Isto só visto!


Contado lá fora ninguém acredita que Portugal possa ser como é.


Nota prévia: Rui Rocha é o novo líder do Iniciativa Liberal. Ganhou com maioria absoluta (52%), face a dois adversários. É um bom resultado, mas revela um partido dividido, ao jeito do pior que há nos partidos. Rui Rocha quer crescer para patamares de 20% para o IL deixar de ser só uma potencial muleta do PSD de Montenegro. Tem muito para andar, portanto. O caminho começa por ganhar notoriedade própria, deixando de ser visto como uma criação de Cotrim de Figueiredo, a figura de referência do partido. 

 

1. Portugal raramente é notícia em termos internacionais. Somos medianamente conhecidos, referenciados como um país católico da União Europeia, com um passado colonial que alguns glorificam e outros desprezam, mas com uma história importante com apogeu há cinco séculos. Falamos um dos principais idiomas do mundo (possivelmente o quinto e o maior no Hemisfério Sul). Mantemos cordiais relações com as nossas antigas colónias. Não somos extremistas, nem especialmente xenófobos ou racistas, aceitando os costumes dos que nos demandam. Temos algumas figuras ilustres nos grandes do mundo (menos do que achamos). Entre eles Vasco da Gama, Fernão de Magalhães (apesar de alguns o terem por espanhol) e o nosso querido Santo António que se fez à estrada ainda jovem (havendo por isso quem assegure que é italiano). Até tivemos um Papa que se finou num ano. Tivemos dois grandes ditadores que mudaram o país e as colónias: Pombal e Salazar e todos glorificamos o primeiro. Ao mundo da política trouxemos recentemente os senadores mundiais Barroso e Guterres, escolhidos por mérito e sobretudo porque são de uma nação que não incomoda. Foram vistos como “simpaticões” inteligentes, tipo Oliveira da Figueira de Hergé. Na literatura, as referências são Pessoa, Camões e Saramago (por muito que este custe a muita boa gente). No mundo da música, temos Amália e o fado, o que é poucochinho. No desporto, produzimos galácticos como Carlos Lopes, Rosa Mota, Figo e os incomparáveis Eusébio e Ronaldo, este o português mais conhecido desde a Fundação. Temos um Nobel de Medicina não faltando quem lhe queira retirar a distinção a título póstumo, em nome da mesma ciência que lho deu. Somos citados pelo espírito acolhedor, pacífico, o clima e o panorama com belas praias, arquipélagos e cidades magnificas de dimensão humana. Temos uma culinária rica, única em termos de peixe, que expomos na nossa restauração a preços abordáveis para turistas. Em termos económicos somos os mais pobres dos ricos e dos mais ricos dos pobres. É este mais ou menos o retrato que um ocidental com um nível razoável de informação fará de nós. Convenhamos que não é mau, comparado como muitos outros estados do Velho Continente. Imaginemos agora por um instante o que andarão a escrever nos seus relatórios os embaixadores acreditados na deslumbrante Lisboa relativamente aos sistemáticos e recorrentes episódios das nossas pitorescas política e economia. O que dirão da sucessão de governantes envolvidos em trapalhadas e trapalhices? Só numa semana saltaram para a ribalta mais dois casos, um dos quais implica um ex-presidente da câmara de Lisboa e atual ministro das finanças. O que dirão de um questionário de seriedade para candidatos a governantes que, se fosse aplicado retroativamente, eliminava no mínimo quatro ministros em funções, sem falar de secretários de Estado? O que dirão de um país que tem uma Justiça incapaz de julgar com rapidez e eficácia e que tem um ex-primeiro-ministro indiciado por corrupção há mais de dez anos? O que dirão de um sistema financeiro que engoliu 25 mil milhões de euros para sobreviver e que não produziu um banco privado genuinamente português? O que dirão sobre as circunstâncias que há 50 anos impedem a decisão sobre a localização de um novo aeroporto? O que dirão sobre o atraso na existência de uma rede ferroviária minimamente funcional? O que dirão da impossibilidade de nos entendermos sobre as vantagens de ter uma companhia aérea que sirva o país e a sua diáspora? O que dirão de um país que tem o rio mais largo da Europa e que passa a vida com os ferries parados? O que dirão sobre a demografia deprimente com uma população indígena que se extingue lentamente ou opta por emigrar? O que dirão sobre a maior desigualdade social existente na Europa? O que dirão sobre o estado lastimoso das nossas Forças Armadas? O que dirão sobre a nossa gigantesca zona marítima que não conseguimos controlar? O que dirão sobre a sistemática incapacidade de atrairmos e de criarmos condições de permanência a grandes indústrias? O que dirão de um país que não consegue que os professores queiram ensinar em vez de fazerem greves folclóricas? O que dirão de um sistema de saúde que vai apodrecendo e de um crescendo de seguros privados que qualquer dia não têm dinheiro para aguentar tantos subscritores? Que retrato farão esses diplomatas do que se passa entre nós? Seria interessante poder ter acesso a essas informações. Se calhar, contaminados pelo ambiente, nem se dão ao trabalho de mandar relatórios, limitando-se a reportar às chancelarias lacónicos “por aqui nada de novo. Tudo na mesma como a lesma. Mas venha até cá Senhor primeiro-ministro. Beba uns canecos, coma uns petiscos e divirta-se, porque isto só mesmo visto ao vivo. Contado ninguém acredita!”. Se não for assim podem sempre atalhar e citar aquele general romano que escreveu da Lusitânia para Roma sobre um estranho povo que não se governa nem se deixa governar. Ou então, pior ainda, dizerem que estamos bem uns para os outros, independentemente de quem esteja no poder.

