O ioiô como padrão da vida em democracia


Vai-se continuar a destruir a classe média. Vai-se continuar a gerir o quadro de indigência dos que mais precisam. Vai-se continuar a adiar o que é problema estrutural e impede o sonho de um país mais desenvolvido, sustentável e justo.


As opções e as circunstâncias empurraram a maioria dos portugueses para quadros de vivências com elevados níveis de condicionamento dos recursos e forte imprevisibilidade, gerando quadros mentais que se somam às existências e formatações das personalidades, da família à escola, dos grupos de amigos às experiências em comunidade. O resultado é uma média elevada de complacência com o destino e as mitigações que surgem quantas vezes por mão do Estado ou de quem está de plantão no cumprimento das suas funções constitucionais e da gestão do bem comum. Entre a configuração à sorte e a exigência cívica em defesa dos direitos, no cumprimento dos deveres e no escrutínio do funcionamento das instituições e dos serviços há uma enorme margem de manobra, que pode fazer toda a diferença. Pode ser o 8 da conformação e ajuste individual e comunitário às circunstâncias ou o 80 da ambição, quiçá utópica, em transformar as realidades, superando os bloqueios e os problemas, em impulsos de afirmação do potencial existente e do sonho de uma sociedade melhor, mais justa e com maior desenvolvimento.

A verdade é que boa parte dos portugueses têm estado entregues a um quadro de vivências em modo de ioiô, em que ora têm, ora deixam de ter, para depois voltar a ter e serem de novo confrontados com as incertezas do amanhã. A consagração de um certo “éramos felizes e não sabíamos” pulveriza uma inevitável configuração em baixa dos ânimos e atitudes de uma população com baixos índices de exigência cívica, consigo e com os poderes públicos, no seu funcionamento e na determinação das regras da organização da sociedade. Chegados a um certo patamar de indigência do exercício cívico e do funcionamento das instituições democráticas, enleadas num círculo vicioso de displicências geradoras de fragilidades e de evitáveis aproveitamentos populistas, a dúvida é se a configuração por baixo vai continuar, sem vontade de mudança interna e escassa afirmação de alternativa. A dúvida é saber se em questões relevantes para a vida em democracia, permitimos que as forças das circunstâncias se sobreponham aos valores e princípios fundamentais do cidadão, das suas vivências como parte de um todo e da afirmação da sociedade como comunidade de destinos, soberana e afeta a um a território. A vida em ioiô tem sido isso, mas há quem tenha vivido e viva ainda num quadro pior de estabilidade e previsibilidade nivelado por baixo, nos limiares mínimos da pobreza, da desintegração e da injustiça, reféns dos problemas estruturais que tardamos em superar de forma sustentada. 50 anos após Abril, apesar de todas as circunstâncias, isso não pode ser vida, mas é.

Não aumentar a exigência cívica e o escrutínio com o exercício político e o funcionamento das instituições e dos serviços vai perpetuar um ciclo de vida em ioiô, de ajustes e regozijos com migalhas e remendos geridos com um sentido muito alheado da vontade de transformar a sociedade e a relevância dos cidadãos como pilares essenciais das comunidades.

Não quebrar a tentação e voragem do ioiô, que permite a manutenção dos equilíbrios de poder e dos interesses instalados, vai consagrar o poder do dinheiro como principal fator de modelação eleitoral, a partir da gestão das disponibilidades orientadas para os nichos eleitorais que não vacilam perante a indiferença de amplos grupos sociais que esgotam a participação cívica no desabafo ou nas críticas, por vezes sem filtros mínimos de senso, nas redes sociais.

Num quadro de configuração generalizada por baixo, em consequência do ioiô no registo “não tem”, imagine-se o poder de afago dos egos e das carteiras resultantes da soma das disponibilidades do PRR e do Portugal 2030 com o aumento das pensões e reformas, a redução do IRS, a diminuição de impostos diretos e indiretos e uma eventual gracinha no IRC, entre outras soluções do modo “tem” possibilitados pela carga fiscal e pela monumental receita fiscal dos últimos meses.

