Triunfo e hecatombe dos jeitinhos


Isto não vai lá com jeitinhos, nem com a reconfiguração dos projetos político-partidários em albergues descaracterizados, sem valores ou princípios, onde tudo cabe e tudo é possível, mesmo que seja à margem do mais elementar bom senso e da lei.


Portugal é sinónimo de jeitinhos. Temos as leis, os costumes e os jeitinhos, que correm ao lado de tudo o que está instituído como regras de funcionamento individual ou comunitário. A banda larga do jeitinho entra pela ilegalidade adentro, mas não é considerada como tal pela generalidade da população. Onde houver uma norma, há um contorno, como se a observância não fizesse parte do compromisso cívico individual e comunitário com os direitos, liberdades, deveres e garantias, previstos na Constituição e nas leis. O ambiente geral do país efervesce de informalidade, de jeitinhos e de manifestos abusos, por falta de senso, de noção de serviço público e de disponibilidade para o compromisso em torno da resolução dos problemas estruturais do país. Vive-se na voragem dos dinheiros de Bruxelas, dos encaixes fiscais da inflação e das dinâmicas positivas das atividades turísticas como se não houvesse amanhã, entre a irresponsabilidade e o crescendo de crispação verbal em rota para uma crise política ou impossibilidade de convergência para concretizar o básico e dar-lhe sustentabilidade e solidez.

O miserável albergue de interesses e de impreparações, de gente sem músculo e sem intelecto para ser o que são revela, tal como no passado dos governos de Cavaco Silva, desmandos que as capas do semanário Independente poderão avivar como o fazem diariamente os folhetins de uma novela de pouco mais do que de vergonha para a manutenção do poder político a todo o custo.

É o triunfo e hecatombe dos jeitinhos. Foi assim na configuração do elenco governativo em modo de conjugação de agendas pessoais, é assim na manutenção de protagonistas políticos sem capacidade para fazer o que se impõe (ter uma visão, dialogar e concretizar soluções e respostas, com ética republicana e compromisso com o serviço público) e também na expressão pública do exercício do poder, dentro dos gabinetes e nas interações com o país. 

É este exercício que gera sucessivos mercados de afirmação dos populismos e, pasme-se, até permitiu o resgate das calendas de Cavaco Silva, entre o agregador de direitas e o destilador de ódios das esquerdas. A ocasião não fez o ladrão, mas está a fazer o regresso de Cavaco Silva, como já tinha feito de Pedro Passos Coelho. 

Cavaco dá jeitinho à liderança de Luís Montenegro.

O Chega dá jeitinho à fragmentação da direita e ao desgaste eleitoral do PSD.

Os agregadores de desfocagem podem dar jeitinho ao PS, para desviar as atenções do quotidiano, mas, em vez de lamentos enxofrados sobre o tom e a substância dos recuperadores de calor e ânimo da direita, importa contrariar as realidades subjacentes ao provérbio “atrás de mim virá quem de mim bom me fará” e a geração de um ambiente de degradação do normal funcionamento das instituições e do sistema democrático, que possa ser gerador de mais uma singularidade política pela mão de António Costa: depois da governação sem vitória eleitoral em 2014, a dissolução de uma Assembleia da República com uma maioria absoluta. 

É que não havendo mobilização em torno da esperança, da capacidade de concretizar e transformar a realidade do país focados no interesse geral, nas pessoas e no território nacional como um todo, restará o exercício tribal da mobilização pelo ódio, pressuposto maior para a crispação, desinformação e o deslaço do contrato social.

É que não havendo capacidade para concretizar soluções concretas para a generalidade dos portugueses, onde quer que vivam, estudam ou trabalham, ficará cada vez mais disponível espaço de afirmação para a degradação do sistema democrático, muito mais importante que os partidos políticos, considerados individualmente, e para os seus detratores.

Isto não vai lá com jeitinhos, nem com a reconfiguração dos projetos político-partidários em albergues descaracterizados, sem valores ou princípios, onde tudo cabe e tudo é possível, mesmo que seja à margem do mais elementar bom senso e da lei.

Haver um plano de reestruturação da TAP, alma mater das opções políticas de um governo, cujo documento estratégico fundamental apenas está no computador de um assessor oriundo de um trajeto político que no plano local e nacional nada têm a ver com a matriz do Partido Socialista é de bradar aos céus. Conferir tamanho poder a um homem só, de ter e classificar documentos em nome da República, sem crivo ou interesse político dos titulares máximos das funções públicas, como ativar com ligeireza os Serviços de Informação, são expressões de imaturidade assentes no jeitinho, na informalidade e na ligeireza de quem não compreende o que deve ser o funcionamento democrático da República e do Estado de Direito. É coisa de gaiatos feita por gente adulta, na idade.

