O Campeonato do Mundo de Resistência mudou de continente, mas o domínio da Toyota manteve-se. Depois da vitória folgada em Sebring (EUA), a segunda corrida teve lugar no Autódromo Internacional do Algarve, onde a equipa Sébastien Buemi, Ryo Hirakawa e Brendon Hartley, ao volante do GR010 Hybrid, venceu com uma volta de avanço!, fazendo uma média de 181,3 km/h. O domínio japonês só não foi maior porque o segundo carro foi mandado parar pela direção de corrida para substituir um sensor da transmissão que estava avariado e não permitia saber a potência fornecida ao eixo traseiro, aspeto fundamental neste tipo de carros, e perdeu 11 minutos, o que deixou Pascal Vasselon, diretor desportivo, bastante incomodado: «Temos de encontrar melhores soluções para evitar que os carros sejam obrigados a parar para substituir uma peça que nada tem a ver com a equipa. Existem outras maneiras de monitorizar o fornecimento de energia».
O início da temporada europeia mostrou que os campeões do mundo de resistência estão muito à frente da concorrência e, a menos que haja uma qualquer circunstância que torne as corridas diferentes, a Toyota arrisca-se a vencer todas as provas.
O andamento é de tal forma impressionante que os carros da categoria GT começaram a ser dobrados aos 10 minutos de corrida e, no final das seis horas, o segundo classificado terminou com mais de uma volta de atraso.
Do virtual ao real
Os pilotos da Toyota fizeram bem o trabalho de casa. Antes da corrida estiveram no sofisticado simulador criado pelo departamento de Research & Development da Gazoo Racing – braço ‘armado’ dos japoneses para a competição – a preparar a prova portuguesa. O simulador consiste numa plataforma onde está montado o cockpit de um carro real e funciona com seis amortecedores hidráulicos comandados por dez potentes computadores. Foi aí que os pilotos passaram várias horas a andar no limite para encontrar as melhores afinações a nível de suspensões e travões, rendimento do motor, otimização da caixa de velocidades e desempenho dos pneus, jogando com a pressão e temperatura. Esta poderosa ferramenta possibilita também testar diferentes estratégicas de corrida tendo em conta as condições meteorológicas e eventuais entradas do safety car. «Foi muito importante passar pelo simulador, pois é uma pista que conheço mal e onde é fácil cometer erros. Testamos todos os sistemas em condições muito próximas da realidade, podemos aprender sem incidentes e preparar melhor o fim de semana», explicou Ryo Hirakawa, que fez parte da equipa vencedora.
Feito o trabalho de casa, a equipa saiu de Colónia (Alemanha) com a ‘casa às costas’, dia 6 de abril, e percorreu 2500 quilómetros até chegar ao sul do país.
Cinco camiões transportaram os dois carros de corrida e o material necessário para montar as complexas boxes e a sofisticada tenda Hospitality, espaço que é partilhado por pilotos, staff e convidados da marca.
Os primeiros elementos chegaram a Portimão uma semana antes do evento para montar toda a estrutura, as pessoas ligadas às relações-públicas, marketing, comunicação e a outras áreas começaram a chegar na terça-feira.
Os pilotos, engenheiros e mecânicos encontraram-se no circuito na quarta-feira – contudo, esta agenda não é igual em todas as provas, depende dos países e do trabalho de preparação a realizar antes da prova.
Cerca de 70 pessoas fazem toda a temporada (um teste de pré-época e sete corridas em diferentes continentes), o que significa muitas semanas na estrada, longos voos e uma grande dedicação.
Na tarde de quinta-feira, os seis pilotos fizeram o track walk juntos, ou seja, deram uma volta ao traçado a pé. É bem mais do que um passeio, pois permite-lhes conhecer particularidades da pista, nomeadamente a altura dos corretores, já que dentro do carro não dá para se aperceberem.
As coisas a sério começaram na sexta-feira de manhã. Antes de irem para a pista, houve uma reunião técnica com os engenheiros para acertar os últimos detalhes relativos às configurações aerodinâmicas e mecânicas dos carros. Ficou também definido quais eram os pilotos que faziam a qualificação e quem fazia a partida.
As primeiras sessões de treinos livres permitiram comparar os dados recolhidos em pista com as informações obtidas no simulador, e experimentar diferentes compostos de pneus – cada carro pode utilizar no máximo 18 pneus slick (piso seco) na qualificação e corrida.