 

2. Pedro Nuno Santos veio a público afirmar que, afinal, sabia da indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis. Fê-lo estrategicamente na noite de sexta feira para evitar um excesso de comentários. Antes tinha negado, mas consultou o telemóvel e verificou que tinha dado assentimento. Ficou-lhe bem assumir o lapso, evitando situações incomodas mais à frente. Sobra a questão substancial. Como é que se decide em Portugal? Há atas das reuniões entre governantes e empresas ou institutos tutelados por ministérios? E quando se discute por exemplo a venda de uma empresa pelo Estado? Onde andam os resumos dessas reuniões/negocições/decisões? Isto para não falar das misteriosas atas sobre o acordo firmado com a troika! Quem, na altura, propôs o quê? Em que telemóvel andam as mensagens e os acertos? Nos Estados Unidos toda a comunicação governativa é feita pelos canais oficiais e é crime não o fazer, o que levou Hillary Clinton a ser processada.

 

3. Há quem se faça de novas no caso Jamila. A verdade, porém, é que situação de acumulação de funções como deputada e diretora da REN (uma empresa estratégia que foi vendida miseravelmente à China) era conhecida no Parlamento e de alguma comunicação social. No parlamento e fora dele há outros casos de estranhas situações. Era útil acionar um inquérito ao estado de coisas nesse campo. Para facilitar, sugere-se como guião as crónicas de Paulo Morais no Correio da Manhã. 

 

4. É preciso paciência para aturar os dislates de certos opinantes em prime-time de rádio e televisão. Proclamam que um administrador executivo de uma empresa nomeado pelo Ministério das Finanças tem a obrigação de andar a contar tudo o que se passa lá ao Governo. Seria uma espécie de bufo, segundo esta visão pidesca. Ora, não é nada disso. É um gestor como os outros. Integra o coletivo de uma administração com os mesmíssimos deveres e obrigações, tendo é pelouros específicos.

 

5. O jornalista António Amorim faleceu a semana passada. Discreto e eficaz, como se deve ser nas agências noticiosas, foi anos a fio o delegado da Lusa no Porto, onde era uma referência profissional. Foi diretor de informação da Lusa durante dois anos. Trabalhou na ANOP e na NP, tendo começado a carreira na Flama, antes do 25 de Abril. Defensor da importância da sua cidade, da sua região e de quem com ele trabalhava, António Amorim deixa um legado de serviço público e muitas saudades.

