Em demolição


Desde a PIDE que agentes de serviços de informações e de segurança não iam a casa de quem quer que fosse buscar o que quer que fosse. Como foi isto possível? Como se instrumentaliza o SIS? 


Em 12 de Janeiro, no artigo “Ou é caruncho, ou formiga branca”, já o apontara: “As crises acontecidas não resultaram de ataques bem conseguidos da oposição, nem de reformas ou acções políticas que desencadeassem resistências, contestação e motins. Nada disso. Só houve governantes a minarem, por si, a imagem e o crédito do governo, socialistas a guerrearem-se entre si e políticos do PS ou saídos do governo a surgirem no centro de notícias nada honoráveis.”

Estávamos em cima do afastamento da secretária de Estado Alexandra Reis, nas ondas de choque provocadas pela revelação de ter recebido uma indemnização de 500.000 euros, aquando da saída da administração da TAP, um ano antes, e antes de ir para presidente da NAV, primeiro, e para o governo, depois. Mas não se imaginava ainda que presidente e CEO da TAP iriam ser demitidos pouco depois. Assim como não se perfilava no horizonte a aprovação, na Assembleia da República, da Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, que, entretanto, iniciou o seu funcionamento. Ao meio milhão de euros (que não serão pagos) sucederam-se meio milhão de erros. Ácidos.

Em matéria de estardalhaço, a Comissão de Inquérito não deixa créditos por mãos alheias, o que, importa ser justo, fica a dever-se sobretudo aos méritos do Partido Socialista, através de deputados, governantes, adjuntos e assessores. Como espectáculo político, é dinheiro em caixa. Quando algum deputado da oposição se destaca, como Bernardo Blanco (IL) com a descoberta da reunião secreta do PS com a CEO da TAP, logo os socialistas se chegam à frente e retomam a liderança das trapalhadas. Cioso da maioria absoluta, o PS quer ser o único a marcar a agenda.

A Comissão de Inquérito pouco tem esclarecido sobre a TAP e a gestão da TAP. Falta-lhe o tempo. Tendo por a “Tutela Política da Gestão da TAP”, resvalou, através da questão “Tutela Política”, para um inquérito à gestão política do governo e do PS. Quem fornece a matéria-prima? O PS, pois claro! Mais ninguém poderia fazê-lo. São socialistas que, em movimentos recorrentes em que se ouve resfolegar o “pedronunismo” ferido, fazem da Comissão de Inquérito o palco ou a referência de episódios consecutivos de apodrecimento político.

Tivemos episódios como a audição do presidente da CMVM, Laginha de Sousa, que ou não se lembrava, ou, quando se lembrava, nada podia dizer. A sua presença não serviu para nada, senão para experiência de enriquecimento pessoal: nunca tinha estado numa comissão e gostou muito de estar com os senhores deputados e senhoras deputadas, muito obrigado. Porém, isto é cena bem conhecida: as paredes das comissões de inquérito provocam amnésia aguda e selectiva, de que escapam apenas as matérias sobre que o declarante, estatutariamente, não pode falar.

Houve a gravíssima quebra de segredo de elementos reunidos com estrita obrigação de sigilo. Mas não era nada que não se estivesse à espera num país em que o segredo de justiça é violado a torto e a direito, sem que nada realmente aconteça para punição dos autores e protecção do segredo. Ficou mais uma nódoa no prestígio do Parlamento.

Os óscares da auto-oposição vão três momentos únicos.

O Óscar do real: a troca de emails entre um secretário de Estado e a CEO da TAP, sugerindo e pressionando a alteração de data de um voo comercial entre Maputo e Lisboa, por alegada conveniência da agenda de uma visita do Presidente da República a Moçambique. Pareceria mentira. Era verdade. Foi servida, fria, pela demitida CEO da TAP.

O Óscar do virtual: o parecer com a fundamentação jurídica da demissão com justa causa dos Presidente e CEO da TAP. Foi referido e, por isso, insistentemente pedido por deputados. Parecia real. Afinal, nunca existira, sendo assegurado que nada mais houvera além do relatório da Inspecção-Geral de Finanças.

E há o Óscar do surreal, absolutamente imbatível: a reunião secreta do PS com a CEO da TAP que nunca houvera (e toda a gente soube que houve), a reunião secreta para que ninguém a convidara (e fora o próprio ministro a “convidá-la”), a reunião de que não havia notas tiradas (e havia notas tiradas), a reunião em que nada se combinara (e se combinaram perguntas e respostas com a CEO da TAP). Consoante as perspectivas, pior era impossível; ou melhor era impossível. E ainda não acabaram as revelações com fonte nessa reunião socialista.

