Por Marta Raimundo, Vice-presidente da Juventude Popular de Setúbal
Linguagem inclusiva, espaços inclusivos, filmes ou música, em suma, uma Sociedade inclusiva, tem surgido no léxico português (ou mais ou menos português), numa espiral de ganho de gostos e seguidores nas redes sociais, com um forte impacto disfarçado de exclusão – sim, isso mesmo – e claro, da boa ode ao que soa moderno. Falar de inclusão está na moda. Esta é a verdade. E é por isso que devia incomodar-nos.
A inclusão não é uma bandeira, que serve para colocar as pessoas em mais caixas do que aquelas em que já estão. Sim, porque é normal estarmos. A Sociedade não vive sem referências inócuas de semelhança entre seres humanos como os gostos no que toca ao que ouvimos, vestimos ou comemos, por exemplo. Inclusão deve ser um cisma global, de qualquer Sociedade democrática, que implica comportamentos sociais inerentes, sem com eles levantar rótulos.
Mas que rótulos? Vejamos… Se passamos a usar pronomes – muito famosos ao dia de hoje, quando na escola ninguém lhes dava valor e gramaticalmente o seu uso é outro – estamos automaticamente a dizer, eu sou A ou sou B, quando a ideia é sermos todos pessoas, por igual. Estamos automaticamente a rotular.
Idem para questões relacionadas com a sexualidade. Sempre houve gays, lésbicas, bissexuais, etc, como já é amplamente documentado na História da humanidade. É uma questão individual, de gosto, de atração. Ou seja, atualmente, todos sabemos que não se trata de uma escolha racional, mas sim que nasce connosco e que aquilo que é o amor para uns, não tem de ser para outros. Não fosse o amor das coisas mais difíceis de definir. As comparações constantes entre géneros e identidades sexuais são, por si só, um exercício de categorização limitada. Dito isto, sendo o tópico intrínseco a cada um, onde a substância a ter de imperar é o respeito e a harmonia social, tal e qual como acontece com heterossexuais, esse rótulo não deve ser tido como uma forma de enfatizar ninguém. É apenas e somente uma característica como qualquer outra.
Um exemplo? Quando acusam Câmaras Municipais de estar contra a comunidade LGBT+, porque estas não aceitam fazer determinado evento num local ou hastear uma bandeira, isto não passa de (auto)exclusão:
1. A câmara não tem de dar mais privilégios ou visibilidade a uma comunidade que a outra, quando tem provas, argumentos, e solução para o efeito, disponibilizando outro local – nunca negando a realização – , tal como faz com outros eventos;
2. A comunidade em questão coloca-se automaticamente na sua bolha. Um rápido discurso negativo de “Somos uma comunidade, temos direitos. O autarca está contra nós.” Não. São pessoas, tal e qual como a restantes população, neste caso, da cidade do Porto, e não têm de exigir nada a mais do que os seus pares. Ou seja, usar uma característica sua, para querer ir mais além, é exclusão e rotulagem. Estranhamente, apontam o dedo com uma facilidade assustadora, quando diariamente pedem para que não se faça isso, o que é um contrassenso.
Vamos sair deste campo que é demasiado polémico. Olhemos para pessoas com deficiência. Há inclusão em Portugal? Reflitamos…
É rara a vez que ouvimos falar na inclusão de quem é portador de deficiência, quer seja física ou mental. Estão as câmaras municipais a fazer um bom trabalho no que concerne à acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada? Como está a implementação de braille nas cidades? Temos todos as mesmas oportunidades de trabalho nas empresas? De ir a um espetáculo? Lembramo-nos habitualmente de que uma pessoa daltónica não distingue a cor de um semáforo ou de uma bandeira na praia? Não creio, porém, uma Sociedade inclusiva quer-se facilitadora.
