funciona como porta de entrada no espaço da União Europeia, através de redes de tráfico humano que se movimentam à vontade.