A possibilidade de uma mulher saber em casa se está grávida, através de um teste simples, foi descrita num anúncio, há 45 anos, como “uma pequena revolução privada” [1]. Antes do teste portátil, o diagnóstico da gravidez era obtido num consultório médico, o que era caro, inconveniente e potencialmente embaraçoso, ou decorria da manifestação inevitável de evidências físicas. Apesar da natural ânsia de saber ser tomada por muitos como evidência de promiscuidade, a busca de séculos por um teste de gravidez fiável acabaria por dar frutos. Ancorados num conhecimento científico da reprodução e da bioquímica humana, os testes de gravidez invadiram o mercado no final dos anos 70, alterando formas de pensar e de agir, e promovendo uma nova forma de olhar para a gravidez. Peças fundamentais da saúde reprodutiva de hoje, os testes de gravidez abriram as portas ao conceito cada vez mais presente de diagnóstico em casa, que privilegia o autoconhecimento e o controlo da saúde pessoal.
A apetência por um método rápido de deteção da gravidez foi, e é, transversal a épocas e culturas. Os primeiros registos, oriundos do Egito, falam de um teste que envolvia o contacto de urina feminina com trigo. Na Idade Média, por outro lado, os chamados “profetas do mijo” popularizaram a ideia de que se podia detetar a gravidez e outras condições observando a cor e turvação da urina [2]. Na verdade, as bases científicas dos testes atuais foram lançadas em 1920 por Aschheim e Zondek, com a descoberta da hormona gonadotropina coriónica humana (hCG). Produzida apenas na gravidez, os níveis de hCG no sangue e na urina sobem a pique nas primeiras semanas de gestação. Este facto foi explorado no teste “A-Z”, que envolvia a injeção da urina da mulher num rato fêmea imaturo. Em caso de gravidez, o rato entrava no cio apesar da sua imaturidade. Mais tarde, os ratos foram trocados por coelhos e o resultado passou a ser definido pela análise dos ovários do animal. Testes idênticos foram também criados com sapos. Para além de usarem animais, que acabavam por ser sacrificados, estes métodos eram caros, demorados, laboriosos e difíceis de realizar em grande escala. Esta situação alterou-se em 1960 com a introdução dos imuno-ensaios, que envolviam a mistura de urina com anticorpos que reconheciam a hCG. Apesar de mais céleres, os novos testes eram pouco sensíveis e afetados por reações cruzadas com outras hormonas, que falseavam os resultados. Este desafio foi resolvido em 1972 com a descoberta de aspetos chave da hCG e a criação de anticorpos altamente específicos, que abririam o caminho a testes muito precisos e específicos [1].
De início, a ideia de um teste de gravidez não foi levada muito a sério. À época, julgava-se que as mulheres que queriam saber se estavam grávidas antes de tal ser fisicamente óbvio, seriam somente aquelas com planos para abortar ou casar rapidamente. Estigmatizada, a urgência por uma deteção precoce era assim considerada um sinal de promiscuidade. O conceito de saúde pré-natal era também incipiente e, portanto, ações como deixar de fumar, de beber ou tomar ácido fólico não eram tidas como urgentes. A visão retrógrada de que o saber precoce da condição reprodutiva era dispensável, contrastava com a ideia progressista de que o controlo da saúde reprodutiva incluía o direito da mulher de saber, em privado, se estava grávida. Reconhecendo que existia um mercado inexplorado, a empresa farmacêutica a Warner-Chilcott combinou o saber científico com avanços tecnológicos de modo a criar um teste portátil, utilizável em casa. Hoje, vendem-se milhões de unidades de dúzias de marcas que competem por um mercado anual avaliado em mais de 1,5 mil milhões de dólares. No essencial, um teste de gravidez é um dispositivo de plástico compacto que analisa a presença de hCG em urina, gerando linhas coloridas que transmitem um resultado sim/não.
Os testes da Warner-Chilcott chegaram às lojas americanas em 1977 [1]. As ações publicitárias dirigiam-se às utilizadoras com mensagens que enfatizavam a precisão, facilidade de uso e, mais importante, uma alteração profunda na forma de encarar a gravidez. Além disso, lançaram-se campanhas para persuadir os médicos que os testes aumentariam a relevância dos cuidados pré-natais e o número dos seus pacientes [1]. Embora os testes pioneiros da Warner-Chilcott fossem complexos (eram precisos 9 passos), muitas mulheres aderiram de imediato ao conceito inovador. Numa época em que o termómetro era, possivelmente, o único dispositivo de diagnóstico presente nos lares, os testes de gravidez ganharam aceitação, abrindo caminho a toda uma variedade de testes portáteis (e.g. glucose, colesterol, ovulação, HIV, covid, etc).
O resultado de um teste de gravidez pode originar respostas diferentes, que dependem de fatores tão diversos como a idade, situação económica, religião, estado marital, etc. Apesar de valiosa, a informação obtida possui, no entanto, algumas desvantagens. Desde logo o resultado pode ser falso, induzido emoções extemporâneas e decisões precipitadas. Por outro lado, o teste pode registar uma gravidez não viável que, na ausência de informação, acabaria por terminar sem ser notada. O resultado positivo induz assim expectativas desnecessárias. Por outro lado, existe sempre a hipótese do resultado vir a ser conhecido inadvertidamente por terceiros, por exemplo se o dispositivo não for descartado convenientemente [1].
Introduzidos no mercado no final dos anos setenta do século XX, os testes de gravidez são hoje uma peça fundamental da saúde reprodutiva, a par com os contracetivos orais e os cuidados pré-natais. Ao centrar o momento da descoberta na privacidade do lar, os testes promoveram uma nova forma de olhar para a gravidez e um nível superior de controlo da saúde reprodutiva. Tratou-se na verdade, de uma reversão da “medicalização da gravidez” que, por volta de meados do século XX, havia retirado a responsabilidade pelo diagnóstico das mãos das mulheres [1]. A pequena revolução privada que foi o teste de gravidez portátil acabou assim por ganhar ampla aceitação cultural e gerar um impacto social significativo.
[1] Leavitt, S.A., (2006) A private little revolution”: The home pregnancy test in American culture. Bulletin of the History of Medicine, 80, 317-345.
[2] Harvey, K., (2023) Troubled waters: Reading urine in medieval medicine. The Public Domain Review, 19 abril.
Professor catedratico em Bioengenharia do Instituto Superior Técnico
miguelprazeres@tecnico.ulisboa.pt