Contestação. Todos querem a “rua”

Contestação. Todos querem a “rua”


Há um vazio na luta dos trabalhadores e todos os partidos políticos querem ocupá-lo. Já não são só os dirigentes do PCP e do BE que marcam presença nas ruas. Até o insuspeito Nuno Melo apareceu recentemente numa manifestação de professores.


Por Maria Castela

Numa altura em que muitas franjas da sociedade não se sentem representadas pelos sindicatos tradicionais, em que trabalhadores precários e os mais jovens não se reveem em lutas antigas, há um vazio por preencher na luta dos trabalhadores. Este é precisamente o território que todos, à esquerda e à direita, querem conquistar em tempo de maioria absoluta. A contestação promete não parar e quem conseguir incorporar melhor as queixas dos descontentes terá benefícios eleitorais no futuro. Os comunistas estão preocupados e procuram reconquistar terreno, mas a máquina da CGTP, neste caso, pode ser prejudicial. A elasticidade e abrangência dos novos movimentos parecem estar a dar resultados. E é junto destes que os partidos à procura de protagonismo sindical se vão insinuando para conseguir ganhos no futuro.

Uma presença forte nos sindicatos foi ao longo destes quase cinquenta anos de democracia o seguro de vida do Partido Comunista Português. Essa é aliás uma das principais razões que justifica a sobrevivência do partido, sobretudo a partir do momento em que o movimento comunista começou a desaparecer um pouco por toda a Europa depois da derrocada da União Soviética em 1991.

A geringonça poderá ter sido o início do fim da história gloriosa do sindicalismo comunista. O desgaste eleitoral do PCP salta à vista e a aposta neste momento é voltar à rua em força através dos protestos da CGTP. Só que agora os comunistas já não estão sozinhos neste campo de batalha. As alterações na vida política portuguesa trouxeram uma novidade, um partido de extrema-direita que tem na mobilização dos descontentes um dos seus principais objetivos. E a tudo isto junta-se ainda o Bloco de Esquerda, que quer também recuperar o seu peso político, já não através da sua implantação urbana, mas tentando também organizar-se na vida sindical.

Embora haja a perceção de que há um decréscimo de pessoas sindicalizadas em Portugal, como acontece um pouco por toda a Europa. Raquel Rego, investigadora do ICS, diz que “não há dados fiáveis e atualizados sobre o número de sindicalizados em Portugal” e acrescenta que “uma perda de sócios nalguns sindicatos não significa que não haja ramos onde haja crescimento.”

A ausência de dados sobre a realidade sindical não acontece por acaso. Na verdade, sindicatos e partidos políticos têm interesse em manter a ambiguidade. Os sindicatos porque assim mantêm uma aparência de representatividade que em muitos casos pode já não corresponder à realidade. Os partidos, e os partidos de Governo em particular, também não estão interessados nesta contabilidade, porque assim livram-se de critérios de representatividade para sentar os parceiros à mesa das negociações. E é bom lembrar que sem a UGT, um sindicato que reúne trabalhadores de tendência socialista e social-democrata, os Governos não teriam possibilidade de assinar acordos de concertação social.

A grande questão, neste momento, é saber como é que a vida sindical se vai acomodar às mudanças políticas e a um cenário em que partidos mais pequenos, mas que ambicionam crescer, apostam tudo na mobilização dos descontentes.

Desde que se lançou na vida política nacional, André Ventura e o Chega sempre colocaram como objetivo conquistar a “rua” à esquerda. Agora com o partido a subir nas sondagens, Ventura quer dar corpo a uma afirmação que não se tem cansado de repetir: “As ruas são de direita desde o aparecimento do Chega”. 

Solidariedade é o nome escolhido para o novo sindicato que o Chega diz estar a organizar. No final do último congresso André Ventura chegou mesmo a dizer que “já tem o domínio registado”, o “site já existe”. Verdade ou apenas desejo, o facto é que uma pesquisa na internet ainda não permite encontrar o tal site. Seja como for, o objetivo está traçado e a inspiração já tem corpo, na experiência do sindicato com o mesmo nome lançado pelo VOX em Espanha.

Para já vai-se fazendo o teste junto dos manifestantes que quase todos os dias protestam nas ruas. E o que se observa é que já não são só os dirigentes do PCP e do BE que marcam presença nas ruas. O Chega não perde uma oportunidade e atrás de si começa a arrastar dirigentes do PSD, e até Nuno Melo, que luta pela sobrevivência do CDS, apareceu recentemente numa manifestação de professores a manifestar o seu apoio à luta.