As últimas cenas explodiram no final da semana em novo feito da nossa História: a batalha da Barbosa du Bocage, sede do Ministério as Infraestruturas. Houve ira e encontrões, demissão de um adjunto, impropérios certamente, cenas de violência, luta em torno de um computador portátil, acusações públicas do ministro à PSP, uma bicicleta jogada contra janelas, o recurso ao SIS para apreensão do portátil ao domicílio. Pelo que fez e ordenou, o ministro mostrou não poder ser gestor de condomínio, sem rapidamente provocar batalha campal entre os condóminos. Não tem as menores condições para ser ministro. Dramatizando a criação de precedentes destrambelhados, cabe notar que desde a PIDE que agentes de serviços de informações e de segurança não iam a casa de quem quer que fosse buscar o que quer que fosse. Como foi isto possível? Como se instrumentaliza o SIS?

Quando, ao segundo dia de incendiárias notícias e revelações, o ministro decide falar à imprensa admiti que ouviríamos a única frase que se impunha: “Obviamente, demito-me.” Mas não, o ministro não revelou essa estatura. Há socialistas para que nem o caso Eduardo Cabrita serve de exemplo. O ministro poderia apresentar, depois, as explicações e justificações que entendesse. De preferência, verdadeiras. Poderia dar a sua fundamentação política. Devia fazê-lo. Mas o gesto imperativo era esse: “Obviamente, demito-me.”

Ontem, no “Café Duplo” da TSF, ouvi a socialista Paula Marques, em debate com o liberal Tiago Mayan, procurar fugir ao inescapável e empurrar para debaixo do tapete estes casos mais que deploráveis, claramente vergonhosos; fazer de conta que não importam e desejar acreditar que é possível ignorá-los. Não, não é. Não é possível ignorar. O PS tem de lhes pôr termo. Estes episódios e a sua sucessão têm feito do governo e PS dois corpos vivos em decomposição. Nunca vira: vivo e a decompor-se.

A crise profunda que geraram na credibilidade, na confiança, na capacidade de direcção, só tem uma de duas possíveis saídas:

  1. A demissão do governo, com renomeação do líder do PS para formação de novo governo, dando uma oportunidade ao PS para se recompor e ao governo, ainda no actual quadro parlamentar. Terá o primeiro-ministro espaço e capacidade para atrair novos governantes com crédito próprio e fresco para salvar a legislatura? Seria partir para novo governo.
  2. A dissolução da Assembleia da República, com convocação de eleições antecipadas. Seria partir para novo parlamento e novo governo.

A situação não está a apodrecer. Já está podre. É preciso recomeçar.

 

Em demolição


Desde a PIDE que agentes de serviços de informações e de segurança não iam a casa de quem quer que fosse buscar o que quer que fosse. Como foi isto possível? Como se instrumentaliza o SIS? 


Em 12 de Janeiro, no artigo “Ou é caruncho, ou formiga branca”, já o apontara: “As crises acontecidas não resultaram de ataques bem conseguidos da oposição, nem de reformas ou acções políticas que desencadeassem resistências, contestação e motins. Nada disso. Só houve governantes a minarem, por si, a imagem e o crédito do governo, socialistas a guerrearem-se entre si e políticos do PS ou saídos do governo a surgirem no centro de notícias nada honoráveis.”

Estávamos em cima do afastamento da secretária de Estado Alexandra Reis, nas ondas de choque provocadas pela revelação de ter recebido uma indemnização de 500.000 euros, aquando da saída da administração da TAP, um ano antes, e antes de ir para presidente da NAV, primeiro, e para o governo, depois. Mas não se imaginava ainda que presidente e CEO da TAP iriam ser demitidos pouco depois. Assim como não se perfilava no horizonte a aprovação, na Assembleia da República, da Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, que, entretanto, iniciou o seu funcionamento. Ao meio milhão de euros (que não serão pagos) sucederam-se meio milhão de erros. Ácidos.

Em matéria de estardalhaço, a Comissão de Inquérito não deixa créditos por mãos alheias, o que, importa ser justo, fica a dever-se sobretudo aos méritos do Partido Socialista, através de deputados, governantes, adjuntos e assessores. Como espectáculo político, é dinheiro em caixa. Quando algum deputado da oposição se destaca, como Bernardo Blanco (IL) com a descoberta da reunião secreta do PS com a CEO da TAP, logo os socialistas se chegam à frente e retomam a liderança das trapalhadas. Cioso da maioria absoluta, o PS quer ser o único a marcar a agenda.

A Comissão de Inquérito pouco tem esclarecido sobre a TAP e a gestão da TAP. Falta-lhe o tempo. Tendo por a “Tutela Política da Gestão da TAP”, resvalou, através da questão “Tutela Política”, para um inquérito à gestão política do governo e do PS. Quem fornece a matéria-prima? O PS, pois claro! Mais ninguém poderia fazê-lo. São socialistas que, em movimentos recorrentes em que se ouve resfolegar o “pedronunismo” ferido, fazem da Comissão de Inquérito o palco ou a referência de episódios consecutivos de apodrecimento político.