Dados como os Censos revelam que em Portugal há mais de um milhão de pessoas com deficiência. Posto isto, é uma realidade que pode estar muito mais próxima do que imaginamos. Aliás, indo mais longe, é uma realidade da qual ninguém está livre. As ruas têm algumas rampas, mas acessibilidade é mais do que isso. É a capacidade de, se eu me deslocar de cadeira de rodas, ter o mesmo direito de andar de transportes públicos, ir a um café, restaurante, bar, discoteca, etc, que uma pessoa sem mobilidade condicionada. Passará a minha cadeira de rodas nos espaços, são amplos o suficiente? Chegarei eu a um balcão de atendimento ou é demasiado alto? Há elevador? As casas de banhos serão adaptadas? Se a resposta é não, então estou automaticamente excluída.
Esta falta de acessibilidade foi debatida no âmbito da cultura em junho, com agentes da Cultura e Artistas nacionais que se reuniram no Campo Pequeno, pois são vários os festivais e as salas de espetáculos que não estão preparados para, por exemplo, receber público surdo ou cego. É necessário implementar legendas e/ou tradução em Língua Gestual Portuguesa ou áudio-guias. Não tendo, esse público está excluído. Veja-se bem a área a que me refiro: Cultura. Conhecida e fortemente congratulada por ir para os grandes palcos falar de inclusão à boca cheia. Inclusão dos artistas; os negros e os brancos; abaixo o fascismo. A mesma divisória e discurso de sempre, mas depois, nem nos próprios espetáculos se apercebem que não são, de facto, inclusivos.
O projeto musical Canto Abierto da Fundação Música Creativa de Madrid é de destacar. Os coralistas são pessoas com deficiência (como trissomia 21 ou autismo), que fazem o que mais gostam, sem se definirem pelas suas características, num projeto adaptado. Outro projeto que visa tornar realmente a Sociedade mais inclusiva é o sistema de identificação ColorADD, um código criado para pessoas com daltonismo, que distingue cada cor, e pode ser implementado em diversos materiais. Segundo a entidade, 90% de informação mundial usa a cor como fator prioritário de comunicação. Mas inclusão para daltónicos para quê? Arranjem-se… Pessoas como quaisquer outras, excluídas apenas por uma condição que lhes é inerente. Pessoas que não imaginam exclusões, vivem-nas de facto.
E os famosos X? Falemos deles, porque quem não usa X, é homofóbico, transfóbico e outrxs. A lengalenga do estás comigo ou estás contra mim… uma visão muito inclusiva esta. Pois bem, optar pelo uso de X é a exclusão de pessoas com dificuldades de aprendizagem, por exemplo, dislexia. Colocar um X alterando palavras que para muitos já são habitualmente difíceis de interpretar, ler, pronunciar, e escrever, é prejudicial, visto que estamos a dificultar-lhes a vida. Onde ficam estas crianças e o seu processo de aprendizagem, que ainda agora começou? Aliás, deveria eu escrever criança e crianço? É um caminho muito perigoso que tem de ter limites. Atualizar a língua face aos tempos, pois não nos podemos deixar ficar no que perde valor e sentido, é uma coisa. Existem as alterações ao acordo ortográfico, e coloco em cima da mesa ter o Cartão de Cidadania, – no qual contemplaríamos o termo masculino e feminino, e não apenas o masculino “Cidadão”, por uma simples razão de língua e de tempo. Mas não havendo termos neutros, substitutos, existentes e com significados atribuídos, não vamos inventar, prejudicando o ensino, optando sim por uma via de exclusão. Já para não falar que, procurar as ditas palavras neutras, dá muito mais trabalho do que colocar um X em qualquer uma.
Não contem comigo para usar X, numa primeira instância porque sou portuguesa, escrevo português e gosto muito pouco de assassinar a minha própria língua; e depois porque inclusão é muito mais do que optar pelo uso de palavras inexistentes. Este é o último dos caprichos: Estarmos preocupados com a necessidade pessoal de personalização de termos. Esta não é uma visão alargada, não é uma visão verdadeiramente inclusiva.
Quando tentamos suprimir exclusões imaginadas, dificultamos a vida a quem tem realmente dificuldades de integração social. A inclusão não é uma moda para inglês ver.
21.08.2023