Estar grávida e poder ficar sem trabalho é um dos muitos receios que vão na cabeça de mães e futuras mães. Apesar de a lei ser muito clara na defesa destas mulheres, há muitas empresas que tentam contornar a situação. Em 2023, esses casos ainda são reais.
Teresa Silva tinha um trabalho do qual gostava quando ficou grávida. A notícia até foi bem recebida pelo patrão e a gravidez, bem como a licença de maternidade, correram na perfeição. No entanto, pouco tempo antes dessa licença terminar, Teresa recebeu uma chamada do patrão. Posteriormente, numa conversa já pessoalmente, foi-lhe dito que já não precisava dos seus serviços.
Sem nada conseguir fazer para manter o seu posto de trabalho, Teresa levou o caso a advogados para que, pelo menos, consiga deixar o posto de trabalho com o valor a que tem direito.
Rita teve mais sorte mas não ganhou para o susto. Quando se apresentou na empresa depois da licença de maternidade ter acabado, em 2018, nem teve tempo de pousar as suas coisas na secretária. Os recursos humanos já esperavam por si, e foi informada que não tinha mais lugar na empresa. “Contrataram, na minha ausência, alguém para me substituir enquanto eu estava de licença de maternidade”, começa por contar ao i. Quando contratações desse tipo são feitas, à partida, a pessoa contratada é informada que tem um contrato a termo. Mas não foi assim. “Dá-me a ideia que já tinham essa jogada quando informei que estava grávida. Mas não me informaram nem a mim nem à pessoa que contrataram”. Com advogados e ACT à mistura, Rita conseguiu manter o seu posto de trabalho. Mas não por muito tempo. “A minha ideia era não ficar sem chão. Tinha acabado de ter a minha filha e precisava daquele emprego. Mas como o que me fizeram foi de muito mau tom, fiquei apenas até conseguir encontrar outro numa empresa onde dão muito valor e importância à maternidade. Depois do que aconteceu comigo, esse sempre foi o meu principal foco, mesmo acima do ordenado que pudesse receber”.
Nenhuma destas queixas foi parar aos sindicatos, mas muitas vão, como diz ao i Fátima Messias, coordenadora nacional da Comissão para a Igualdade Mulheres e Homens (CIMH) / CGTP-IN: “As queixas chegam em primeiro lugar aos Sindicatos”. E revela que no apoio dado a estes casos de processos de despedimento ou de não renovação do contrato de trabalho, “é possível detetar indícios de discriminação em função da maternidade e, por vezes, consegue-se impedir o despedimento ou a não renovação contratual, logo no início, através da intervenção sindical junto da entidade patronal”. Mas nem sempre é assim. “O motivo do despedimento surge, em casos individuais, sob a ‘justificação’ de ‘extinção do posto de trabalho’ ou então são incluídas em despedimentos coletivos por motivos económicos ou ‘de mercado’”, explica Fátima Messias.
A responsável explica que qualquer não renovação de contrato ou despedimento que abranja trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes (ou trabalhador em gozo de licença parental) “terão sempre de ter o parecer prévio da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, em cuja comissão tripartida, a CGTP-IN tem assento”.
E acusa que em muitos processos enviados à CITE “têm sido identificados critérios discriminatórios e, sendo o parecer da CITE contrário ao despedimento ou à não renovação, a entidade patronal só o poderá concretizar se conseguir ganhar o recurso em Tribunal para contestar o parecer da CITE”.
A CGTP diz não ter números concretos dos despedimentos por este motivo, mas tem “a perceção e o conhecimento, por via dos Sindicatos, do aumento de casos nos últimos anos”.
A responsável destaca também que “o aumento dos vínculos de trabalho precários, em especial de mulheres jovens, veio agravar muito a ‘facilidade’ de despedimento por via da não renovação de contratos, camuflando-se assim, autênticos despedimentos discriminatórios em função da maternidade, logo, ilícitos”. Mas a CGTP ajuda com apoio direto, entre outros. “A legislação consagra, mas a realidade contraria. A intervenção dos Sindicatos é fundamental para garantir o cumprimento de direitos individuais e coletivos, também nesta área”, defende.
Segundo dados da ACT enviados ao i, em 2022 foram instaurados 111 processos de contraordenação por falta de comunicação “da não renovação de contrato de trabalho de trabalhadora grávida puérpera e lactante” à CITE.