Se a tudo isto juntarmos uma Presidência da República desqualificada, apenas detentora do poder da bomba atómica, depois de ter sucessivamente degradado o crédito da proximidade das selfies pela banalização das intervenções públicas e pela vulgarização das ações, numa espécie de regresso ao tempo em que pela calada tocava às campainhas dos prédios, é caso para soarem todos os alarmes da falta de senso no funcionamento da República. A decrépita cena da convocação de uma declaração presidencial na semana passada, seguida de desconvocação e passeio pelas pedras e buracos da calçada no exterior do Palácio, em modo de jeitinho para os média, é uma expressão maior do irritante instalado e da degradação da função presidencial.

Sem jeito para estes exercícios da atual política e sem paciência para tantos jeitinhos irresponsáveis, os portugueses mantêm o foco nas dificuldades e nos problemas que persistem, imunes à vontade política, aos recursos disponíveis e à ambição para o país como um todo, enquanto alguns centram a atividade política e parlamentar em nichos e questões simbólicas.

Quando é preciso pensamento, ação e concretização para o interesse geral, alguns persistem em estar focados nos umbigos e nos interesses particulares, marginais em termos de relevância social. Modernidade não é, nunca foi, nem será isso. É só o triunfo e a hecatombe dos jeitinhos. Um desastre para a Democracia.

NOTAS FINAIS

AGREGADORES PRECISAM-SE! A cultura da quintinha e o cultivo dos egos está demasiado implantado em Portugal para que a simples orientação de quem tem o poder de cisão funcione, sobretudo se estiverem em causa instituições e serviços diferentes. O caos dos transportes públicos em Lisboa são bem o reflexo dessa falta de diálogo e sinergia para antecipar e concretizar respostas, neste caso, alternativas. Paga o cidadão contribuinte.

ARROGANTES DE COISA NENHUMA. As últimas semanas, deram palco a arrogâncias clubísticas de coisa nenhuma. O Benfica ainda não foi campeão, quem mais condiciona e controla o sistema, além da espuma dos media e dos desvarios da justiça, não depende de si para ganhar e Alvalade tanto arfou que ficou de fora da liga milionária. A arrogância vale mesmo a pena?

Triunfo e hecatombe dos jeitinhos


Isto não vai lá com jeitinhos, nem com a reconfiguração dos projetos político-partidários em albergues descaracterizados, sem valores ou princípios, onde tudo cabe e tudo é possível, mesmo que seja à margem do mais elementar bom senso e da lei.


Portugal é sinónimo de jeitinhos. Temos as leis, os costumes e os jeitinhos, que correm ao lado de tudo o que está instituído como regras de funcionamento individual ou comunitário. A banda larga do jeitinho entra pela ilegalidade adentro, mas não é considerada como tal pela generalidade da população. Onde houver uma norma, há um contorno, como se a observância não fizesse parte do compromisso cívico individual e comunitário com os direitos, liberdades, deveres e garantias, previstos na Constituição e nas leis. O ambiente geral do país efervesce de informalidade, de jeitinhos e de manifestos abusos, por falta de senso, de noção de serviço público e de disponibilidade para o compromisso em torno da resolução dos problemas estruturais do país. Vive-se na voragem dos dinheiros de Bruxelas, dos encaixes fiscais da inflação e das dinâmicas positivas das atividades turísticas como se não houvesse amanhã, entre a irresponsabilidade e o crescendo de crispação verbal em rota para uma crise política ou impossibilidade de convergência para concretizar o básico e dar-lhe sustentabilidade e solidez.

O miserável albergue de interesses e de impreparações, de gente sem músculo e sem intelecto para ser o que são revela, tal como no passado dos governos de Cavaco Silva, desmandos que as capas do semanário Independente poderão avivar como o fazem diariamente os folhetins de uma novela de pouco mais do que de vergonha para a manutenção do poder político a todo o custo.

É o triunfo e hecatombe dos jeitinhos. Foi assim na configuração do elenco governativo em modo de conjugação de agendas pessoais, é assim na manutenção de protagonistas políticos sem capacidade para fazer o que se impõe (ter uma visão, dialogar e concretizar soluções e respostas, com ética republicana e compromisso com o serviço público) e também na expressão pública do exercício do poder, dentro dos gabinetes e nas interações com o país. 

É este exercício que gera sucessivos mercados de afirmação dos populismos e, pasme-se, até permitiu o resgate das calendas de Cavaco Silva, entre o agregador de direitas e o destilador de ódios das esquerdas. A ocasião não fez o ladrão, mas está a fazer o regresso de Cavaco Silva, como já tinha feito de Pedro Passos Coelho. 

