A sucessão das reuniões dos clubes selectos (BRIC e G20), o alargamento do número dos respectivos membros (Arábia Saudita, Irão, Etiópia, Egipto, Argentina e Emirados Árabes Unidos no caso dos BRIC e União Africana no caso do G20) e a coincidência entre os Estados que integram os dois clubes (todos os BRIC originais integram o G20) permitem a pergunta: há alternativas à hegemonia americana?
Há quem veja os BRIC, sobretudo na recente versão alargada, como um cavalo de Tróia chinês ou uma coligação dos diversos anti-americanismos. Os discursos (as conclusões das diversas reuniões) prometem, mas as realizações das alternativas à hegemonia dos EUA deixam muito a desejar. A promessa de alternativas ao dólar como moeda de referência financeira e comercial global está por concretizar. Há, nos últimos anos, um maior número de transacções noutras moedas que não o dólar, mas há também uma contradição insanável: a China comprou e compra dívida dos EUA (pública mas também privada), exporta para os EUA e quer ser paga em dólares. Se o dólar deixasse de ser a moeda de referência perderia valor e a perda afectaria os activos chineses.
A grande diferença entre a hegemonia americana e a alternativa chinesa assenta na possibilidade de exportação dos respectivos modelos. A impossibilidade de exportação em massa do modelo político chinês (ditadura de partido único tolerada enquanto distribui os resultados do crescimento económico) não significa que em certas geografias (África, América Latina) não se olhe com gula para a possibilidade de uma ditadura tecnocrática capaz de acelerar o crescimento económico.
No plano geo-estratégico pergunta-se: será a China uma potência imperial no sentido de que pretende expandir as suas fronteiras e comportar-se como um suserano? Do ponto de vista do acesso aos mercados (controlando as matérias-primas em África, tendo-se tornado a fábrica do mundo e criando uma teia de dependências por via da concessão de empréstimos e da construção de redes de infra-estruturas de transporte) há uma realidade imperial, por via do controlo financeiro (a armadilha da dívida pública) e económico (controlo da cadeia logística). E para os vizinhos da China a simples assunção das fronteiras históricas do império chinês, redesenhando as fronteiras actualmente existentes, anuncia uma expansão territorial nos moldes do imperialismo clássico.
O império americano subsiste também por uma outra via, a da produção cultural. Nesta frente a China trabalha, ainda e só, para um mercado interno.
A recente cimeira dos G-20 em Nova Deli assumiu, simbolicamente, a importância do Sul Global, mas não sabemos ainda no que é que se traduzirá essa importância. Os EUA conseguiram dar palco à Índia, retirando-o à China, mas as diferenças são muitas entre os diversos meridionais, o Sul Global é um chavão, não é um conceito operacional. Atente-se nas dificuldades que o Brasil tem encontrado no regresso à política internacional, simplificando em demasia a abordagem a uma solução negocial do conflito na Ucrânia ou pondo em causa a utilidade do Estatuto do Tribunal Penal Internacional (dos BRIC originais só o Brasil e a África do Sul, esta com uma hesitação em 2017, se vincularam ao TPI).
O Sul Global não quer ser um novo Movimento dos Não Alinhados. Mas as dificuldades do re-alinhamento aumentam exponencialmente quando se passa da recusa de certas opções à definição de alternativas que possam federar os interesses dos diversos Estados do Sul.