Isto só visto!


Contado lá fora ninguém acredita que Portugal possa ser como é.


Nota prévia: Rui Rocha é o novo líder do Iniciativa Liberal. Ganhou com maioria absoluta (52%), face a dois adversários. É um bom resultado, mas revela um partido dividido, ao jeito do pior que há nos partidos. Rui Rocha quer crescer para patamares de 20% para o IL deixar de ser só uma potencial muleta do PSD de Montenegro. Tem muito para andar, portanto. O caminho começa por ganhar notoriedade própria, deixando de ser visto como uma criação de Cotrim de Figueiredo, a figura de referência do partido. 

 

1. Portugal raramente é notícia em termos internacionais. Somos medianamente conhecidos, referenciados como um país católico da União Europeia, com um passado colonial que alguns glorificam e outros desprezam, mas com uma história importante com apogeu há cinco séculos. Falamos um dos principais idiomas do mundo (possivelmente o quinto e o maior no Hemisfério Sul). Mantemos cordiais relações com as nossas antigas colónias. Não somos extremistas, nem especialmente xenófobos ou racistas, aceitando os costumes dos que nos demandam. Temos algumas figuras ilustres nos grandes do mundo (menos do que achamos). Entre eles Vasco da Gama, Fernão de Magalhães (apesar de alguns o terem por espanhol) e o nosso querido Santo António que se fez à estrada ainda jovem (havendo por isso quem assegure que é italiano). Até tivemos um Papa que se finou num ano. Tivemos dois grandes ditadores que mudaram o país e as colónias: Pombal e Salazar e todos glorificamos o primeiro. Ao mundo da política trouxemos recentemente os senadores mundiais Barroso e Guterres, escolhidos por mérito e sobretudo porque são de uma nação que não incomoda. Foram vistos como “simpaticões” inteligentes, tipo Oliveira da Figueira de Hergé. Na literatura, as referências são Pessoa, Camões e Saramago (por muito que este custe a muita boa gente). No mundo da música, temos Amália e o fado, o que é poucochinho. No desporto, produzimos galácticos como Carlos Lopes, Rosa Mota, Figo e os incomparáveis Eusébio e Ronaldo, este o português mais conhecido desde a Fundação. Temos um Nobel de Medicina não faltando quem lhe queira retirar a distinção a título póstumo, em nome da mesma ciência que lho deu. Somos citados pelo espírito acolhedor, pacífico, o clima e o panorama com belas praias, arquipélagos e cidades magnificas de dimensão humana. Temos uma culinária rica, única em termos de peixe, que expomos na nossa restauração a preços abordáveis para turistas. Em termos económicos somos os mais pobres dos ricos e dos mais ricos dos pobres. É este mais ou menos o retrato que um ocidental com um nível razoável de informação fará de nós. Convenhamos que não é mau, comparado como muitos outros estados do Velho Continente. Imaginemos agora por um instante o que andarão a escrever nos seus relatórios os embaixadores acreditados na deslumbrante Lisboa relativamente aos sistemáticos e recorrentes episódios das nossas pitorescas política e economia. O que dirão da sucessão de governantes envolvidos em trapalhadas e trapalhices? Só numa semana saltaram para a ribalta mais dois casos, um dos quais implica um ex-presidente da câmara de Lisboa e atual ministro das finanças. O que dirão de um questionário de seriedade para candidatos a governantes que, se fosse aplicado retroativamente, eliminava no mínimo quatro ministros em funções, sem falar de secretários de Estado? O que dirão de um país que tem uma Justiça incapaz de julgar com rapidez e eficácia e que tem um ex-primeiro-ministro indiciado por corrupção há mais de dez anos? O que dirão de um sistema financeiro que engoliu 25 mil milhões de euros para sobreviver e que não produziu um banco privado genuinamente português? O que dirão sobre as circunstâncias que há 50 anos impedem a decisão sobre a localização de um novo aeroporto? O que dirão sobre o atraso na existência de uma rede ferroviária minimamente funcional? O que dirão da impossibilidade de nos entendermos sobre as vantagens de ter uma companhia aérea que sirva o país e a sua diáspora? O que dirão de um país que tem o rio mais largo da Europa e que passa a vida com os ferries parados? O que dirão sobre a demografia deprimente com uma população indígena que se extingue lentamente ou opta por emigrar? O que dirão sobre a maior desigualdade social existente na Europa? O que dirão sobre o estado lastimoso das nossas Forças Armadas? O que dirão sobre a nossa gigantesca zona marítima que não conseguimos controlar? O que dirão sobre a sistemática incapacidade de atrairmos e de criarmos condições de permanência a grandes indústrias? O que dirão de um país que não consegue que os professores queiram ensinar em vez de fazerem greves folclóricas? O que dirão de um sistema de saúde que vai apodrecendo e de um crescendo de seguros privados que qualquer dia não têm dinheiro para aguentar tantos subscritores? Que retrato farão esses diplomatas do que se passa entre nós? Seria interessante poder ter acesso a essas informações. Se calhar, contaminados pelo ambiente, nem se dão ao trabalho de mandar relatórios, limitando-se a reportar às chancelarias lacónicos “por aqui nada de novo. Tudo na mesma como a lesma. Mas venha até cá Senhor primeiro-ministro. Beba uns canecos, coma uns petiscos e divirta-se, porque isto só mesmo visto ao vivo. Contado ninguém acredita!”. Se não for assim podem sempre atalhar e citar aquele general romano que escreveu da Lusitânia para Roma sobre um estranho povo que não se governa nem se deixa governar. Ou então, pior ainda, dizerem que estamos bem uns para os outros, independentemente de quem esteja no poder.