Tivemos episódios como a audição do presidente da CMVM, Laginha de Sousa, que ou não se lembrava, ou, quando se lembrava, nada podia dizer. A sua presença não serviu para nada, senão para experiência de enriquecimento pessoal: nunca tinha estado numa comissão e gostou muito de estar com os senhores deputados e senhoras deputadas, muito obrigado. Porém, isto é cena bem conhecida: as paredes das comissões de inquérito provocam amnésia aguda e selectiva, de que escapam apenas as matérias sobre que o declarante, estatutariamente, não pode falar.

Houve a gravíssima quebra de segredo de elementos reunidos com estrita obrigação de sigilo. Mas não era nada que não se estivesse à espera num país em que o segredo de justiça é violado a torto e a direito, sem que nada realmente aconteça para punição dos autores e protecção do segredo. Ficou mais uma nódoa no prestígio do Parlamento.

Os óscares da auto-oposição vão três momentos únicos.

O Óscar do real: a troca de emails entre um secretário de Estado e a CEO da TAP, sugerindo e pressionando a alteração de data de um voo comercial entre Maputo e Lisboa, por alegada conveniência da agenda de uma visita do Presidente da República a Moçambique. Pareceria mentira. Era verdade. Foi servida, fria, pela demitida CEO da TAP.

O Óscar do virtual: o parecer com a fundamentação jurídica da demissão com justa causa dos Presidente e CEO da TAP. Foi referido e, por isso, insistentemente pedido por deputados. Parecia real. Afinal, nunca existira, sendo assegurado que nada mais houvera além do relatório da Inspecção-Geral de Finanças.

E há o Óscar do surreal, absolutamente imbatível: a reunião secreta do PS com a CEO da TAP que nunca houvera (e toda a gente soube que houve), a reunião secreta para que ninguém a convidara (e fora o próprio ministro a “convidá-la”), a reunião de que não havia notas tiradas (e havia notas tiradas), a reunião em que nada se combinara (e se combinaram perguntas e respostas com a CEO da TAP). Consoante as perspectivas, pior era impossível; ou melhor era impossível. E ainda não acabaram as revelações com fonte nessa reunião socialista.

As últimas cenas explodiram no final da semana em novo feito da nossa História: a batalha da Barbosa du Bocage, sede do Ministério as Infraestruturas. Houve ira e encontrões, demissão de um adjunto, impropérios certamente, cenas de violência, luta em torno de um computador portátil, acusações públicas do ministro à PSP, uma bicicleta jogada contra janelas, o recurso ao SIS para apreensão do portátil ao domicílio. Pelo que fez e ordenou, o ministro mostrou não poder ser gestor de condomínio, sem rapidamente provocar batalha campal entre os condóminos. Não tem as menores condições para ser ministro. Dramatizando a criação de precedentes destrambelhados, cabe notar que desde a PIDE que agentes de serviços de informações e de segurança não iam a casa de quem quer que fosse buscar o que quer que fosse. Como foi isto possível? Como se instrumentaliza o SIS?

Quando, ao segundo dia de incendiárias notícias e revelações, o ministro decide falar à imprensa admiti que ouviríamos a única frase que se impunha: “Obviamente, demito-me.” Mas não, o ministro não revelou essa estatura. Há socialistas para que nem o caso Eduardo Cabrita serve de exemplo. O ministro poderia apresentar, depois, as explicações e justificações que entendesse. De preferência, verdadeiras. Poderia dar a sua fundamentação política. Devia fazê-lo. Mas o gesto imperativo era esse: “Obviamente, demito-me.”

Ontem, no “Café Duplo” da TSF, ouvi a socialista Paula Marques, em debate com o liberal Tiago Mayan, procurar fugir ao inescapável e empurrar para debaixo do tapete estes casos mais que deploráveis, claramente vergonhosos; fazer de conta que não importam e desejar acreditar que é possível ignorá-los. Não, não é. Não é possível ignorar. O PS tem de lhes pôr termo. Estes episódios e a sua sucessão têm feito do governo e PS dois corpos vivos em decomposição. Nunca vira: vivo e a decompor-se.

A crise profunda que geraram na credibilidade, na confiança, na capacidade de direcção, só tem uma de duas possíveis saídas:

  1. A demissão do governo, com renomeação do líder do PS para formação de novo governo, dando uma oportunidade ao PS para se recompor e ao governo, ainda no actual quadro parlamentar. Terá o primeiro-ministro espaço e capacidade para atrair novos governantes com crédito próprio e fresco para salvar a legislatura? Seria partir para novo governo.
  2. A dissolução da Assembleia da República, com convocação de eleições antecipadas. Seria partir para novo parlamento e novo governo.

A situação não está a apodrecer. Já está podre. É preciso recomeçar.