Cavaco dá jeitinho à liderança de Luís Montenegro.

O Chega dá jeitinho à fragmentação da direita e ao desgaste eleitoral do PSD.

Os agregadores de desfocagem podem dar jeitinho ao PS, para desviar as atenções do quotidiano, mas, em vez de lamentos enxofrados sobre o tom e a substância dos recuperadores de calor e ânimo da direita, importa contrariar as realidades subjacentes ao provérbio “atrás de mim virá quem de mim bom me fará” e a geração de um ambiente de degradação do normal funcionamento das instituições e do sistema democrático, que possa ser gerador de mais uma singularidade política pela mão de António Costa: depois da governação sem vitória eleitoral em 2014, a dissolução de uma Assembleia da República com uma maioria absoluta. 

É que não havendo mobilização em torno da esperança, da capacidade de concretizar e transformar a realidade do país focados no interesse geral, nas pessoas e no território nacional como um todo, restará o exercício tribal da mobilização pelo ódio, pressuposto maior para a crispação, desinformação e o deslaço do contrato social.

É que não havendo capacidade para concretizar soluções concretas para a generalidade dos portugueses, onde quer que vivam, estudam ou trabalham, ficará cada vez mais disponível espaço de afirmação para a degradação do sistema democrático, muito mais importante que os partidos políticos, considerados individualmente, e para os seus detratores.

Isto não vai lá com jeitinhos, nem com a reconfiguração dos projetos político-partidários em albergues descaracterizados, sem valores ou princípios, onde tudo cabe e tudo é possível, mesmo que seja à margem do mais elementar bom senso e da lei.

Haver um plano de reestruturação da TAP, alma mater das opções políticas de um governo, cujo documento estratégico fundamental apenas está no computador de um assessor oriundo de um trajeto político que no plano local e nacional nada têm a ver com a matriz do Partido Socialista é de bradar aos céus. Conferir tamanho poder a um homem só, de ter e classificar documentos em nome da República, sem crivo ou interesse político dos titulares máximos das funções públicas, como ativar com ligeireza os Serviços de Informação, são expressões de imaturidade assentes no jeitinho, na informalidade e na ligeireza de quem não compreende o que deve ser o funcionamento democrático da República e do Estado de Direito. É coisa de gaiatos feita por gente adulta, na idade.

Se a tudo isto juntarmos uma Presidência da República desqualificada, apenas detentora do poder da bomba atómica, depois de ter sucessivamente degradado o crédito da proximidade das selfies pela banalização das intervenções públicas e pela vulgarização das ações, numa espécie de regresso ao tempo em que pela calada tocava às campainhas dos prédios, é caso para soarem todos os alarmes da falta de senso no funcionamento da República. A decrépita cena da convocação de uma declaração presidencial na semana passada, seguida de desconvocação e passeio pelas pedras e buracos da calçada no exterior do Palácio, em modo de jeitinho para os média, é uma expressão maior do irritante instalado e da degradação da função presidencial.

Sem jeito para estes exercícios da atual política e sem paciência para tantos jeitinhos irresponsáveis, os portugueses mantêm o foco nas dificuldades e nos problemas que persistem, imunes à vontade política, aos recursos disponíveis e à ambição para o país como um todo, enquanto alguns centram a atividade política e parlamentar em nichos e questões simbólicas.

Quando é preciso pensamento, ação e concretização para o interesse geral, alguns persistem em estar focados nos umbigos e nos interesses particulares, marginais em termos de relevância social. Modernidade não é, nunca foi, nem será isso. É só o triunfo e a hecatombe dos jeitinhos. Um desastre para a Democracia.

NOTAS FINAIS

AGREGADORES PRECISAM-SE! A cultura da quintinha e o cultivo dos egos está demasiado implantado em Portugal para que a simples orientação de quem tem o poder de cisão funcione, sobretudo se estiverem em causa instituições e serviços diferentes. O caos dos transportes públicos em Lisboa são bem o reflexo dessa falta de diálogo e sinergia para antecipar e concretizar respostas, neste caso, alternativas. Paga o cidadão contribuinte.

ARROGANTES DE COISA NENHUMA. As últimas semanas, deram palco a arrogâncias clubísticas de coisa nenhuma. O Benfica ainda não foi campeão, quem mais condiciona e controla o sistema, além da espuma dos media e dos desvarios da justiça, não depende de si para ganhar e Alvalade tanto arfou que ficou de fora da liga milionária. A arrogância vale mesmo a pena?