O estilo de luta política a que, hoje, se assiste em muitos países da Europa e mesmo fora dela, começa a parecer irreal para muitos cidadãos.
Tal estilo não é – nem se esforça já por ser e parecer – sério.
Basta ler alguns dos jornais de referência e ver e ouvir as televisões de tais países, para observar como se assemelham não só os casos políticos que relatam, como são parecidos os métodos informativos usados para descrever as peripécias que, nuns e noutros, acontecem.
A razão de isso suceder é simples: a maioria das forças políticas que fazem oposição não oferecem, e não podem oferecer, soluções político-económicas e sociais substancialmente distintas das prosseguidas pelos governos instituídos, qualquer que seja a sua cor.
Não oferecem porque, ideologicamente, não vislumbram sequer outra maneira de governar nem outro tipo de soluções para os problemas dos seus países.
Não oferecem ou formulam alternativas reais porque, ainda que se dispusessem a governar de outra maneira, seriam, no âmbito de uma soberania limitada que aceitaram partilhar, chamados à pedra pelas distintas instituições internacionais ou regionais que integram, e pelos poderes fáticos que, globalmente, governam verdadeiramente o mundo.
Por tal razão, só explorando as questões procedimentais e as responsabilidades pessoais dos que, em cada caso, tomam ou influem nas decisões políticas mais concretas, a nível nacional, é possível ao atual sistema político-burocrático projetar e criar uma ideia de alternativa política: a possibilidade de opção que é fundamental à legitimação do sistema democrático.
O problema é, pois, o da inexistência aparente de alternativas reais, ou reconhecidas como tal pelo sistema global de comunicação de massas e, consequentemente, pelos cidadãos.
Em alternativa, somos, por isso, quotidianamente enlameados com estórias de atuações procedimentais que, não sendo novas, são, com efeito, anómalas e algumas chocantes: umas realmente ilegais, outras apenas moralmente condenáveis.
As que são ilegais – ou têm esse aspeto – dão, em regra, origem a investigações criminais conduzidas, porém, em muitos casos, sem uma estratégia processual verdadeiramente adequada à realização da Justiça.
Uma estratégia processual que defina, caso a caso, e de uma maneira simples, o objeto dos crimes mais evidentes e dê, assim, prioridade ao julgamento e eventual condenação dos seus responsáveis.
Pelo contrário, tais investigações parecem por vezes almejar, apenas, deslindar os meandros e propósitos mais secretos da governação, menosprezando, todavia, os crimes menores e as ilegalidades mais fáceis de identificar, provar e fazer punir.
Daí, também, a existência de tantas prescrições em processos mais complexos, que incluem, por arrasto, estes últimos tipos de crime.
A consequência de tais investigações é a de, perante a opinião pública, conseguirem, desta maneira, criminalizar apenas a própria Política.
Os resultados – ou a falta deles – de tais enleadas investigações acabam, assim, demasiadas vezes, por favorecer não o apuramento de responsabilidades individuais dos políticos que prevaricaram, mas por contribuir, decisivamente e apenas, para o descrédito da Política.
Contribuem, desta maneira – pelo menos objetivamente –, para os mais extraordinários noticiários, na divulgação permanente dos episódios mais rocambolescos provocados pelo atual modelo de governação informal.
Refiro-me às formas de governação que, nos dias de hoje, vão ganhando terreno, devido à utilização não autorizada, nem verdadeiramente regulamentada, dos meios digitais de comunicação, em detrimento dos mais protocolares e oficiais procedimentos administrativos.
Seja na Europa ou nos EUA, tal metodologia de governação, desenvolvida à margem dos procedimentos canónicos instituídos pela legislação de cada país para o exercício da função governativa e administrativa, favorece, assim, a evidência dos escândalos menores, enquanto permite, também, ocultar a essência e os resultados das políticas verdadeiramente causadoras da insatisfação social geral, que se sente crescer dia-a-dia.
Se a esta nova maneira de agir, e informalmente manobrar a gestão da coisa pública, acrescentarmos a programada decomposição da autonomia, da hierarquia e das carreiras da administração pública, a que acresce, a nível superior, a sua propositada substituição por funcionários partidários, obtemos, mais claramente, a razão de ser da concentração da atenção pública sobre os aspetos procedimentais da governação.
Tal foco de atenção da opinião pública sobre esses aspetos tem, inevitavelmente, dois efeitos.
De um lado, desvaloriza a importância e o respeito que deve merecer quem age, profissionalmente, para assegurar o bem comum: refiro-me aos funcionários públicos que, mesmo sem terem já capacidade de interferência real nas decisões políticas, são, ainda assim, apresentados sempre como os verdadeiros causadores ou aproveitadores das mesmas.
De outro, obnubila a discussão das opções políticas substantivas, que os diferentes – mas, nestes procedimentos, sempre iguais – governos se propõem levar a cabo para resolver problemas que, afinal, são inerentes ao sistema e que só uma completa mudança de objetivos e de prioridades poderia resolver.
Todavia, enquanto os media se entretiverem, prioritariamente, com as novelescas peripécias dos atores políticos do atual sistema político-burocrático, temo bem que a democracia – e ela significa a possibilidade real de encontrar alternativas verdadeiras e sufragadas pela maioria – se vá desmoralizando e cedendo posições aos que defendem que só métodos autoritários podem governar bem a coisa pública.
Romper com o circo político-mediático atual e substituí-lo por uma comunicação social culta, crítica, responsável e socialmente comprometida, deverá ser, assim, uma das tarefas fundamentais de todos os que ainda acreditam na democracia.
A outra, não menos importante, é a de dirigir a especial atenção do sistema judicial para os crimes que, no âmbito da atuação político-burocrática, são de fácil prova e podem, por isso, ser de rápido julgamento.
Uma sentença proferida em tempo útil, mesmo que sobre crimes de aparente menor importância, é sempre mais eficaz para credenciar a democracia do que o arrastar dos processos mais complexos, na busca da pureza perdida do sistema democrático.
A criação de uma cidadania robustecida deve mais às sentenças proferidas em tempo útil, por crimes de menor relevância praticados por prevaricadores que exercem funções relevantes no Estado, do que ao julgamento tardio dos grandes enredos que demoram a ser julgados, quando acaso o chegam a ser.
Não acreditando – apesar do que antes disse – que a salvação da Democracia resida, no essencial, na qualidade da comunicação social ou na resposta expedita e objetiva da Justiça aos crimes cometidos na gestão da coisa pública, admito, todavia, que uma correção de caminhos percorridos por estes dois instrumentos de intervenção democrática ajudaria, significativamente, a estancar a sua erosão e perda de legitimidade.