O grande assalto de Dresden

O grande assalto de Dresden


Cinco membros de um clã de origem libanesa ligado ao mundo do crime foram condenados pelo roubo das joias de Augusto o Forte. O crime da madrugada de 25 de novembro de 2019, que rendeu 113 milhões de euros em diamantes, não foi um trabalho de amadores.


As imagens captadas pelas câmaras de segurança mostram dois homens encapuzados, empunhando lanternas para perfurar a escuridão. Em seguida, enquanto um deles direciona o feixe da lanterna, o outro, munido com um enorme machado, golpeia violentamente uma vitrina até esta finalmente ceder. O vidro era à prova de bala, mas não pôde resistir à força bruta, combinada com a cobiça de assaltantes ansiosos por deitar a mão a tesouros avaliados em milhões de euros. Até o nome era apetecível: Grünes Gewölbe, qualquer coisa como Galeria Verde, embora ‘gewölbe’ também possa significar ‘caixa-forte’. Verde como a cor do dinheiro e das esmeraldas. Mas o objetivo eram as joias da coleção de Augusto o Forte, príncipe eleitor da Saxónia (mais tarde Rei da Polónia), contemporâneo de Luís XIV, com quem tentou rivalizar em magnificência.

Na manhã seguinte, 25 de novembro de 2019, cerca de um mês antes de o mundo começar a ouvir falar de um perigoso vírus vindo na China, a cidade de Dresden acordou em choque com a notícia do roubo. Dizia-se que os objetos, datados do século XVIII e cravejados de diamantes, valiam mais de mil milhões de euros. A imprensa chamou-lhe ‘o maior roubo de arte dos tempos modernos’, mesmo se, em vez das peças emblemáticas, que seriam invendáveis e os denunciariam de imediato, os criminosos optaram por objetos que facilmente poderiam desmantelar para tirar as pedras e vendê-las separadamente. Aliás, o maior receio era precisamente esse: que as joias barrocas de Augusto o Forte se tivessem perdido para sempre. O ministro do Interior do estado da Saxónia considerou o golpe «um ataque à identidade cultural de todos os saxões».

A polícia alemã não perdeu tempo. O golpe exibia a sofisticação própria de quem sabia o que estava a fazer. Por volta das quatro da manhã, antes de entrarem no Castelo de Dresden, onde se localiza a Galeria Verde, os ladrões incendiaram uma caixa de eletricidade nas proximidades, o que cortou a iluminação pública e neutralizou os alarmes (mas não as câmaras de segurança). Depois, a coberto da escuridão, serraram as grades das janelas tentando produzir o mínimo de ruído. Lá dentro, terminado o serviço, com as joias já atiradas para dentro de um saco, os assaltantes descarregaram o conteúdo inteiro de um extintor no local do crime – não para extinguir qualquer incêndio, mas para apagar todos os vestígios de ADN que pudessem ter deixado para trás. Saindo por onde tinham entrado, substituíram a grade serrada, de modo a confundir as autoridades. E, para garantir que não deixavam mesmo pistas, incendiaram o carro que lhes tinha servido para a fuga, um potente Audi A6. Este não era, definitivamente, um trabalho de amadores.

Um fabuloso jackpot

Alertada pelos seguranças do museu – que viram as imagens das câmaras de vigilância mas não puderam confrontar os ladrões, uma vez que não estavam armados -, a polícia chegou ao local em cinco minutos, às 4h59, pontualidade germânica. Mas, quando foram montados bloqueios nas saídas de Dresden, já era tarde de mais. 

O passo seguinte foi anunciar uma recompensa de 500 mil euros para quem fornecesse informações que levassem à recuperação das peças e à captura dos autores do crime.

Afinal, o saque valia bem o investimento. Das vitrinas da Galeria Verde tinham desaparecido um espadim de ouro com nove diamantes grandes e setenta pequenos no punho; um broche com 660 pedras preciosas; uma insígnia da Ordem da Águia Branca Polaca; e vários outros objetos idênticos com um denominador comum: a profusão de diamantes. O saque não valeria mil milhões de euros, como fora inicialmente divulgado, mas ainda assim os especialistas avaliaram as perdas em 113 milhões. Um fabuloso jackpot.

Por sorte, o famoso diamante verde de Dresden, o mais procurado da coleção pelos visitantes, encontrava-se emprestado ao Museu Metropolitano de Nova Iorque. 

