Há muitos anos que defendo que a Educação está na raiz de todos os nossos problemas como País – políticos, económicos, sociais e comportamentais – problemas que afectam toda a sociedade portuguesa. Também há muitos anos que acredito que a solução reside nos primeiros anos de vida das crianças, nas creches e no pré-escolar, através de uma mudança revolucionária que coloque a educação das nossas crianças no centro das nossas principais preocupações. Fui recentemente convidado para participar num observatório com a designação Observatório da Educação e do Ensino Superior e perguntei-me a razão de não ser apenas o Observatório da Educação e a razão de ser de ali estar de forma diferenciada o ensino superior. A resposta pareceu-me simples, todos os participantes dos trabalhos são licenciados e doutorados e todos olham a educação com esses olhos privilegiados.
Talvez por ser dos poucos portugueses que na vida política não passou pela universidade, vejo a questão de forma diferente, da mesma forma que os dinamarqueses a viram nos idos do século XIX. Razão porque a minha prioridade é há muitos anos interromper o círculo vicioso da pobreza e da ignorância que se perpetua nas famílias pobres portuguesas de geração em geração, retirando as crianças dessas famílias durante o maior número de horas possíveis do dia, para as integrar num processo de desenvolvimento de tal qualidade que evite que essas crianças cheguem ao ensino oficial aos seis ou sete anos marginalizados para toda a vida, em relação aos seus colegas das classes sociais mais favorecidas, crianças pobres que vivem em casas onde não há livros, crianças que não frequentam as aulas de música e de natação, que não vão ao teatro.
Defendo pois um programa que faça uma revolução, que dote o país de creches e do pré-escolar com instalações da mais elevada qualidade, com educadores licenciados e doutorados para o efeito, com boa alimentação e, questão essencial, com transporte que garanta a disciplina dos horários e de toda a frequência e disciplina do sistema educativo. Por favor esqueçam por um momento o ensino superior e pensem principalmente na qualidade e na exigência de todo o sistema educativo, exigência e qualidade que começa na base, onde tudo afinal tem o seu princípio.
Uma segunda grande questão do ensino em Portugal é resolver todos os problemas de ignorância, de violência, de intolerância e de todos os comportamentos impróprios existentes na sociedade portuguesa e não só. É igualmente nas crianças que podemos iniciar essa outra revolução, através de um novo modelo de educação que atravesse todas as fases do ensino, que hoje se dedicam apenas a tratar os conhecimentos, para passarmos a tratar também os valores, os comportamentos e as competências e com igual dignidade. A política portuguesa está cheia de preocupações com a violência doméstica, com a intolerância para com os sectores minoritários da sociedade, com o racismo, com as turbas dos estádios de futebol e com a frequência violenta das noites das cidades, dando às polícias e à justiça a missão impossível de resolver todos esses problemas, os quais apenas se resolverão na base, pela inauguração do mundo novo da responsabilidade individual.
É também nas creches e no pré-escolar, acreditem, que poderemos começar a resolver os graves problemas da economia portuguesa, que hoje se apresentam intratáveis, com mais de noventa por centro de pequenas e médias empresas, quase todas comerciais e sem capacidade de exportação, empresas que empregam principalmente trabalhadores sem a formação adequada e com baixíssimas qualificações e sem empregos suficientes no sector industrial das grandes empresas, onde existem normalmente empregos melhor remunerados para funções repetitivas de relativa rápida formação. Ou seja, nas creches e no pré-escolar cuidaremos do futuro do nosso desenvolvimento e através da industrialização cuidaremos do presente, melhorando a qualidade de vida dos adultos, através da criação de mais empregos industriais melhor remunerados que contribuam para a redução da economia hoje composta por milhares de muito pequenas empresas, quase sempre comerciais, que funcionam apenas no mercado interno e sem qualquer futuro. Explico-me: trata-se das feiras e mercados, dos muitos milhares de restaurantes, pastelarias e cafés que existem em cada prédio, são os cabeleireiros, os míni mercados das cidades, as milhentas lojas de bijuterias, a agricultura e as pescas de sobrevivência e até os muitos milhares de advogados que tentam resolver na justiça os problemas criados por uma sociedade da violência e da corrupção, sem os valores e as competências para promover o investimento nacional e internacional de que precisamos, nomeadamente para renovar o processo de industrialização iniciado com o PEDIP.
A propósito, é interessante constatar que nos últimos cem anos os dois melhores períodos de crescimento da economia portuguesa foram quando da entrada na EFTA e no período do PEDIP/Autoeuropa e, não por acaso, através dos mesmos três elementos fundacionais: indústria, investimento estrangeiro e exportação. Será preciso fazer um desenho?
Volto ao início, na presente tragédia que vivemos hoje no ensino em Portugal, com muitos milhares de professores na rua na tentativa de resolver os problemas existentes pela greve e munidos da razão do longo tempo já passado sem decisão do que só pode ser resolvido pela negociação inteligente, bem intencionada e enfrentando as transformações necessárias. A propósito, não me recordo de ter visto algum professor universitário na rua, o que, diga-se em abono da verdade, com o sistema existente é perfeitamente compreensível.
Finalmente, será também nas creches e no pré-escolar que poderemos voltar a introduzir na sociedade portuguesa os valores da responsabilidade, da ética, da exigência e da solidariedade, não já apenas para as elites onde hoje são também factores escassos, mas para todos.
Empresário
Subscritor do manifesto Por Uma Democracia de Qualidade