Na manhã da prova, os pilotos tiveram uma reunião com os respetivos engenheiros e depois entraram no processo de pré-corrida. O piloto que ia largar levou o carro das boxes até à grelha de partida 45 minutos antes do início da corrida.
No final da prova, realizou-se um debrief com todos os pilotos e engenheiros que segue o conceito japonês Kaizen de melhoria contínua. Essa reunião é bastante importante, pois permite aos engenheiros recolherem impressões detalhadas dos pilotos sobre o comportamento do carro ao longo da corrida, o que correu bem e os aspetos a melhorar, e serve também de preparação para a prova seguinte.
A Toyota e os outros
Os novos Hypercars são espetaculares de ver, as novas regras deram grande liberdade aos designers e o resultado são protótipos extremamente belos, em especial o Peugeot 9X8 que tem um aspeto peculiar por não ter asa traseira. Já a corrida, de emocionante não teve nada. No pódio, estiverem três marcas diferentes (Toyota, Ferrari e Porsche), mas os carros japoneses dominaram por completo em pista e, nas boxes, tudo correu na perfeição com a troca de pilotos, mudança de pneus e reabastecimentos, de salientar que carro mobiliza 30 pessoas, embora nas boxes só possam estar 11 elementos.
O carro deste ano tem poucas alterações de carroceria, mas há novidades na configuração do motor V6 biturbo 3.5 litros para funcionar com o novo combustível 100% renovável que é feito de resíduos de vinho e material agrícola de modo a reduzir as emissões de CO2 em 65%, o que motivou o seguinte comentário de um elemento da Toyota: «Quando beberem vinho, estão a ajudar-nos a correr…».
Sebastien Buemi corre pelo construtor japonês desde 2012, foi três vezes campeão mundial, venceu quatro vezes as 24 Horas de Le Mans e ganhou pela segunda vez em Portugal. «Foi um fim de semana fantástico. O carro é rápido, ultrapassa os 300 km/h, e esteve muito eficaz e fácil de guiar neste circuito. Fizemos uma grande prova e correu tudo bem na pista e nas boxes. Usamos a experiência adquirida nos últimos anos para sermos fortes. Adoro a resistência e o espírito destas corridas», disse Buemi, que sabe que as coisas podem mudar ao longo da temporada.
«Este ano há mais equipas de topo e as corridas vão ser mais duras. É uma boa oportunidade para a Toyota mostrar que está a num nível muito alto. Vai ser um campeonato incrível, estou feliz por isso», afirmou o piloto suíço, que ficou de olho no Hypercar da Ferrari: «Impressionou-me pelo design, fiabilidade e velocidade, parece-me um carro consistente, fizeram um excelente trabalho».
O Ferrari 499P de Antonio Fuoco, Miguel Molina e Nicklas Nielsen ficou em segundo a uma volta do vencedor.
O diretor desportivo, Giuliano Salvi, afirmou no final que podiam ter forçado um pouco mais o andamento, mas optaram por uma estratégia cautelosa para não danificar os pneus.
Dentro de uma semana, na Bélgica, terão a oportunidade de ter uma abordagem menos conservadora e mostrar o que verdadeiramente vale o carro.
A equipa Andre Lotterer, Kevin Estre e Laurens Vanthoor terminou na terceira posição com o Porsche 963, com uma volta atraso.
A Peugeot concebeu um carro revolucionário e está a pagar o preço dessa ousadia. O 9X8 tem excelente imagem, mas continua longe dos mais rápidos. O melhor carro terminou na quinta posição a duas voltas do vencedor. «Para ser honesto, está a ser uma evolução lenta. Desde o dia em que o carro foi lançado temos vindo a evoluir», disse Jean-Éric Vergne. O ex-piloto de Fórmula 1 e bicampeão de Fórmula E reconheceu: «Acho que é importante estabelecer objetivos alcançáveis, mas lutar pela vitória não é realista neste momento. Temos total confiança, nenhuma equipa entrou no campeonato e começou logo a ganhar. Vejam quantos anos a Toyota levou para estar no nível atual. Tenham calma!».
António Félix da Costa fez a última corrida na categoria LMP2 com o Oreca e terminou em quinto. «Foi uma corrida de muito sacrifício. Pensei que tínhamos hipótese de lutar pela vitória, mas desde o início senti o carro bastante difícil de conduzir, a fugir muito de frente», explicou o piloto que na próxima corrida vai estrear-se com o Hypercar da Porsche.
Na categoria LMGTE-AM, Miguel Ramos e Guilherme Oliveira ficaram na sexta posição com o Porsche 911.