Desenvolver a Colaboração Intercultural


Os princípios da teoria da dissonância cognitiva e da aula em puzzle moldaram um ambiente de aprendizagem experiencial que promoveu a coesão.


Na semana passada decorreu no Técnico a quarta edição do curso intensivo de uma semana a que damos o nome de “Bootcamp de Tecnologia para Advogados”. É a primeira atividade dos alunos que iniciam o programa de Mestrado sobre direito na economia digital na Universidade Católica. Este ano tivemos alunos de 11 países e 4 continentes. O principal objetivo do programa é o de colocar os alunos de direito em contacto com tecnologias emergentes como a computação na nuvem, internet das coisas, blockchain e inteligência artificial. Para compreenderem os desafios de levar uma tecnologia para o mercado, os participantes dividem-se em equipas para desenvolverem ideias de negócio baseadas em tecnologia num modelo de aprendizagem experiencial.

A oportunidade de trabalhar com alunos de origens tão diversas levou-nos a pensar como poderíamos neste curso fomentar as competências de colaboração intercultural. No mundo globalizado, a capacidade de trabalhar de forma eficaz com pessoas de culturas diferentes é uma competência essencial. No entanto, é natural que as pessoas se sintam mais confortáveis a colaborar com aqueles semelhantes a elas e que, sempre que possível, evitem os desafios de superar barreiras culturais. Para ultrapassarmos esta resistência, recorremos à técnica da aula em puzzle (jigsaw classroom) baseada na teoria da dissonância cognitiva.

Desenvolvida pelo psicólogo social Leon Festinger nos anos 1950, a teoria da dissonância cognitiva trata da falta de conforto que sentimos perante contradições entre as nossas crenças, atitudes ou ações. Por exemplo, sentimos um desconforto mental, ou dissonância, quando realizamos duas ações contraditórias, como quando não reciclamos um pedaço de papel depois de explicar a um filho os benefícios da reciclagem para o ambiente. Existe também uma dissonância cognitiva quando precisamos da ajuda uma pessoa de quem não gostamos. Essa tensão pressiona-nos a encontrar uma maneira de restaurar a consistência. Fazemos um esforço adicional para colocar o papel na reciclagem ou passamos a gostar um pouco mais dessa pessoa.

A dissonância pode ser um poderoso catalisador para a mudança. É possível conceber situações que provocam dissonância cognitiva que podem levar as pessoas a reconsiderar as suas perspetivas e a adotar novas crenças. A aula em puzzle é um exemplo de uma técnica de aprendizagem colaborativa baseada na dissonância cognitiva desenvolvida pelo psicólogo social Elliot Aronson. Em 1971, as escolas da cidade de Austin no Texas tinham acabado de ser dessegregadas, resultando em inúmeros conflitos raciais. Aronson e os seus alunos foram chamados a ajudar tendo desenvolvido um processo de aprendizagem baseado na divisão dos estudantes em grupos com diversidade racial. Nestas aulas, cada aluno de um grupo recebe apenas uma fração do material de estudo que tem de ensinar ao resto do grupo. Esta abordagem torna cada estudante essencial para o sucesso do grupo e a necessidade de ajuda entra em conflito com a barreira racial. A procura de consistência pacificou os conflitos originais e passaram-se a observar grupos mistos nos recreios das escolas.

No nosso curso forçamos a divisão dos alunos em equipas com o máximo de diversidade possível. Depois definimos um conjunto de papéis específicos necessários durante as diferentes fases do desenvolvimento da ideia de negócio: a escolha do problema, a identificação dos clientes, a conceção da proposta de valor, a validação da tecnologia, a criação da página web, o vídeo de demonstração e a apresentação do projeto ao painel de jurados no final da semana. Estas fases requerem diferentes conjugações dos papéis de criativo, gestor, técnico, executor, vendedor, etc. Cada um dos 6 elementos da equipa terá de escolher assumir um ou mais desses papéis que definirão as suas responsabilidades para o sucesso do projeto.

Embora existente no início, a dissonância cognitiva do trabalho próximo com colegas muito diferentes levou à conciliação das perceções contraditórias. Os laços foram crescendo com o reconhecimento da interdependência dos papéis dos membros da equipa e dos resultados que estava a produzir. Os estudantes aprenderam a superar estereótipos e a valorizar as diferentes origens e competências. O produto da equipa tornou-se maior do que a soma das competências individuais.

Este bootcamp de tecnologia é apenas um exemplo do imenso potencial da conceção de um programa educativo baseado nestes resultados da área da psicologia. Os princípios da teoria da dissonância cognitiva e da aula em puzzle moldaram um ambiente de aprendizagem experiencial que promoveu a coesão. Os resultados das edições anteriores mostraram que essa ligação se mantém para além do programa académico.

Um aspeto importante no processo de formação das equipas é o de evitar colocar na mesma equipa participantes que já se conhecem. O país de origem nem sempre é um bom indicador pois podem existir alunos de nacionalidades diferentes que foram colegas no secundário ou na licenciatura. Aqui a simplicidade ganha à sofisticação. Quando entram na sala os alunos encontram as cadeiras em formato de auditório. Na altura da formação das equipas começo na primeira fila e vou pedindo sucessivamente aos alunos para contar de um até ao número de equipas desse curso. O número que disserem será o número da sua equipa e será garantidamente diferente da do seu amigo sentado na cadeira do lado.