Pois, o poucochinho é lei e o PSD sabe disso, razão pela qual o atual líder, em registo de cão pisteiro, anunciou a perda das eleições europeias por pouco como algo positivo, face ao ponto de partida. 

Sem consciência dos próprios ou sobressalto cívico, o modo de vida em ioiô, com configuração dos direitos, liberdades e garantias, afastados dos princípios e valores que enformaram a criação do partido de turno no poder, com evidentes fragilizações do compromisso dos cidadãos com a democracia e as suas instituições, vai-se instalar, a toque da sobrevivência política focada no quotidiano e do encantatório poder de uns trocos a mais na carteira. 

Vai-se continuar a destruir a classe média.

Vai-se continuar a gerir o quadro de indigência dos que mais precisam.

Vai-se continuar a adiar o que é problema estrutural e impede o sonho de um país mais desenvolvido, sustentável e justo. O sonho que muitos portugueses procuram e conseguem lá fora, com as mesmas competências e outros modelos de organização.

O ioiô não é vida para ninguém.

NOTAS FINAIS

OS ABAFADORES. Em democracia não é comum, mas no mundo dos berlindes, de outros tempos, era um berlinde de vidro maior, servia para abafar os mais pequenos. Bastava tocar com o abafador no berlinde e, zás, o berlinde mudava de proprietário e ficava pertença do dono do abafador. As regras do abafador mudavam de terra para terra, de ano para ano, e de momento para momento. É o que vem à memória quando se proclama no debate público e mediático “um não assunto” ou se doutrina um “à justiça o que é da justiça”, apesar dos padrões de comportamento e dos protagonistas escolhidos.

 

OS PONTOS. O espaço público e mediático tem os seus pontos. Comentadores profissionais que opinam sobre tudo e sobre nada, ora focados em manter os equilíbrios, ora enfunados por agendas articuladas para desgastar ou promover determinados protagonistas e temas. A propósito de um infeliz cartoon, que reitera preconceitos e reforça o posicionamento populista junto das forças de segurança, acolhido pela RTP, foi delicioso ler a cartilha e a defesa, quais apoderados das tutelas.

O ioiô como padrão da vida em democracia


Vai-se continuar a destruir a classe média. Vai-se continuar a gerir o quadro de indigência dos que mais precisam. Vai-se continuar a adiar o que é problema estrutural e impede o sonho de um país mais desenvolvido, sustentável e justo.


As opções e as circunstâncias empurraram a maioria dos portugueses para quadros de vivências com elevados níveis de condicionamento dos recursos e forte imprevisibilidade, gerando quadros mentais que se somam às existências e formatações das personalidades, da família à escola, dos grupos de amigos às experiências em comunidade. O resultado é uma média elevada de complacência com o destino e as mitigações que surgem quantas vezes por mão do Estado ou de quem está de plantão no cumprimento das suas funções constitucionais e da gestão do bem comum. Entre a configuração à sorte e a exigência cívica em defesa dos direitos, no cumprimento dos deveres e no escrutínio do funcionamento das instituições e dos serviços há uma enorme margem de manobra, que pode fazer toda a diferença. Pode ser o 8 da conformação e ajuste individual e comunitário às circunstâncias ou o 80 da ambição, quiçá utópica, em transformar as realidades, superando os bloqueios e os problemas, em impulsos de afirmação do potencial existente e do sonho de uma sociedade melhor, mais justa e com maior desenvolvimento.

A verdade é que boa parte dos portugueses têm estado entregues a um quadro de vivências em modo de ioiô, em que ora têm, ora deixam de ter, para depois voltar a ter e serem de novo confrontados com as incertezas do amanhã. A consagração de um certo “éramos felizes e não sabíamos” pulveriza uma inevitável configuração em baixa dos ânimos e atitudes de uma população com baixos índices de exigência cívica, consigo e com os poderes públicos, no seu funcionamento e na determinação das regras da organização da sociedade. Chegados a um certo patamar de indigência do exercício cívico e do funcionamento das instituições democráticas, enleadas num círculo vicioso de displicências geradoras de fragilidades e de evitáveis aproveitamentos populistas, a dúvida é se a configuração por baixo vai continuar, sem vontade de mudança interna e escassa afirmação de alternativa. A dúvida é saber se em questões relevantes para a vida em democracia, permitimos que as forças das circunstâncias se sobreponham aos valores e princípios fundamentais do cidadão, das suas vivências como parte de um todo e da afirmação da sociedade como comunidade de destinos, soberana e afeta a um a território. A vida em ioiô tem sido isso, mas há quem tenha vivido e viva ainda num quadro pior de estabilidade e previsibilidade nivelado por baixo, nos limiares mínimos da pobreza, da desintegração e da injustiça, reféns dos problemas estruturais que tardamos em superar de forma sustentada. 50 anos após Abril, apesar de todas as circunstâncias, isso não pode ser vida, mas é.

