Sem esquecer todas as restantes variáveis envolvidas na questão da prevenção da corrupção, esta crónica aborda o papel fundamental que os Recursos Humanos poderão ter neste âmbito.
Nas últimas décadas o exercício dos Recursos Humanos nas organizações abandonou uma atitude mais conservadora, procurando ser mais criativo e inovador na implementação de iniciativas mais ousadas. Relevando medidas mais orientadas para o recrutamento baseado em competências, para a criatividade, para a orientação para os resultados, para a gestão de desempenho e para a capacitação dos colaboradores, enquanto ativo fundamental na harmonização organizacional e crescimento empresarial. Esta reorganização acompanha, de certa forma, a transição para modelos de gestão mais competitivos e, fundamentalmente, mais compatíveis com um mundo mais global.
Atendendo à sistemática transformação mundial transversal a muitas áreas, a perspetiva aqui sugerida contempla uma orientação bipartida destes recursos. Considerando, por um lado o Departamento de Recursos Humanos e, por outro, a sua gestão, ou seja, a gestão dos colaboradores, enquanto principais ativos das instituições. Obviamente a dualidade desta orientação não é fragmentada, muito pelo contrário, é inteiramente complementar. Não sendo imaginável a sua separação.
Assim, no atual contexto de adaptação às constantes renovações, nomeadamente sociais, tecnológicas e até legislativas revela-se fundamental uma reflecção sobre a importância dos Recursos Humanos (seja enquanto Departamento ou enquanto gestão de ativos) na prevenção da corrupção nas instituições públicas e privadas – não havendo aqui lugar (nem espaço) para a sua distinção.
Em matéria legislativa, as “recentes” alterações em território nacional (DL n.º 109-E/2021, de 09 de dezembro, o Regime Geral da Prevenção da Corrupção, RGPC, e a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que estabelece o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, RGPDI) podem representar uma oportunidade para as instituições incitarem uma revisão em matéria dos comportamentos organizacionais. Sendo que atualmente não é possível dissociar a ética e a integridade do sistema económico e, em boa verdade, as consequências legais e os danos reputacionais do incumprimento normativo podem encetar um destino indesejável para empregadores e empregados.
Da leitura do Artigo 5.º – Programa de cumprimento normativo e responsável pelo cumprimento normativo – do RGPC, “…as entidades abrangidas adotam e implementam um programa de cumprimento normativo que inclua, pelo menos, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias, a fim de prevenirem, detetarem e sancionarem atos de corrupção e infrações conexas, levados a cabo contra ou através da entidade.” é quase imediata a perceção que muito deste programa pode ser executado pelos Departamentos de Recursos Humanos. Acrescentando às suas já inúmeras tarefas, nomeadamente recrutamento e seleção, processamento de vencimentos, avaliação de desempenho e outras relações laborais, prevê-se útil e fundamental uma participação mais ativa no referido PPR, um maior envolvimento na produção dos códigos de conduta e sua divulgação e particular atenção ao programa de formação. Tudo no âmbito de uma perspetiva mais pragmática e funcional destes departamentos organizacionais.
Obviamente, muito haveria a dizer sobre a intervenção dos mencionados departamentos nestas matérias. Mas muito mais haverá no que concerne à anteriormente referida gestão dos recursos humanos enquanto ativos organizacionais.
Neste sentido, idos são os tempos em que se poderia dissociar o circuito económico institucional (competitividade empresarial, concorrência comercial, dividendos financeiros, reputação organizacional, entre outros) da eficiente gestão dos recursos humanos e a capacitação destes.
As novas gerações já não se compadecem com estruturas rígidas e pouco criativas. A literatura internacional destaca nos trabalhadores da geração Millennial a capacidade em alcançar a sua vocação profissional, classificando-a como uma geração idealista e com uma visão humanista nas relações de trabalho. Sendo uma geração que cresceu com liberdade de informação, caracteriza-se por ter uma mente aberta, de defender a liberdade e o “ser corajoso”. Revelando ainda que é uma geração tendencialmente mais crítica à escassez na divulgação de informações e respetiva ausência de transparência.
Acrescem preocupações na construção de culturas organizacionais assentes em pilares estruturalmente éticos e íntegros. Estes pilares devem estar em estreita relação com as tarefas levadas a cabo pelo Departamento de Recursos Humanos uma vez que produzem efeitos no desempenho profissional dos colaboradores. A justa gestão de cargos, a transparente gestão no recrutamento, a clareza na divisão de tarefas, a atribuição de objetivos concretos e consequente correta avaliação de desempenho, são algumas das medidas que se deseja na gestão dos recursos humanos. A perceção generalizada de um enviesamento nos comportamentos organizacionais éticos e transparentes pode conduzir a um clima de impunidade perante a fraude e a corrupção permitindo que se instalem fenómenos indesejáveis.
Um estudo científico efetuado na China relata um caso peculiar, denominado de “59-year-old Phenomenon”, descrito por uma série de variáveis explicativas que conduzem a um pico de violações legais e disciplinares que, curiosamente, ocorrem num grupo de trabalhadores da função pública, do sexo masculino e com idades próximas dos 59 anos.
A conjugação de vários fatores, como: a) a obrigatoriedade dos trabalhadores da função pública do sexo masculino se reformarem aos 60 anos de idade; b) a falta de supervisão e de controlo aos trabalhadores mais seniores; c) um certo abuso de poder e do estatuto adquirido; c) a crença que a entrada na aposentação representará um “talismã protetor” e; d) a vontade de ganhar mais “um barril de ouro” um ou dois anos antes da aposentação, potenciam uma escalada de ilícitos cometidos por estes trabalhadores. De forma resumida, é referida numa das conclusões uma relação causa-efeito entre uma ineficaz gestão dos recursos humanos e a corrupção que se detetou no contexto em análise.
Auditorias, sistemas de denúncias, processos judiciais, todos são essenciais e partes do processo, no entanto já revelam a existência (ou suspeita) de um crime. Sendo que o desejável seria que estes eventos ocorressem o menor número de vezes possível.
Importa refletir na importância da prevenção da corrupção organizacional e do contributo dos recursos humanos, apostando numa transformação de “dare not and cannot corrupt” para “do not want to corrupt” (Hu, X. & Zhu, T., 2016).