SISMOS- PENSAR O IMPENSÁVEL


Os desastres naturais são um dos principais desafios de segurança de qualquer país. O grau relativo de imprevisibilidade, quer quanto ao local onde poderão acontecer, quer quanto às suas consequências, deve fazer deste tipo de acontecimentos uma preocupação constante. Se houve um tempo em que se acreditava que as sociedades modernas estavam mais protegidas contra…


Os desastres naturais são um dos principais desafios de segurança de qualquer país. O grau relativo de imprevisibilidade, quer quanto ao local onde poderão acontecer, quer quanto às suas consequências, deve fazer deste tipo de acontecimentos uma preocupação constante. Se houve um tempo em que se acreditava que as sociedades modernas estavam mais protegidas contra desastres naturais, eventos recentes provaram o contrário. Sismos na Turquia e em Marraquexe, enchentes na Áustria, Eslovénia e Itália, incêndios florestais no Canadá e nas Canárias são exemplos recentes que mostram que as forças da natureza não escolhem data, hora ou local para demonstrar seu poder.

O crescimento exponencial das sociedades, muitas vezes desregrado e até desatento face às regras do planeamento, do ordenamento do território e do conhecimento profundo já consolidado face aos perigos, vieram transformar muitas zonas do globo em autênticas bombas-relógio.

Um Sismo é um desastre natural não possível de prever, com consequências que dependem da sua magnitude, duração, local do epicentro, dia, hora e local afetado. Um sismo, só por si, não causa danos nem vítimas. O problema não são os sismos, mas sim as pessoas. As consequências de um sismo estão diretamente relacionadas com o que colocamos sobre um território, como o colocamos e como fazemos a sua gestão. O que se verifica é que os nossos centros populacionais vão-se degradando progressivamente nas suas estruturas urbanas, nos seus edifícios, e nos seus espaços exteriores. Uma degradação resultante do seu próprio envelhecimento, da sobrecarga e da alteração de usos, ou simplesmente da inadaptação da sua organização aos novos modos de vida, aumentando, assim, as suas vulnerabilidades.

No entanto, diz-se permanentemente, que os países e as organizações estão minimamente preparados para responder a um sismo. Será? Ou só é verdade até um sismo acontecer? A tendência é estarmos bem preparados para aquilo que aconteceu, mas nunca para o que vai acontecer, pois simplesmente não conseguimos “adivinhar” o futuro.

Será que temos a perceção do que acontece depois de um sismo? Se for um sismo de grande amplitude será que as forças de socorro, de emergência médica ou de segurança, conseguem responder normalmente? Será que teremos linhas telefónicas disponíveis para os chamar? As suas instalações terão resistido? Os veículos operacionais poderão circular por ruas repletas de escombros? Os próprios elementos das forças de resposta à emergência não farão parte do número vítimas? As equipas de intervenção poderão acorrer em simultâneo a centenas de situações?

A verdade é que muito dificilmente se consegue responder em tempo a todas as necessidades urgentes. As necessidades são muito maiores do que os recursos disponíveis. As situações de perigo são muito mais do que o tempo disponível para as resolver. As instalações das forças de socorro, de segurança, de emergência médica, de apoio sanitário, entre outras, também são afetadas e muitas colapsaram parcial ou totalmente. Teremos alguém imediatamente disponível e habilitado para tomar decisões, políticas, técnicas ou operacionais? E a partir de onde? Pois os centros de decisão e coordenação também colapsam. Assim como colapsam edifícios, hotéis, hospitais, viadutos, pontes, túneis, vias principais, quarteis de Bombeiros, da PSP e da GNR, instalações do INEM e da CVP, edifícios do governo, das autarquias locais, dos serviços municipais de proteção civil, redes de telecomunicações e de comunicações de emergência, sedes dos órgãos de comunicação social, redes de transportes públicos, sistemas de abastecimento de água, de energia e de combustíveis, pipelines e tubagens de gás natural, instalações aeroportuárias, entre muitas outras.

Além disso, podemos certamente enfrentar incêndios de dimensão considerável, com os meios de socorro mais próximos serem gravemente afetados e os meios de socorro de reforço, estando longe, enfrentarem dificuldades de entrada na zona afetada. Deve ser tida em conta a quantidade imensa de desalojados, feridos e mortos, inúmeras pessoas desorientadas e sem saberem para onde ir ou o que fazer.