 

Professor do Instituto Superior Técnico

Desenvolver a Colaboração Intercultural


Os princípios da teoria da dissonância cognitiva e da aula em puzzle moldaram um ambiente de aprendizagem experiencial que promoveu a coesão.


Na semana passada decorreu no Técnico a quarta edição do curso intensivo de uma semana a que damos o nome de “Bootcamp de Tecnologia para Advogados”. É a primeira atividade dos alunos que iniciam o programa de Mestrado sobre direito na economia digital na Universidade Católica. Este ano tivemos alunos de 11 países e 4 continentes. O principal objetivo do programa é o de colocar os alunos de direito em contacto com tecnologias emergentes como a computação na nuvem, internet das coisas, blockchain e inteligência artificial. Para compreenderem os desafios de levar uma tecnologia para o mercado, os participantes dividem-se em equipas para desenvolverem ideias de negócio baseadas em tecnologia num modelo de aprendizagem experiencial.

A oportunidade de trabalhar com alunos de origens tão diversas levou-nos a pensar como poderíamos neste curso fomentar as competências de colaboração intercultural. No mundo globalizado, a capacidade de trabalhar de forma eficaz com pessoas de culturas diferentes é uma competência essencial. No entanto, é natural que as pessoas se sintam mais confortáveis a colaborar com aqueles semelhantes a elas e que, sempre que possível, evitem os desafios de superar barreiras culturais. Para ultrapassarmos esta resistência, recorremos à técnica da aula em puzzle (jigsaw classroom) baseada na teoria da dissonância cognitiva.

Desenvolvida pelo psicólogo social Leon Festinger nos anos 1950, a teoria da dissonância cognitiva trata da falta de conforto que sentimos perante contradições entre as nossas crenças, atitudes ou ações. Por exemplo, sentimos um desconforto mental, ou dissonância, quando realizamos duas ações contraditórias, como quando não reciclamos um pedaço de papel depois de explicar a um filho os benefícios da reciclagem para o ambiente. Existe também uma dissonância cognitiva quando precisamos da ajuda uma pessoa de quem não gostamos. Essa tensão pressiona-nos a encontrar uma maneira de restaurar a consistência. Fazemos um esforço adicional para colocar o papel na reciclagem ou passamos a gostar um pouco mais dessa pessoa.

A dissonância pode ser um poderoso catalisador para a mudança. É possível conceber situações que provocam dissonância cognitiva que podem levar as pessoas a reconsiderar as suas perspetivas e a adotar novas crenças. A aula em puzzle é um exemplo de uma técnica de aprendizagem colaborativa baseada na dissonância cognitiva desenvolvida pelo psicólogo social Elliot Aronson. Em 1971, as escolas da cidade de Austin no Texas tinham acabado de ser dessegregadas, resultando em inúmeros conflitos raciais. Aronson e os seus alunos foram chamados a ajudar tendo desenvolvido um processo de aprendizagem baseado na divisão dos estudantes em grupos com diversidade racial. Nestas aulas, cada aluno de um grupo recebe apenas uma fração do material de estudo que tem de ensinar ao resto do grupo. Esta abordagem torna cada estudante essencial para o sucesso do grupo e a necessidade de ajuda entra em conflito com a barreira racial. A procura de consistência pacificou os conflitos originais e passaram-se a observar grupos mistos nos recreios das escolas.

No nosso curso forçamos a divisão dos alunos em equipas com o máximo de diversidade possível. Depois definimos um conjunto de papéis específicos necessários durante as diferentes fases do desenvolvimento da ideia de negócio: a escolha do problema, a identificação dos clientes, a conceção da proposta de valor, a validação da tecnologia, a criação da página web, o vídeo de demonstração e a apresentação do projeto ao painel de jurados no final da semana. Estas fases requerem diferentes conjugações dos papéis de criativo, gestor, técnico, executor, vendedor, etc. Cada um dos 6 elementos da equipa terá de escolher assumir um ou mais desses papéis que definirão as suas responsabilidades para o sucesso do projeto.

Embora existente no início, a dissonância cognitiva do trabalho próximo com colegas muito diferentes levou à conciliação das perceções contraditórias. Os laços foram crescendo com o reconhecimento da interdependência dos papéis dos membros da equipa e dos resultados que estava a produzir. Os estudantes aprenderam a superar estereótipos e a valorizar as diferentes origens e competências. O produto da equipa tornou-se maior do que a soma das competências individuais.

Este bootcamp de tecnologia é apenas um exemplo do imenso potencial da conceção de um programa educativo baseado nestes resultados da área da psicologia. Os princípios da teoria da dissonância cognitiva e da aula em puzzle moldaram um ambiente de aprendizagem experiencial que promoveu a coesão. Os resultados das edições anteriores mostraram que essa ligação se mantém para além do programa académico.

Um aspeto importante no processo de formação das equipas é o de evitar colocar na mesma equipa participantes que já se conhecem. O país de origem nem sempre é um bom indicador pois podem existir alunos de nacionalidades diferentes que foram colegas no secundário ou na licenciatura. Aqui a simplicidade ganha à sofisticação. Quando entram na sala os alunos encontram as cadeiras em formato de auditório. Na altura da formação das equipas começo na primeira fila e vou pedindo sucessivamente aos alunos para contar de um até ao número de equipas desse curso. O número que disserem será o número da sua equipa e será garantidamente diferente da do seu amigo sentado na cadeira do lado.

 

Professor do Instituto Superior Técnico