 

2. Pedro Nuno Santos veio a público afirmar que, afinal, sabia da indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis. Fê-lo estrategicamente na noite de sexta feira para evitar um excesso de comentários. Antes tinha negado, mas consultou o telemóvel e verificou que tinha dado assentimento. Ficou-lhe bem assumir o lapso, evitando situações incomodas mais à frente. Sobra a questão substancial. Como é que se decide em Portugal? Há atas das reuniões entre governantes e empresas ou institutos tutelados por ministérios? E quando se discute por exemplo a venda de uma empresa pelo Estado? Onde andam os resumos dessas reuniões/negocições/decisões? Isto para não falar das misteriosas atas sobre o acordo firmado com a troika! Quem, na altura, propôs o quê? Em que telemóvel andam as mensagens e os acertos? Nos Estados Unidos toda a comunicação governativa é feita pelos canais oficiais e é crime não o fazer, o que levou Hillary Clinton a ser processada.

 

3. Há quem se faça de novas no caso Jamila. A verdade, porém, é que situação de acumulação de funções como deputada e diretora da REN (uma empresa estratégia que foi vendida miseravelmente à China) era conhecida no Parlamento e de alguma comunicação social. No parlamento e fora dele há outros casos de estranhas situações. Era útil acionar um inquérito ao estado de coisas nesse campo. Para facilitar, sugere-se como guião as crónicas de Paulo Morais no Correio da Manhã. 

 

4. É preciso paciência para aturar os dislates de certos opinantes em prime-time de rádio e televisão. Proclamam que um administrador executivo de uma empresa nomeado pelo Ministério das Finanças tem a obrigação de andar a contar tudo o que se passa lá ao Governo. Seria uma espécie de bufo, segundo esta visão pidesca. Ora, não é nada disso. É um gestor como os outros. Integra o coletivo de uma administração com os mesmíssimos deveres e obrigações, tendo é pelouros específicos.

 

5. O jornalista António Amorim faleceu a semana passada. Discreto e eficaz, como se deve ser nas agências noticiosas, foi anos a fio o delegado da Lusa no Porto, onde era uma referência profissional. Foi diretor de informação da Lusa durante dois anos. Trabalhou na ANOP e na NP, tendo começado a carreira na Flama, antes do 25 de Abril. Defensor da importância da sua cidade, da sua região e de quem com ele trabalhava, António Amorim deixa um legado de serviço público e muitas saudades.