É para cenários deste tipo que nos temos todos de nos preparar.  Não é possível prever alguns dos desastres naturais nem todas as suas consequências, mas temos de pensar o impensável. É preciso atuar, permanentemente, na preparação da população, sensibilizando-a para a necessidade de alteração dos seus comportamentos e atitudes, face ao risco.

Há, no entanto, uma certeza a ter: a incerteza do dia em que acontecerá um sismo de grande dimensão em Portugal. Pois irá acontecer, e é preciso interiorizarmos que, num sismo de grande amplitude, nas primeiras horas, de acordo com as lições aprendidas de outros sismos, cerca de 90% dos sobreviventes são resgatados pelos habitantes locais, e desses, cerca de 76% por familiares ou vizinhos. A probabilidade de sobrevivência diminui fortemente com o passar das horas. A partir do quinto dia é difícil encontrar alguém com vida, mas, felizmente, chega a acontecer, ainda que poucas vezes. Está demonstrado, também, que nas horas seguintes a um sismo as pessoas só podem contar com os seus próprios meios e recursos. A população pode ficar sozinha durante 12, 24, 48 ou mais horas e o grupo, se organizado, facilita a sobrevivência. Isoladamente, dificilmente se resiste.

Depois de um sismo, tarde de mais, percebemos que afinal devíamos ter tido atenção às campanhas de informação. Afinal devíamos ter conhecido melhor as medidas de autoproteção, devíamos saber o que fazer num sismo, devíamos ter cumprido os códigos de construção. Afinal, deveríamos ter sido mais persistentes com os poderes públicos.

A verdade é que todos temos sido incapazes de fornecer conhecimento, preparação, treino e informação à população sobre o que fazer antes, durante e depois de um sismo, permitindo assim que se amplie a sua vulnerabilidade e consequentemente o impacto do fenómeno. Há que desejar encontrar sempre uma solução, e não desculpas.
 

* Diretor da Escola de Gestão, Engenharia e Aeronáutica do ISEC Lisboa

Professor Adjunto Especialista PP do ISEC Lisboa

Engenheiro em Proteção Civil pela Ordem dos Engenheiros Técnicos

Auditor de Defesa Nacional

 


SISMOS- PENSAR O IMPENSÁVEL


Os desastres naturais são um dos principais desafios de segurança de qualquer país. O grau relativo de imprevisibilidade, quer quanto ao local onde poderão acontecer, quer quanto às suas consequências, deve fazer deste tipo de acontecimentos uma preocupação constante. Se houve um tempo em que se acreditava que as sociedades modernas estavam mais protegidas contra…


Os desastres naturais são um dos principais desafios de segurança de qualquer país. O grau relativo de imprevisibilidade, quer quanto ao local onde poderão acontecer, quer quanto às suas consequências, deve fazer deste tipo de acontecimentos uma preocupação constante. Se houve um tempo em que se acreditava que as sociedades modernas estavam mais protegidas contra desastres naturais, eventos recentes provaram o contrário. Sismos na Turquia e em Marraquexe, enchentes na Áustria, Eslovénia e Itália, incêndios florestais no Canadá e nas Canárias são exemplos recentes que mostram que as forças da natureza não escolhem data, hora ou local para demonstrar seu poder.

O crescimento exponencial das sociedades, muitas vezes desregrado e até desatento face às regras do planeamento, do ordenamento do território e do conhecimento profundo já consolidado face aos perigos, vieram transformar muitas zonas do globo em autênticas bombas-relógio.

Um Sismo é um desastre natural não possível de prever, com consequências que dependem da sua magnitude, duração, local do epicentro, dia, hora e local afetado. Um sismo, só por si, não causa danos nem vítimas. O problema não são os sismos, mas sim as pessoas. As consequências de um sismo estão diretamente relacionadas com o que colocamos sobre um território, como o colocamos e como fazemos a sua gestão. O que se verifica é que os nossos centros populacionais vão-se degradando progressivamente nas suas estruturas urbanas, nos seus edifícios, e nos seus espaços exteriores. Uma degradação resultante do seu próprio envelhecimento, da sobrecarga e da alteração de usos, ou simplesmente da inadaptação da sua organização aos novos modos de vida, aumentando, assim, as suas vulnerabilidades.