Não aumentar a exigência cívica e o escrutínio com o exercício político e o funcionamento das instituições e dos serviços vai perpetuar um ciclo de vida em ioiô, de ajustes e regozijos com migalhas e remendos geridos com um sentido muito alheado da vontade de transformar a sociedade e a relevância dos cidadãos como pilares essenciais das comunidades.

Não quebrar a tentação e voragem do ioiô, que permite a manutenção dos equilíbrios de poder e dos interesses instalados, vai consagrar o poder do dinheiro como principal fator de modelação eleitoral, a partir da gestão das disponibilidades orientadas para os nichos eleitorais que não vacilam perante a indiferença de amplos grupos sociais que esgotam a participação cívica no desabafo ou nas críticas, por vezes sem filtros mínimos de senso, nas redes sociais.

Num quadro de configuração generalizada por baixo, em consequência do ioiô no registo “não tem”, imagine-se o poder de afago dos egos e das carteiras resultantes da soma das disponibilidades do PRR e do Portugal 2030 com o aumento das pensões e reformas, a redução do IRS, a diminuição de impostos diretos e indiretos e uma eventual gracinha no IRC, entre outras soluções do modo “tem” possibilitados pela carga fiscal e pela monumental receita fiscal dos últimos meses.

Pois, o poucochinho é lei e o PSD sabe disso, razão pela qual o atual líder, em registo de cão pisteiro, anunciou a perda das eleições europeias por pouco como algo positivo, face ao ponto de partida. 

Sem consciência dos próprios ou sobressalto cívico, o modo de vida em ioiô, com configuração dos direitos, liberdades e garantias, afastados dos princípios e valores que enformaram a criação do partido de turno no poder, com evidentes fragilizações do compromisso dos cidadãos com a democracia e as suas instituições, vai-se instalar, a toque da sobrevivência política focada no quotidiano e do encantatório poder de uns trocos a mais na carteira. 

Vai-se continuar a destruir a classe média.

Vai-se continuar a gerir o quadro de indigência dos que mais precisam.

Vai-se continuar a adiar o que é problema estrutural e impede o sonho de um país mais desenvolvido, sustentável e justo. O sonho que muitos portugueses procuram e conseguem lá fora, com as mesmas competências e outros modelos de organização.

O ioiô não é vida para ninguém.

NOTAS FINAIS

OS ABAFADORES. Em democracia não é comum, mas no mundo dos berlindes, de outros tempos, era um berlinde de vidro maior, servia para abafar os mais pequenos. Bastava tocar com o abafador no berlinde e, zás, o berlinde mudava de proprietário e ficava pertença do dono do abafador. As regras do abafador mudavam de terra para terra, de ano para ano, e de momento para momento. É o que vem à memória quando se proclama no debate público e mediático “um não assunto” ou se doutrina um “à justiça o que é da justiça”, apesar dos padrões de comportamento e dos protagonistas escolhidos.

 

OS PONTOS. O espaço público e mediático tem os seus pontos. Comentadores profissionais que opinam sobre tudo e sobre nada, ora focados em manter os equilíbrios, ora enfunados por agendas articuladas para desgastar ou promover determinados protagonistas e temas. A propósito de um infeliz cartoon, que reitera preconceitos e reforça o posicionamento populista junto das forças de segurança, acolhido pela RTP, foi delicioso ler a cartilha e a defesa, quais apoderados das tutelas.