Conselho abre investigação a acordo do MP com Rui Pinto

Conselho abre investigação a acordo do MP com Rui Pinto


O Nascer do SOL sabe que o CSMP já deliberou na passada quinta-feira, dia 25 de maio, aceitar o pedido e ordenou a abertura de um processo de averiguações.


A equipa de advogados do Benfica apresentou um pedido ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) para investigar a suspensão provisória de cinco processos relacionados com o criador do ‘Football Leaks’, Rui Pinto. Os advogados suspeitam que um procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) tenha intervindo de forma abusiva no inquérito, alegadamente em conluio com a defesa de Rui Pinto, com o intuito de evitar que ele fosse julgado em cinco inquéritos distintos. O Nascer do SOL sabe que o CSMP já deliberou na passada quinta-feira, dia 25 de maio, aceitar o pedido e ordenou a abertura de um processo de averiguações.

Esses inquéritos referem-se a acessos não autorizados aos sistemas informáticos do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo, do FC Porto, do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), bem como a e-mails da antiga procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e do Benfica.

A suspensão provisória impunha a Rui Pinto o cumprimento de várias condições. Recorde-se que o pirata informático tinha de estar disponível para colaborar com o Ministério Público e a Polícia Judiciária em investigações nacionais ou internacionais, fornecer os códigos de desencriptação dos materiais informáticos apreendidos e, além disso, não poderia cometer mais crimes.

«Apesar das características idênticas e da total coincidência de endereços, datas e métodos do ataque, o certo é que com a decisão do Senhor Procurador da República Carlos Casimiro Nunes, não só Rui Pinto beneficiou de uma suspensão provisória do processo, como ainda viu o seu nome dissociado de qualquer ataque informático ao Governo da República (via CEGER) e à Senhora ex-Procuradora-Geral da República, Exma. Senhora Dr.ª Joana Marques Vidal, na mesma decisão em que considerou que a ‘conduta do arguido apresenta uma culpa diminuída, atentos os motivos da prática dos factos: procura da prova da prática de crimes graves para os divulgar publicamente’», lê-se no documento a que o Nascer do SOLteve acesso.

«Resta saber, então, que crimes Rui Pinto procurou provar através do acesso à conta de correio eletrónico da Senhora Dr.ª Joana Marques Vidal, conduta a que o Senhor Procurador da República Carlos Casimiro Nunes relevou nos termos acabados de referenciar – importando esclarecer no âmbito do presente pedido de averiguações, salvo melhor opinião, as razões que motivaram a conduta do Senhor Procurador da República Carlos Casimiro Nunes e em que medida tinha, ou não, consciência da falsidade de afirmações que preconizou na decisão de suspensão provisória do processo», é explicitado. Importa lembrar que a leitura da sentença de Rui Pinto estava agendada para o final de abril, mas foi adiada para o dia 13 de julho. Na origem do adiamento está uma alteração da acusação e o facto de os advogados de defesa terem direito a mais dez dias para apreciação dos novos crimes que são imputados aos arguidos. Em janeiro, a defesa de Rui Pinto pediu pena suspensa para o hacker informático. «Não ia pugnar pela absolvição, não faria sentido. Uma pena de prisão suspensa será suficiente», afirmou Francisco Teixeira da Mota, advogado do mentor do Football Leaks, na sessão realizada no Juízo Central Criminal de Lisboa, acrescentando que o pirata informático está a ser julgado pela primeira vez.

«É uma pessoa que inequivocamente estava absolutamente motivada para denunciar e tornar público crimes, situações graves e ilegalidades. Não tinha noção da importância do segredo de advogado, coisa que adquiriu», acrescentou.  Já no início de janeiro, o Ministério Público (MP) pediu que Rui Pinto fosse condenado a pena de prisão.

Em novembro de 2022, Rui Pinto recusou-se a prestar mais declarações em tribunal. O hacker começou a prestar declarações no dia 4 de setembro de 2020, na sequência de um processo no qual responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

No início da sessão de 7 de novembro, após a vontade do arguido ter sido conhecida, a advogada da Doyen solicitou a reprodução e valoração das declarações prestadas perante o juiz de instrução criminal em 22 de março de 2019. O seu advogado, Francisco Teixeira da Mota, opôs-se à reprodução daquelas, existindo algumas dúvidas por haver  contradições entre as que foram prestadas em julgamento e na anterior fase processual.

