Habituamo-nos, mas não se estiquem!


O Governo tem escapado a alguns abalos escandalosos, mas não resistiria a um terramoto político de grande intensidade.


Nota prévia: É sempre um desafio a primeira crónica do ano. Por mais que se evite, sobretudo quando é feita por antecipação, há a inevitável tentação de chamar o “Zandinga” que há em todos nós e avançarmos na inútil futurologia que é sempre ultrapassada pela delirante realidade, venha ela do comportamento humano ou da imprevisível mãe natureza. Mesmo assim, vale a pena arriscar pelo menos no campo político e exalar alguns alertas ou bitaites, se preferirem. Quando se acerta é o triunfo da autossatisfação. E falhar redondamente não ofende ninguém e não oferece grande risco, pois a memória é curta, tirando a do próprio autor ou do judicioso amigo revisor e sobretudo conselheiro.

1. Feito o introito, é preciso dizer que os acontecimentos políticos dos últimos dias só eram imprevisíveis pela dimensão dos estragos. O expectável seria a saída de Alexandra Reis e pouco mais. Por muito que Pedro Nuno Santos pudesse ter responsabilidades, a sua saída não era obrigatória. Ao demitir-se, mostrou um raro desapego do poder. Mais sentido teria a saída de Medina porque foi ele quem recrutou Alexandra Reis, cujo histórico tinha de conhecer através da sua mulher, que trabalhou com ela na TAP, na qual foi diretora jurídica. É essencial perceber agora os comportamentos e negócios que Alexandra Reis liderou, seja na administração seja nas funções de direção anteriores, nas quais foi investida no tempo da dupla Nilman/Pedrosa. Por causa deste imbróglio, Medina está agora na corda bamba. Dificilmente resistirá a mais um ou dois episódios pitorescos e caricatos do mesmo género. Está ferido na sua credibilidade. Como foi dito e redito, a trama de fim de ano envolveu dois putativos futuros candidatos à liderança do PS. Quanto a António Costa correu-lhe mal rigorosamente tudo desde que ganhou as legislativas com maioria absoluta. O poder inebriou-o e ele deslumbrou-se consigo próprio, como pateticamente mostrou a entrevista/frete da Visão, ilustrada por fotografia narcisista, de mau gosto e politicamente esclarecedora. Afinal se as coisas estão assim. Se o Governo se desfaz, pondo a nu uma inacreditável teia de compadrios e de endogamia vergonhosa. Se a situação social se degrada para além do aceitável. Se há cada vez mais números torturados para mostrar uma realidade virtual. Se o PRR ameaça ser mais um “flop”. Se a saúde e a Segurança Social falham. Se as Forças Armadas não têm meios e se todas as grandes obras estão adiadas, a culpa é de António Costa, cujo Governo é péssimo, mal estruturado e incapaz em muitas áreas. Costa nem sequer foi capaz de perceber em sete anos que devia ter um número dois ao jeito de Fernando Nogueira, braço direito de Cavaco Silva. Medo de ter um suposto delfim? Ou forma de controlar o partido e o Governo, pondo tudo ao despique? É coisa que só ele saberá.

2. Com todos estes desenvolvimentos, torna-se claro que o processo político entrou em aceleração e que dificilmente o ciclo político chegará ao fim. 2024 deverá ser um ano de crises politicas, provavelmente com o PS em perda. Luís Montenegro terá mais hipóteses do que nunca, se estiver ao leme do PSD. Tem é de preparar uma alternativa sólida, trazendo figuras competentes e reconhecidas e não apenas políticos de partido e de “jotas” sem serem apenas políticos de partido.

3. No meio disto, o Presidente Marcelo fez o que lhe competia. Pressionou para que houvesse consequências do caso Alexandra. Manifestamente não esperava tanto dano. Por isso cortou cerce qualquer especulação sobre dissolução do Parlamento, menos de um ano depois de outra. Seria uma irresponsabilidade e péssimo para o rating da República. Marcelo fez questão de assinalar na mensagem de Ano Novo que a maioria absoluta é uma vantagem comparativa e rara de estabilidade que é preciso aproveitar. Seria imperdoável desbaratar essa vantagem em 2023, disse o Presidente. Está dado o recado a António Costa, que fica confrontado com a sua responsabilidade histórica. E, convenhamos, que Costa, até ver, não tem estado à altura. Veremos daqui para a frente.

