Liga saudita. Os petrodólares que ameaçam a Europa

Liga saudita. Os petrodólares que ameaçam a Europa


A Arábia Saudita ameaça o futebol europeu com o poder dos petrodólares. Todas as semanas há jogadores de nível mundial a deixar os clubes europeus e a aterrar em Riade. Mas também há exceções.


Por João Sena

Em janeiro deste ano, o mundo do futebol começou a mudar, quase sem darmos por isso. Quando Cristiano Ronaldo trocou o Manchester United pelo Al Nassr estava também a abrir a “caixa da Pandora” do futebol europeu. Na altura, muitos riram-se quando o internacional português afirmou que dentro de alguns anos o campeonato saudita seria um dos cinco ou seis melhores do mundo. Agora, passados seis meses, há muita gente assustada com o ataque saudita à Europa, e há quem peça a intervenção da FIFA para evitar a fuga em massa dos grandes jogadores para o mundo árabe. 

O Governo saudita continua empenhado em fazer da Saudi Pro League uma das mais fortes do mundo através do Fundo Soberano da Arábia Saudita. Este fundo adquiriu 75% dos quatros maiores clubes: Al Ittihad, Al Ahli, Al Nassr e Al Hilal, e tem 600 mil milhões de euros para gastar no futebol, o que quer dizer que vamos ouvir falar dos sauditas nos próximos anos, até porque a mensagem é clara: “Queremos ter os 300 melhores jogadores do mundo”. Sabe-se que há muitos futebolistas à espera que o telefone toque para fazer o contrato da sua vida. Até 20 de setembro, data em que fecha o mercado saudita, o futebol europeu vai viver numa angústia, pois nada pode fazer contra o poderio económico dos árabes, e nem a FIFA, nem as confederações podem impor uma data para o fecho das transferências.

O interesse do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman – na prática é ele que manda no reino – pelo futebol tem dois objetivos: ganhar a simpatia do Ocidente e desviar a opinião pública internacional das violações dos direitos humanos, ao mesmo que é uma peça importante na política interna. Ao manter uma sociedade bastante jovem envolvida com o futebol, o regime sabe que os riscos de surgirem protestos são menores. 

O poder dos sauditas ameaça a ordem instituída no futebol do Velho Continente. A confirmar-se a notícia do Corriere dello Sport de que a Arábia Saudita vai propor um novo modelo da Liga dos Campeões, que permitirá ao campeão saudita participar na competição da UEFA, não faltará muito para vermos a final da principal competição de clubes em Riade, como já acontece com a Supertaça italiana e espanhola.

Os sauditas cansaram-se de gastar dinheiro no estrangeiro e perceberam que podiam fazer o espetáculo em sua própria casa. Os investimentos que inicialmente eram direcionados para clubes passaram a centrar-se na contratação dos melhores jogadores. Depois de terem garantido Cristiano Ronaldo e Karin Benzema, a chegada de Neymar é um importante trunfo para dar visibilidade à liga, e as contratações não ficam por aqui. Talvez o próximo a fazer as malas seja o egípcio Mohamed Salah, embora o Liverpool tenha dito que o avançado não está à venda, vamos ver até quando resiste.

Neymar assinou um contrato do outro mundo com o Al Hilal, 320 milhões de euros por duas temporadas e uma lista interminável de regalias, entre as quais está um avião particular e uma mansão com 25 divisões, e logo a seguir surgiu uma contratação contranatura. O jovem de 21 anos Gabri Veiga, apontado como uma das grandes promessas do futebol espanhol, deixou o Celta de Vigo para jogar no Al Ahli, que já tinha contratado Roberto Firmino (ex-Liverpool), Riyad Mahrez (ex-Manchester City), Franck Kessié (ex-Barcelona), Édouard Mendy (ex-Chelsea) Roger Ibañez (ex-Roma) e Saint-Maximin (ex-Newcastle). Uma notícia que espantou o mundo do futebol e mostra o peso que os petrodólares têm na vida de um jogador. O antigo campeão do mundo alemão Toni Kroos recusou jogar na liga saudita, e classificou a contratação como algo “vergonhoso”.

Lionel Messi teve na mão um contrato obsceno para jogar no Al Hilal e receber 1,2 mil milhões de euros por dois anos, o que dava qualquer coisa como 50 milhões de euros por mês, mas preferiu ir viver para Miami e reforçar a equipa de David Backham. Mas não fechou totalmente a porta árabe e assinou um contrato de três anos com o Governo saudita para promover o país a nível turístico e, segundo o jornal New York Times, vai receber 22,5 milhões de euros.

Mas nem tudo corre bem no reino de Salman. A ganância em contratar nomes sonantes levou a que oito clubes tenham um excesso de estrangeiros, o que vai obrigar as equipas a abrir mão dos futebolistas menos credenciados, mas que já faziam parte do plantel. A solução passa por alterar a lei, o limite é oito jogadores de outras nacionalidades, o que não deve difícil de fazer na Arábia Saudita. Contudo, o excesso de jogadores estrangeiros persiste para a Liga dos Campeões da Confederação Asiática de Futebol, que permite apenas cinco jogadores de outras nacionalidades, podendo inscrever um sexto futebolista se for de um país que integre a referida confederação.

 

Nem todos embarcam Na verdade, nem todos os craques se renderam à luxúria e aos milhões dos sauditas. Para alguns, jogar ao mais alto nível no futebol mundial é mais valioso do que os contratos banhados a ouro. Kylian Mbappé segue firme na Europa e tem um objetivo bem definido que é vencer a Liga dos Campeões, se possível com o Real Madrid. Razão mais do que suficiente para ter recusado uma oferta do Al-Hilal de 400 milhões de euros por dois anos, podendo atingir os 700 milhões de euros com os acordos comerciais. Aos 24 anos, o internacional francês dá prioridade à parte desportiva e, segundo o jornal L’Equipe, nem sequer recebeu os representantes do clube saudita. 

 O campeão do mundo pela Argentina, Di Maria, recusou mudar-se para a Arábia Saudita e voltou a Portugal. “Recebi muitas chamadas. Os números que apresentaram eram incríveis, mas escolhi com o coração e quis vir para o Benfica”, disse o jogador, que regressou à Luz 13 anos depois de ter saído para o Real Madrid. O croata Luka Modric, de 37 amos, recusou 25 milhões de euros para jogar no Al Hilal, e preferiu renovar com o Real Madrid por um ano e ganhar metade do ordenado. Lukaku foi outro que recusou o mundo árabe e optou por seguir no futebol europeu. O avançado belga passou ao lado do convite e dos 25 milhões de euros do Al Hilal, uma atitude corajosa uma vez que está sem clube, embora haja a possibilidade de reforçar a Roma de José Mourinho. O sul-coreano Son Heung-min recusou c umontrato de 30 milhões de euros por temporada para se manter na Premier League e no Tottenham, e explicou a sua decisão: “O dinheiro não é o mais importante neste momento”, o que não deve ter agradado ao sheik do Al Ittihad.