1. O Governo parece o “Sozinho em Casa”. Faz asneiras sucessivas. Não vale a pena perder muito tempo com as joão-galambices do próprio e de outros. O problema está mesmo na falta de sentido de Estado, amplamente demonstrada, sábado, na arrasadora intervenção de Cavaco Silva. Uma pedrada no charco! O ex-Presidente não se limitou a denunciar o desastre da governação de António Costa e a incentivar Montenegro, fazendo-lhe um guião de estratégia que recentra o PSD na social-democracia legada por Sá Carneiro, afastando-o pré-eleitoralmente dos liberais e do Chega. Cavaco deixou ainda um recado ao seu sucessor em Belém, lembrando-o que em democracia há sempre soluções. Uma seria, como sugeriu, a tomada de consciência por parte de António Costa que o levasse a demitir-se. Cavaco fez uma análise duríssima, mas realista, da situação. Como dizem depreciativamente os trasmontanos, estamos entregues a “uns quaisquer”. A degradação é, lamentavelmente, ilustrada pelas picardias entre os dois principais responsáveis do país, o Presidente e o primeiro-ministro. Chegam ao ponto de um comer gelados, ir ao multibanco ou dar um jeito na calçada em momentos críticos, usando um discurso de indiretas e imagens. Já o outro não encontrou melhor do que ir a um concerto rock no momento em que um seu ministro o envolvia num caso de intervenção ilegal dos serviços secretos. Neste rol surgiram até anúncios de comunicações aos jornalistas, em Belém, que foram depois inexplicavelmente desconvocadas. É, entretanto, óbvio que António Costa já não tem noção dos erros que comete e deixa cometer. Não vale a pena procurar um racional em tudo o que vivemos porque não há. O Governo está em autogestão. Costa vive em negação permanente e não vai mexer nele tão cedo. O “galambagate” e os seus desenvolvimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não ilustram apenas um país à deriva e uma classe dirigente deplorável. Traduzem um contexto em que nem sequer se consegue discutir a substância da TAP, a maior e mais importante empresa portuguesa. Pode ser cara, mas é também a que mais retorno nos dá. A falta de documentação sobre o passado recente da companhia e a prestação de quase todos os depoentes na CPI é deprimente. Há dias, por exemplo, o ex-presidente da Parpública apresentou-se no parlamento com um ar de sabichão. Mas logo vacilou quando não conseguiu explicar porque é que a operação de privatização não constava das contas do gigantesco grupo estatal que integra a companhia. São aspetos reveladores. Afinal quem gere o país? Quem mexe os cordelinhos? Quem decide preços? Quem vende e quem decide o comprador? Já se percebeu que os governantes não estão em geral capacitados para o fazer e que os seus acólitos também não têm competências para isso, além de todos terem uma relação difícil com a verdade. O mistério do Portugal de hoje é descobrir quem na verdade governa. Quem são os novos donos disto tudo? Quem são os mandantes e as marionetas? O nível de laxismo e de incompetência é desolador. Há de dar jeito a interesses a circunstância do ministro das Infraestruturas (onde estão os supernegócios) não dominar o plano estratégico da TAP, que não leu todo ou de todo. Esse ponto é mais grave do que ter um gabinete onde há lambadas a granel, polícias e espiões à mistura e supostos roubos de computadores e documentos. Toda a história está mal contada. Talvez as peritagens aos famosos computador e telemóvel do estranhíssimo assessor oriundo do Bloco sejam esclarecedoras, se não durarem anos a serem feitas. Para já, com mais Galamba ou menos Galamba, não é expectável que o rumo da governação do país possa ser corrigido. António Costa não é manifestamente do género de se demitir como Cavaco Silva lhe recomendou. Antes pelo contrário.
2. Na sua espetacularidade mediática, a CPI atirou para plano secundário a sinistra situação de favorecimentos imobiliários que pode chegar a 300 milhões de euros só na câmara de Gaia e que alastraria a autarquias circundantes. É prodigiosa a quantia e digna de “thriller” a trama que, até ver, mete o vice-presidente da autarquia, um empresário israelita, facilitadores, advogados, um jornalista, um ateliê de arquitetos topo de gama, autarcas diversos, relógios de milhares e sacos com dinheiro. Para que não falte nada, em cima do fim do campeonato de futebol, veio também a público mais uma investigação sobre fugas a impostos e transferências num dos mundos mais opacos da sociedade moderna mundial, mas que em Portugal assume proporções ditirâmbicas. Ali há de tudo. Do muito bom e bonito no campo até ao mais sórdido nos bastidores! Estes casos vão certamente levar anos até serem deslindados, julgados ou prescreverem. Mais uma vez culpados beneficiarão da lentidão da justiça e inocentes terão a vida desfeita
3. No meio de toda a confusão criada à volta do SIS, o conselho de fiscalização das secretas reuniu-se e garantiu que a intervenção do organismo no “galambagate” (galambada também ilustra bem) teve base legal. O conselho é presidido pela deputada Urbano de Sousa (demitida do governo por pressão de Marcelo depois dos incêndios que custaram dezenas de vidas em 2017) e integra um representante do PSD, a quem, estranhamente, o partido não retirou a confiança depois de ter subscrito tamanho absurdo. Trata-se de Joaquim Ponte, ex-presidente da Câmara açoriana de Angra, indicado por Rui Rio. O conselho conta ainda com o juiz Mário Morgado.
4. Às vezes é importante recuar no tempo para ter noção das responsabilidades políticas de cada um. Por exemplo, António Costa está hoje sem grande hipótese de se queixar de qualquer atitude presidencial. É que foi por iniciativa dele que, tanto na primeira como na segunda eleição ganha por Marcelo, o PS não apresentou candidato próprio a Belém. Costa fintou mesmo toda a gente ao fazer crer que iria apoiar Sampaio da Nóvoa, mas acabou por dar liberdade de voto. Na recandidatura de Marcelo foi ainda mais claro ao incentivá-lo quase um ano antes, numa ida à Autoeuropa. Hoje, não faltam candidatos ao PS. Ainda há dias surgiu outra possibilidade: António Vitorino, rasteirado na ONU por uma candidata americana que trabalhava com ele. Junta-se a Carlos César e complica as contas ao socrático ex-trotskista Santos Silva e à truculenta Ana Gomes, que continua a ver-se presidenciável, apesar da embrulhada em que está metida por ter feito obras clandestina na sua mansão na serra de Sintra.
5. Os comentários políticos sucedem-se a um ritmo impressionante nas rádios e televisões. Cada um puxa pela imaginação para ilustrar a surrealista situação que vivemos. Até ver, o retrato mais inesperado veio pela boca do magnífico Carlos Magno na CNN. Num exercício em que disse estar a socorrer-se da semiótica, assegurou que Galamba é a Crimeia de António Costa. E esta, hein?
6. A propósito de opinião, é algo inesperada a convergência entre a CNN Portugal e o Observador nas escolhas de comentadores. Isto porque a televisão tem ligação umbilical a uma televisão liberal americana, enquanto o grupo online tem mais a ver politicamente com a republicana Fox. É mais uma das muitas singularidades do mundo mediático português.