Em outubro, o principal assunto da segunda sessão foi o acesso às contas de fundo de investimento da Doyen. Rui Pinto foi questionado ponto a ponto sobre a informação que consta na acusação. Segundo este documento, terá sido o hacker quem acedeu às contas da Doyen, o que Rui Pinto negou. «Um dos nossos amigos do Football Leaks tinha realizado uma viagem a Londres por motivos pessoais. Ficou combinado que nessa ida à Londres tentaria aceder pela rede da Doyen Capital, perto das instalações da Doyen Capital. No último dia, passou a noite num hotel perto das instalações da Doyen Capital, comprou um equipamento específico para captação de rede a longas distâncias», explicou, citado pelo Observador. As primeiras tentativas de acesso não correram bem, disse Rui Pinto, que frisou que esses acessos iniciais não terão sido feitos por si. O hacker afirmou por diversas vezes que não originou a entrada na rede, mas que apenas tinha conhecimento. «Não, não foi o arguido Rui Pinto. Eu tinha conhecimento», disse.

Quanto à tentativa da extorsão à Doyen, Rui Pinto contou que inicialmente tudo começou «como uma provocação». Embora o foco da segunda sessão tenha sido o dossiê Doyen, o pirata informático quis explicar, antes de abordar esse assunto, alguns pontos que foram tocados na semana anterior, como a divulgação do contrato de Jorge Jesus, quando o treinador trocou o Benfica pelo Sporting, em 2015. Por várias vezes, o coletivo de juízes perguntou qual era o interesse de expor o contrato e Rui Pinto explicou que o propósito «não era única e exclusivamente mostrar irregularidades», mas também «mostrar curiosidades». Porém, tinha detalhes que seriam de importância pública: «O contrato de Jorge Jesus levanta a questão da data em que foi assinado. Havia determinados pontos no contrato que eram de interesse público».

Na primeira sessão, o hacker revelou que estava a trabalhar com os serviços secretos ucranianos e apontou alguns momentos que deram origem ao Football Leaks. Assumiu que teve acesso a contas de e-mail de vários trabalhadores do Sporting, mas não identificou quem trabalhava consigo. «Temos feito análise de imagens de vigilância em sítios estratégicos, também interceção de comunicações rádio utilizadas pelo exército russo», explicou Rui Pinto. «E o mais curioso é que isto é open source intelligence, fontes abertas. Um soldado ucraniano disse: ‘A nossa sorte é eles serem muito estúpidos», afirmou. O hacker admitiu ainda que, apesar de não ter dado início ao ataque informático ao Sporting, em 2015, participou nele mais tarde: «Quando regressei a Budapeste, pus mãos à obra», disse, confessando ter acedido às caixas de correio eletrónico de quatro funcionários do clube para conseguir obter informações. «Era a altura da janela de transferências, havia sempre informação nova a chegar», continuou.

À época, o clube tinha «uma colaboração mais ativa com fundos de investimentos, como a Doyen Sports e outros menos conhecidos» e Álvaro Sobrinho, ex-líder do Banco Espírito Santo Angola (BESA), que tinha entrado «no capital social» da SAD, o que fez despertar o seu interesse pelo clube. O hacker admitiu que o projeto do Football Leaks «foi idealizado» por si e por «amigos», em Praga, na República Checa, enquanto discutiam futebol, não dando quaisquer informações sobre esses amigos. «A princípio, não levaram muito a sério, mas depois empenharam-se», disse, afirmando que na altura o grupo já «tido acesso a determinado tipo de informação, através de acessos ilegítimos».

Rui Pinto também afirmou que durante o projeto do Football Leaks «foram cometidos erros», mas os trabalhos no Malta Files e no Luanda Leaks trouxeram «grandes benefícios para a sociedade», deixando claro: «Foi revelada muita situação que de outra forma não teria sido conhecida».

O Nascer do SOLnão conseguiu obter contacto de Rui Pinto e confrontou o consórcio de advogados – constituído por João Medeiros, Rui Patrício, Paulo Saragoça da Matta, Rui Costa Pereira, Rui Pedro Martins e David Silva Ramalho –, que não quis prestar qualquer declaração.