Nota prévia: Estamos no tempo do debate do Estado da Nação, que encerra sempre a sessão legislativa. O Governo vai aproveitar para reforçar a propaganda a todo o gás. A operação começou com uma estranha e macia dose de programas na CNN, feitos em colaboração com a SBE e aos quais deram o pomposo nome de “Town Hall”. Por ali desfilaram e vão continuar a desfilar uma catrefada de ministros que repetem “ipsis verbis” o guião do país em progresso, ignorando a realidade que nos está a arrastar irremediavelmente para o último lugar na União Europeia. O Estado da Nação não pode ser medido de um ano para o outro. Isso é manipulação. O que tem de se avaliar é o ponto onde estávamos e as perspetivas que havia há oito anos, quando António Costa formou a geringonça, e os dias de hoje. Para ser verdadeiro e útil, o exercício jornalístico-académico deveria comparar as circunstâncias de todos os países da UE. No modelo escolhido passou-se ao lado de muita atualidade. Por exemplo ninguém se lembrou de invocar a situação do secretário Estado da Defesa que estava já ferido na asa desde a edição do Expresso do passado dia 1. Só no atual Governo contam-se em pouco mais de um ano treze baixas ao efetivo, dois ministros e onze secretários de Estado, alguns dos quais por corrupção. O caos na defesa agravou-se Gomes Cravinho, atualmente nos negócios estrangeiros. Obviamente que é mais um ministro fragilizado e que se arrasta. Será que há alguma outra nação da UE neste estado de coisas? Não há não!
1. Não há noticiário ou jornal em que não se fale da Saúde e do SNS. Tudo se diz, de bem e de mal, do nosso sistema de saúde, das suas grandezas e misérias em muitas áreas. Mas há uma que praticamente ninguém menciona: a saúde oral. Ora, basta olhar para qualquer entrevista a populares nas televisões (especialmente fora de Lisboa) ou andar de transportes públicos ou na rua com atenção para verificar que há milhões de portugueses desdentados por falta de assistência, a que se juntam mais uns quantos que arranjaram problemas em duvidosas clínicas que nascem como cogumelos. A saúde dentária em Portugal é, na prática, prestada só pelo setor privado. Os pacientes ou pagam do seu bolso ou precisam de seguros caríssimos, a tal ponto que proporcionalmente sejamos dos países em que cada um mais gasta em saúde. Em tempos, um governo inventou o cheque dentista que não serviu para nada. Isto porque o paciente chegava ao consultório e o estomatologista ou médico-dentista pouco mais podia fazer do que uma observação ou uma limpeza, uma vez que os dentes precisam normalmente de várias intervenções. A facilidade com que se ignora esta faceta da saúde é irresponsável. Tanto mais que, hoje, está mais do que provado que muitas das doenças graves de que padecemos, até eventualmente do foro neurológico, têm origem numa dentição doente. Este tema é obviamente tabu político. E, por isso, todos os partidos e governos passam à frente. É uma irresponsabilidade!
2. O que é mais estranho no relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP é a surpresa dos partidos de oposição, de certos jornalistas e comentadores relativamente ao seu conteúdo. Pura ingenuidade! O documento está conforme à prática de asfixia democrática que o PS exerce sobre a sociedade em todas as funções políticas e em muitas de natureza privada, mas dependentes do Estado. Agora estamos na fase de discutir as alterações que a oposição vai propor para a feitura do relatório final. É improvável que o PS dê abertura a grandes mudanças, dada a sua maioria absoluta. Havia quem pensasse que poderia haver no relatório uma efetiva auditoria à gestão económica, financeira e política da TAP. Achava-se que se podia repetir a CPI ao BES/GES. Ora, no caso da banca, havia um interesse convergente político de todos os partidos. Já no da TAP cada partido esteve na sua trincheira. Os sinais de guerra partidária foram dados, por exemplo, nas hilariantes inquirições dos deputados socialistas aos depoentes, que as televisões aproveitavam para intervalos. Mesmo assim, a CPI foi muito útil pelo espetáculo televisivo que forneceu sobre a forma como a governação é exercida em Portugal. Por isso, não é preciso relatório para nada. Todo o país acompanhou a novela mexicana da CPI com os seus episódios rocambolescos. A palhaçada e a fuga às responsabilidades ficaram gravadas na net e nos audiovisuais para memória futura. É falso que a CPI tenha sido inútil. Antes pelo contrário. Escarrapachou uma realidade lamentável que comporta ministros do calibre de Galamba.
3. Prossegue a chantagem de certos grupos profissionais dispostos a boicotar as Jornadas Mundiais da Juventude. Ora, as JMJ são, mal ou bem, um desígnio nacional e um evento extraordinário. Só isso justifica plenamente a aplicação de uma medida radical como a requisição civil para todos os grevistas de serviços essenciais, evitando o caos e a humilhação de Portugal. Para evitar o bloqueio da capital, chegou-se ao ponto de se dar tolerância aos trabalhadores do Estado. Depois pensou-se melhor. E ficou de se fazer uma lista específica de quem para ou não. Faz-se primeiro e pensa-se depois, nas jornadas como em quase tudo. Está por saber se quem está em teletrabalho também tem dispensa. É preciso ter noção de que em agosto nem tudo pode deixar de funcionar. Há emigrantes que vêm tratar de papeis, há consultas médicas que levam meses e anos para remarcar. Há na governação uma lógica de imaturidade e um desnorte cada vez mais preocupantes.
4. Tem sido muita a controvérsia à volta de uma amnistia a propósito das JMJ e da vinda do Santo Padre. A proposta apenas contempla cidadãos até aos trinta anos. O poder político é livre de dar amnistias, seja pela vinda do Papa, do Dalai Lama ou do que for. Mas é de mediano bom senso que uma amnistia não exclua especificamente um segmento da população acima de uma determinada idade. Parece até que temos uma Constituição que afirma que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Se a moda pega qualquer dia há amnistias por géneros e subgéneros.
5. No meio de tanta coisa quase passou despercebida a revelação de que temos em Ana Mendes Godinho uma ministra milagreira. Bendita seja a santa senhora que assinou uma portaria, permitindo às creches aumentarem em duas o número de crianças que recebem por cada sala. Teoricamente podem arranjar-se, burocraticamente, mais seis mil vagas, desde que, vá lá, haja condições. Não foi ainda o milagre dos pães, mas não está mal para uma noviça. Só falta aplicar a mesma fórmula mágica nos lares de idosos, nos centros de dia e, quiçá, nos comboios da linha de Sintra.
6. Pedro Adão e Silva tem pouco de concreto para apresentar quanto às funções de ministro da Cultura e de tutela da comunicação social do Estado. A exceção recente de repor as visitas gratuitas aos museus é bem-vinda, mas é pífia. As mudanças estruturais que produziu no ministério vão levar muito tempo até se poderem avaliar. Em concreto, o ministro não cumpre os mínimos, nomeadamente no que ao teatro diz respeito. Talvez por isso aproveita todas as hipóteses para se evidenciar como o fez agora ao destratar os deputados da CPI à TAP, que comparou a procuradores de filmes americanos de série B dos anos 80. Lacerda Sales, presidente da comissão, já lhe exigiu uma retratação. Um caso a seguir o deste ministro a quem não falta ambição política. É melhor não colocar fora de hipótese de também ele se interessar pelo lugar de secretário-geral do PS. Mesmo depois deste tiro no pé, dado para agradar ao todo poderoso chefe Costa que o adora.