Há poucos dias fiz circular um inquérito acerca do funcionamento de uma unidade curricular do primeiro semestre de um curso de licenciatura; o objetivo era monitorizar o impacto de uma nova metodologia de ensino e aprendizagem no ensino superior. À pergunta: “Caso tenhas sentido dificuldades no cumprimento regular e consistente das tarefas da fase preparatória, podes especificar o tipo de dificuldades?”, um dos estudantes respondeu: “Arranjar tempo e disciplina para conseguir ler tudo antes da aula (…) o que se pode tornar um bocado cansativo e exaustivo”. Outro ainda, respondeu: “Falta de tempo para aprender a matéria da aula antes da aula. Vou ao ginásio, namoro e tenho outras 4 cadeiras. Método sem sentido. Reprovei na época normal e recurso.”
A reação a estas respostas, confesso, foi de perplexidade, mas, o propósito da reflexão que aqui trago não é fazer generalizações ou depreciar quem quer que seja. O meu sentimento relativamente aos estudantes em geral é de profundo respeito e admiração por tudo o que fazem e podem fazer melhor que a minha geração e uma opinião apenas reflete a percepção subjetiva de quem a expressa. Quero tão só partilhar alguns pensamentos acerca do que observo e me inquieta, perguntando:
Será que aqueles que hoje se preparam para ser os futuros profissionais de topo têm como prioridade de vida a gratificação instantânea, sem nenhum outro propósito existencial?
Será esta uma geração que embora dedicada exclusivamente ao estudo (a grande maioria) e viva a expensas dos pais (para o básico e para os mais variados luxos burgueses), reclama de cansaço e falta de tempo para estudar?
Uma geração tão sensível à contrariedade (quase sempre recebida como ofensa) a ponto de ambicionar a diminuição do grau de exigência na sua formação, vitimizando-se quando a fasquia dos desafios é alteada?
Uma geração que reivindica liberdade e autonomia na construção da sua identidade, mas que não quer assumir as consequências das suas decisões, antes busca responsáveis fora de si?
É certo que cada geração tem os seus paradoxos e padrões de pensamento distintos, impregnados da cultura e contextos de cada época. Temo, contudo, que os atuais estudantes do ensino superior estejam a transformar-se numa geração ‘delivery’ que procura o resultado já pronto, entregue em mãos e sem esforço.
É sintomático observar como pululam nas redes sociais os gurus das fórmulas mágicas para alcançar o sucesso, mais ou menos alicerçadas numa qualquer filosofia ou espiritualidade da moda, mas sempre sem sacrifício ou necessidade de renúncias.
Mas, se quisermos ser intelectualmente sérios precisamos admitir que os nossos jovens apenas refletem a sociedade em que estão inseridos. Uma sociedade hedonista, desumanizada e ferida de morte pelos ideólogos da racionalidade económica. Não preconizo uma visão estoica da vida, nem recomendo uma disciplina ascética, mas a manter-se esta narrativa cultural – que enaltece o individualismo e exalta o relativismo dos valores, onde a ganância, o engano, a manipulação e a falta de escrúpulos são tolerados – ficarão reunidas as condições ideais para a escalada da decadência moral e ética da sociedade. Não será, por isso, de surpreender que venha a consolidar-se a institucionalização da mediocridade, da fraude e da corrupção. Afinal, foi assim que decidimos aprender: seguir sempre o caminho mais curto, mais rápido, o menos custoso e que maximize os benefícios particulares.
No final da história, a responsável nunca serei eu, mas será o “método sem sentido” que me fez falhar! Coloco então o manto pueril da ingenuidade e justifico o meu erro apontando para as circunstâncias, para concluir que no termo das contas sou apenas uma vítima de decisões alheias.