No entanto, diz-se permanentemente, que os países e as organizações estão minimamente preparados para responder a um sismo. Será? Ou só é verdade até um sismo acontecer? A tendência é estarmos bem preparados para aquilo que aconteceu, mas nunca para o que vai acontecer, pois simplesmente não conseguimos “adivinhar” o futuro.

Será que temos a perceção do que acontece depois de um sismo? Se for um sismo de grande amplitude será que as forças de socorro, de emergência médica ou de segurança, conseguem responder normalmente? Será que teremos linhas telefónicas disponíveis para os chamar? As suas instalações terão resistido? Os veículos operacionais poderão circular por ruas repletas de escombros? Os próprios elementos das forças de resposta à emergência não farão parte do número vítimas? As equipas de intervenção poderão acorrer em simultâneo a centenas de situações?

A verdade é que muito dificilmente se consegue responder em tempo a todas as necessidades urgentes. As necessidades são muito maiores do que os recursos disponíveis. As situações de perigo são muito mais do que o tempo disponível para as resolver. As instalações das forças de socorro, de segurança, de emergência médica, de apoio sanitário, entre outras, também são afetadas e muitas colapsaram parcial ou totalmente. Teremos alguém imediatamente disponível e habilitado para tomar decisões, políticas, técnicas ou operacionais? E a partir de onde? Pois os centros de decisão e coordenação também colapsam. Assim como colapsam edifícios, hotéis, hospitais, viadutos, pontes, túneis, vias principais, quarteis de Bombeiros, da PSP e da GNR, instalações do INEM e da CVP, edifícios do governo, das autarquias locais, dos serviços municipais de proteção civil, redes de telecomunicações e de comunicações de emergência, sedes dos órgãos de comunicação social, redes de transportes públicos, sistemas de abastecimento de água, de energia e de combustíveis, pipelines e tubagens de gás natural, instalações aeroportuárias, entre muitas outras.

Além disso, podemos certamente enfrentar incêndios de dimensão considerável, com os meios de socorro mais próximos serem gravemente afetados e os meios de socorro de reforço, estando longe, enfrentarem dificuldades de entrada na zona afetada. Deve ser tida em conta a quantidade imensa de desalojados, feridos e mortos, inúmeras pessoas desorientadas e sem saberem para onde ir ou o que fazer.

É para cenários deste tipo que nos temos todos de nos preparar.  Não é possível prever alguns dos desastres naturais nem todas as suas consequências, mas temos de pensar o impensável. É preciso atuar, permanentemente, na preparação da população, sensibilizando-a para a necessidade de alteração dos seus comportamentos e atitudes, face ao risco.

Há, no entanto, uma certeza a ter: a incerteza do dia em que acontecerá um sismo de grande dimensão em Portugal. Pois irá acontecer, e é preciso interiorizarmos que, num sismo de grande amplitude, nas primeiras horas, de acordo com as lições aprendidas de outros sismos, cerca de 90% dos sobreviventes são resgatados pelos habitantes locais, e desses, cerca de 76% por familiares ou vizinhos. A probabilidade de sobrevivência diminui fortemente com o passar das horas. A partir do quinto dia é difícil encontrar alguém com vida, mas, felizmente, chega a acontecer, ainda que poucas vezes. Está demonstrado, também, que nas horas seguintes a um sismo as pessoas só podem contar com os seus próprios meios e recursos. A população pode ficar sozinha durante 12, 24, 48 ou mais horas e o grupo, se organizado, facilita a sobrevivência. Isoladamente, dificilmente se resiste.

Depois de um sismo, tarde de mais, percebemos que afinal devíamos ter tido atenção às campanhas de informação. Afinal devíamos ter conhecido melhor as medidas de autoproteção, devíamos saber o que fazer num sismo, devíamos ter cumprido os códigos de construção. Afinal, deveríamos ter sido mais persistentes com os poderes públicos.

A verdade é que todos temos sido incapazes de fornecer conhecimento, preparação, treino e informação à população sobre o que fazer antes, durante e depois de um sismo, permitindo assim que se amplie a sua vulnerabilidade e consequentemente o impacto do fenómeno. Há que desejar encontrar sempre uma solução, e não desculpas.
 

* Diretor da Escola de Gestão, Engenharia e Aeronáutica do ISEC Lisboa

Professor Adjunto Especialista PP do ISEC Lisboa

Engenheiro em Proteção Civil pela Ordem dos Engenheiros Técnicos

Auditor de Defesa Nacional