A missão primordial da Ordem dos Médicos (OM) é defender a qualidade dos cuidados de saúde e a segurança dos doentes. Tudo o que coloque em causa este compromisso ético e social merecerá sempre a frontal oposição de todos os médicos e das suas organizações representativas. Infelizmente, estamos, hoje, a assistir a uma interferência externa no funcionamento da OM que compromete a sua independência e autonomia, e impede uma regulação da profissão, aspetos essenciais para assegurar as melhoras respostas em saúde.
A atual revisão estatutária da OM decorre da aplicação da nova Lei-Quadro das Ordens Profissionais (LQOP), aprovada em dezembro de 2022 pela Assembleia da República. A LQOP configura uma intromissão externa, criando mecanismos verdadeiramente inaceitáveis e que se traduzem numa tentativa sem precedentes por parte do Governo de ‘pôr mão’ na atividade executiva, técnico-científica e disciplinar da OM. O Conselho de Supervisão, a nova composição dos Conselhos Disciplinares e a natureza da criação da figura do Provedor do Doente consubstanciam uma triste tentativa de ingerência nas matérias de exercício da Medicina, da formação e da deontologia médica.
O Conselho de Supervisão terá vastas competências sobre os diversos órgãos da OM, sobre as matérias técnicas e disciplinares, sendo composto por 60% de pessoas não-médicas.
A LQOP dita ainda a incorporação de elementos externos nos órgãos disciplinares da OM. Não é admissível, nem compreensível, que personalidades não conhecedoras das matérias relacionadas com a prática da Medicina tomem decisões para as quais não estão tecnicamente capacitadas.
Trata-se de mais uma imposição que apenas adensa a lamentável tentativa de ingerência do poder político na Ordem, com o único objetivo de controlar uma atividade que é e que deve continuar a ser independente, na defesa dos melhores cuidados de saúde.
Por fim, a nomeação de um Provedor do Doente da Ordem dos Médicos faz todo o sentido, mas o que parece ser um absoluto contrassenso é o facto de este, de acordo com a Lei-Quadro, não poder ser médico. É uma função que exigirá um conhecimento transversal da saúde, da profissão médica e da Medicina e uma preparação ao nível técnico-científico médico que apenas os Médicos possuem.
Estas decisões estão descabidas de razoabilidade.
As reuniões de trabalho com o Governo permitiram, no entanto, reverter muitas das propostas inaceitáveis inicialmente apresentadas, como por exemplo a intenção do Ministério da Saúde em definir os programas de formação das especialidades médicas, os critérios de idoneidade formativa e as capacidades formativas dos serviços dos hospitais e dos centros de saúde.
Não podia, também, deixar de referir a publicação da Lei do Ato Médico, que ainda terá de ser aprimorado, pois é um passo importantíssimo para terminar com a impunidade e o charlatanismo daqueles que, sem qualificações, praticam atos médicos.
A união e a mobilização dos médicos é, por isso, mais importante do que nunca. A Ordem dos Médicos é o garante da excelência da Medicina em Portugal e assim continuará a ser, caso salvaguarde a sua autonomia e independência de interesses externos, que em nada ajudam à construção de uma melhor Saúde para as pessoas.
Bastonário da Ordem dos Médicos