Na base da maioria dos nossos problemas como povo e do nosso crescente atraso entre os povos europeus, está uma falsa democracia que impede a participação activa dos cidadãos nas decisões políticas, base de qualquer regime verdadeiramente democrático. Questões como a habitação, o serviço nacional de saúde, o funcionamento da Justiça, a estagnação da economia, o crescimento da dívida, os baixos salários, o funcionamento errático da administração pública, o excesso de impostos, etc. são o resultado dos portugueses não terem qualquer participação democrática nas decisões. Ou seja, todas as decisões resultam de um pequeno grupo que do partido escolhe os deputados, controla o Parlamento e o Estado e tudo aquilo que o Estado decide e faz.
Acresce que este modelo político a que tenho chamado de centralismo democrático, usado na antiga União Soviética, resulta desde o 25 de Abril na crescente perda de qualidade política e técnica dos escolhidos para governar o país, ao ponto de como está agora a acontecer, as decisões corresponderem cada vez menos à vontade livre dos cidadãos, tanto como às transformações necessárias num futuro em transformação. Ausência de democraticidade das decisões e não necessariamente de todo o edifício democrático, porque muito diferente da antiga União Soviética, ainda existe entre nós liberdade de opinião, de organização e de debate público, ainda que no contexto de doses massivas de propaganda. Por sua vez, todas as regras formalmente democráticas funcionam, ainda que vazias de conteúdo modernizador e transformador. Vejamos porquê:
1. Os deputados da Assembleia da República são escolhidos pelos líderes partidários pela sua fidelidade e a fim de não discutirem as decisões do grupo que controla o partido e o Parlamento, sendo que ao longo dos anos essa prática reduziu a qualidade dos escolhidos que vai decaindo, ao ponto de o PS ter hoje um funcionamento monolítico onde, aconteça o que acontecer, sejam as decisões certas ou erradas, o grupo parlamentar está lá para aprovar. Por vezes com justificações surreais, que contradizem o conhecimento aceite na generalidade dos outros países democráticos. As questões da ferrovia, do modelo económico, do funcionamento da saúde, dos impostos e da habitação, sofrem de decisões em contramão com as práticas normais dos outros países da União Europeia.
2. Mas não só, a hierarquia partidária assim formada deixa de ser influenciada democraticamente pelos cidadãos e, pouco a pouco, espalha o seu poder pelo aparelho do Estado, como resultado da escolha de pessoas partidariamente controladas, a que tenho chamado a grande família socialista. Pessoas frequentemente sem as qualidades e a formação necessárias para compreender os desafios existentes, nomeadamente com vista ao futuro. As manifestações e as greves hoje quase permanentes são o resultado do abismo de conhecimento e de qualidade entre as decisões e as necessidades sentidas pela sociedade, bem como o resultado da incapacidade de negociação.
Refiro-me essencialmente à ausência de condições mínimas dos escolhidos para o exercício dos cargos, por não possuírem as necessárias qualidades éticas, políticas e técnicas. Os recentes acontecimentos no ministério da Defesa, onde foi criada uma família mafiosa organizada com nome e tudo, destinada a desnatar os dinheiros públicos como afirmado pelos próprios, não é mais do que uma guarda avançada do processo descrito. O não funcionamento atempado da justiça é um elemento relevante.
3. Não há democracia digna do nome sem instituições da sociedade livres e independentes, o que hoje é reconhecido universalmente. Ora em Portugal as ordens profissionais, as associações, as instituições de solidariedade social e mesmo empresas privadas têm sido, pouco a pouco, tornadas dependentes do Estado, seja través das leis seja através de recursos financeiros com origem no Governo ou na União Europeia. Mesmo as grandes associações empresariais estão longe de ser livres e a sua influência atingiu níveis muito baixos, que a Concertação Social tenta disfarçar o melhor que pode. Também a pobreza é usada para tornar sectores da sociedade dependentes dos programas criados pelo partido no poder com claros objectivos eleitorais.
4. O edifício educativo e científico público depende quase exclusivamente do Estado ou dos fundos da União Europeia que o Estado controla, ao ponto de já haver universidades que são correias de transmissão do PS e do Governo, com a troca de pessoas e de favores. Pela mesma razão, o ensino universitário é altamente privilegiado relativamente aos outros níveis de ensino, porventura mais relevantes nas transformações necessárias, como as creches e o pré-escolar, que custam mais dinheiro a muitas famílias do que o ensino universitário, mas com pouca qualidade, fraca cobertura e pouca assiduidade. Em que a formação dos comportamentos e das competências possa ser tão importante como os conhecimentos.
5 . O nível de ignorância existente no partido e no Governo atinge hoje níveis muito elevados, seja porque o conhecimento necessita geralmente de liberdade e as dependências burocráticas, que são o nosso caso, matam a independência e a criatividade. Por outro lado, a ignorância do poder tem privilegiado as pequenas empresas, na sua esmagadora maioria comerciais, que não crescem e não exportam, no que se tornou um modelo económico incapaz de retirar Portugal do carro vassoura da União Europeia.
6. Depois da Autoeuropa, não mais existiram outros grandes investimentos na indústria exportadora, que é o sector da economia que mais contribui para o crescimento da economia e o que melhor forma trabalhadores especializados e com melhores salários. Além da Autoeuropa ter conduzido à criação de um novo sector de componentes para automóveis destinados à exportação, sector que não tem cessado de crescer desde então.
Em resumo, o Partido Socialista que se tem mantido no poder durante a larga maioria dos últimos trinta anos, desenvolveu um sistema de controlo político não democrático sobre o Estado, cujos recursos utiliza para se manter no poder e controlar a sociedade, tornando cada vez mais cidadãos dependentes das políticas sociais do Governo, com óbvios efeitos eleitorais.
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