Na área da parentalidade (não necessariamente gravidez), “a ACT verificou, no ano de 2022, 54 infrações, das quais 37 deram origem a processos de contraordenação”.
A ACT explica ainda que, sobre o despedimento de trabalhadoras grávidas, “sempre que se verificam indícios de um despedimento em violação, o empregador é notificado para regularizar a situação e, caso esta não seja regularizada, os factos são comunicados ao Ministério Público para fins de instauração de procedimento cautelar de suspensão de despedimento”, detalhando que “qualquer trabalhador pode opor-se ao despedimento e requerer a suspensão preventiva do mesmo.
E acrescenta que “a regularidade e licitude do despedimento, seja por via da participação da ACT ou da oposição do trabalhador, só pode ser apreciada por tribunal judicial”.
Nenhuma grávida pode ser despedida
O i tentou perceber o que diz a lei. E Helena Salazar, sócia do Departamento de Direito do Trabalho da SPCB LEGAL, é clara: “Nenhuma mulher pode ser despedida por estar grávida”. Com efeito, “a lei admite o despedimento fundamentado e justificado de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes ou no gozo da licença parental”. Assim, explica a advogada, “uma mulher grávida, puérpera ou lactante, só pode ser despedida com justa causa, por extinção de posto de trabalho, por despedimento coletivo ou por despedimento por inadaptação, após a entidade empregadora, ter solicitado e obtido um parecer prévio favorável ao despedimento”, um parecer que é emitido pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades e mulheres. Helena Salazar explica que, atualmente, quem assume estas competências é a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego – CITE. “Trata-se de um mecanismo que visa proteger estas mulheres mais vulneráveis do poder do empregador, e que visa assegurar que a razão do despedimento existe de facto, e que as mulheres não estão a ser alvo de despedimento pelo facto de estarem grávidas”.
Caso a entidade empregadora despeça a trabalhadora sem obter esse parecer da CITE ou se o parecer ao despedimento for desfavorável, “o despedimento é ilícito”, garante a advogada, acrescentando que esta proteção no despedimento é também alargada a trabalhadoras e trabalhadores no gozo de licença parental. “A mulher grávida, assim como os demais sujeitos identificados, podem apresentar queixa à CITE, assim como à Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT – porque o incumprimento das normas legais que protegem as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes é uma contraordenação grave, dando lugar à aplicação de uma coima ao empregador. Acresce que, em caso de despedimento ilícito, a trabalhadora pode suscitar a questão judicialmente”, continua Helena Salazar.
Sendo o despedimento ilícito, “nenhum tribunal terá dúvidas em declarar a ilicitude desses despedimento e fazer operar os efeitos decorrentes da declaração de ilicitude, designadamente, o direito à reintegração da trabalhadora ou em alternativa uma indemnização em substituição das reintegração, que o tribunal fixará entre um mínimo de 15 dias e um máximo de 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade da trabalhadora”, esclarece a sócia do Departamento de Direito do Trabalho da SPCB Legal, acrescentando que o valor concreto da indemnização a pagar à trabalhadora será fixado atendendo em especial ao grau de ilicitude da atuação do empregador.
Questionada sobre o que está contemplado na legislação, Helena Salazar esclarece que, além da proteção no despedimento, o Código do Trabalho prevê ainda “mecanismos de salvaguarda das trabalhadoras grávidas puérperas ou lactantes ou trabalhadores no gozo da licença parental, noutras situações de cessação do contrato de trabalho”. Assim, em caso de não renovação de contrato de trabalho a termo, “o empregador deve comunicar à CITE com antecedência mínima de cinco dias úteis a contar da data do aviso prévio o motivo da não renovação dos contratos destes trabalhadores. Também se o empregador denunciar no período experimental um contrato de trabalho de uma trabalhadora grávida ou dos demais que a lei equipara a essa situação, está obrigado a comunicar à CITE no prazo de cinco dias úteis a contar da data da denúncia a cessação desses contratos”.
E adianta ainda que a falta das comunicações pelo empregador, “corresponde a uma contraordenação grave, dando lugar a aplicação de uma coima pela ACT. Estas comunicações são obrigatórias, e destinam-se a averiguar se a razão das cessações dos contratos de trabalho não foi um caso de discriminação em relação a estas trabalhadoras”.