Não passou muito tempo até haver suspeitos na mira das autoridades. A 12 de dezembro, volvidas apenas duas semanas e qualquer coisa sobre a madrugada fatídica, a imprensa alemã noticiou que uma família árabe estava a ser alvo de investigação. Em março de 2020, novos desenvolvimentos: quatro guardas foram também interrogados por possível cumplicidade com os assaltantes. A sua passividade deixara as autoridades desconfiadas.

Até que, chegados a novembro de 2020, milhares de efetivos da polícia federal fizeram buscas-relâmpago em 18 propriedades na zona de Berlim e detiveram três homens, todos eles ligados ao golpe de Dresden. Dois deles eram os gémeos Abdul e Mohammed Remmo, membros de um clã libanês cujos laços ao mundo do crime eram bem conhecidos. O mesmo clã, concluiu-se, já estivera envolvido no roubo de uma medalha do Museu Bode na primavera de 2017. Pesando 110 quilos de ouro puro e avaliada em perto de quatro milhões de euros, a medalha fora levada do museu num carrinho de mão. Nunca foi recuperada.

Em dezembro de 2020, um quarto elemento acabou detido. E depois um quinto e um sexto.

Uma família perigosa

Com um historial de violência, lavagem de dinheiro, episódios de intimidação e golpes ousados, incluindo um assalto a um banco, a família Remmo é uma velha conhecida das autoridades de Berlim, cidade onde este clã acabou por fixar-se na década de 1970, quando rumou à Europa para escapar da guerra civil do Líbano.

«Uma história popular conta como o atual padrinho do clã Remmo foi mandado parar pela polícia há 20 anos por causa de uma lâmpada fundida na traseira do carro», refere o The Telegraph. «Dez membros do clã juntaram-se de imediato à volta do carro e a polícia teve de pedir reforços». Sem meias palavras, o dito padrinho ameaçou os agentes: «F*d*-vos a todos, e ao vosso presidente também». O Telegraph nota ainda que os inspetores que investigam estas máfias têm de tomar precauções especiais, como andar sempre de transportes públicos e trocar várias vezes de comboio para não serem seguidos. Quanto às testemunhas, sofrem tamanhas pressões que muitas vezes acabam por retirar os seus depoimentos, deitando por terra as investigações. Os Remmo são uma das famílias árabes mais poderosas e perigosas da Alemanha e não têm pejo em fazer pouco do sistema judicial.

O ADN não engana

No caso do roubo das joias de Dresden, não houve intimidação que lhes valesse e nem todas as precauções tomadas pelos assaltantes – do extintor ao carro incendiado – foram suficientes para evitar que os investigadores recolhessem amostras de ADN que apontavam para quatro elementos da família.

Acusados de roubo qualificado, ofensas corporais, danos e incêndio criminoso, os arguidos aceitaram negociar com a justiça em troca de penas mais ligeiras. Fizeram uma confissão completa dos seus crimes e, com intermediação dos respetivos advogados, devolveram as peças mais importantes ao museu berlinense.

Trinta e uma joias foram entregues, mas nem todas nas condições ideais. Os peritos detetaram deformações, arranhões, ferrugem, lacunas e outros danos, estimando perdas na ordem dos 22 a 25 milhões de euros.

No final, cinco dos seis suspeitos foram condenados a penas entre quatro anos e quatro meses e seis anos e três meses, enquanto o sexto elemento, Ahmed Remmo, saiu em liberdade, por ter um álibi sólido. Dado o historial familiar, talvez a sua prisão seja apenas uma questão de tempo.

A caverna de Ali Babá do príncipe da Saxónia

Fundada como museu aberto ao público em 1723 por Augusto o Forte, a Galeria Verde ocupa um acrescento ao Castelo de Dresden mandado construir na primeira metade do século XVI, e deve o nome às bases das suas colunas pintadas de um tom verde-malaquite. Recheada com todo o tipo de joias – ouro, prata, âmbar, marfim e pedras preciosas – é uma verdadeira caverna de Ali Babá.

Durante a II Guerra Mundial, a Galeria Verde foi seriamente atingida pelos bombardeamentos dos Aliados- que despejaram sobre Dresden 3900 toneladas de explosivos e engenhos incendiários, que resultaram na morte de cerca de 25 mil habitantes. Porém, os tesouros do museu haviam sido transferidos em 1938 para a Fortaleza de Königstein, também apelidada ‘a Bastilha da Saxónia’, e permaneceram incólumes.

Com a rendição da Alemanha, o Exército Vermelho levou as suas cerca de quatro mil peças para a União Soviética como espólio de guerra, acabando por devolvê-las em 1958 à Alemanha Oriental.