4. O Tejo é simultaneamente o encanto, a riqueza e o pulmão económico de Lisboa e de uma zona ribeirinha gigantesca. O problema é que atravessá-lo é cada vez mais difícil, seja porque é sistematicamente mais cara a passagem, seja porque os transportes entre as margens são deploráveis. Quem tem de atravessar o rio diariamente está sujeito a vários tipos de sevícias. Duas delas chamam-se Transtejo e Soflusa, companhias públicas onde há sucessivamente greves, plenários, avarias, supressão de barcos tornando a vida infernal aos utentes. Só há uma solução para o problema e não passa por uma privatização. Há que incentivar de raiz o aparecimento de uma nova empresa que tenha gestão, exigência e padrões de qualidade. Em Portugal, só uma entidade privada ou gerida por privados é capaz de dar essas garantias num prazo relativamente curto. A experiência do comboio ligeiro da Fertagus (mesmo que tenha custado caro ao Estado) é a prova de que nem tudo tem de ser mau na travessia entre Lisboa e a margem sul. Imagine-se o caos que seria se em vez da Fertagus a ligação entre as margens do Tejo fosse assegurada pela funesta CP. O futuro passa, portanto, por uma nova entidade libertadora. Quanto às Soflusa e Transtejo era só deixá-las estar. Colapsariam sozinhas e paradas como tanto gostam os que as transformaram em meros instrumentos de luta política.

5. Desde o dia 1 de janeiro que o hospital de Cascais deixou de ser uma PPP, por desistência do grupo Lusíadas. O hospital de Cascais tem trabalhado em moldes que satisfazem e até orgulham a população local. Daqui para a frente teme-se uma degradação da qualidade, como aconteceu no hospital de Braga, no de Vila Franca de Xira e no Beatriz Ângelo em Loures. É impressionante ver como pouco ou nada se avança no sentido positivo no campo da saúde em Portugal. O SNS como referência nacional e internacional já era. Os bons exemplos são cada vez menos, apesar do esforço dos seus profissionais.

6. A ERC, Entidade Reguladora da Comunicação Social, vai mudar de morada. Foi colocado um anúncio na imprensa em que se procura um espaço com cerca de 2 mil metros. Sendo o único regulador constitucionalizado, a ERC, segundo dizem, tem mesmo de ter sede em Lisboa. Ora lá está, na tal revisão pontual da lei fundamental que alguns preconizam, um bom tema a abordar. Porque não deslocar para fora da capital as suas instalações e os seus quadros? Braga ou Porto seriam, por exemplo, magníficos locais, dada até a quantidade de gente sábia em matéria de comunicação social que abunda por lá. Difícil era escolher entre tanta gente. Além disso, dava-se uma mãozinha aos defensores da descentralização, que ficaram frustrados com o “flop” da transferência do Infarmed, tão demagógica como impraticável. No caso da ERC basta querer mesmo.

 

Escreve à quarta-feira

Habituamo-nos, mas não se estiquem!


O Governo tem escapado a alguns abalos escandalosos, mas não resistiria a um terramoto político de grande intensidade.


Nota prévia: É sempre um desafio a primeira crónica do ano. Por mais que se evite, sobretudo quando é feita por antecipação, há a inevitável tentação de chamar o “Zandinga” que há em todos nós e avançarmos na inútil futurologia que é sempre ultrapassada pela delirante realidade, venha ela do comportamento humano ou da imprevisível mãe natureza. Mesmo assim, vale a pena arriscar pelo menos no campo político e exalar alguns alertas ou bitaites, se preferirem. Quando se acerta é o triunfo da autossatisfação. E falhar redondamente não ofende ninguém e não oferece grande risco, pois a memória é curta, tirando a do próprio autor ou do judicioso amigo revisor e sobretudo conselheiro.

1. Feito o introito, é preciso dizer que os acontecimentos políticos dos últimos dias só eram imprevisíveis pela dimensão dos estragos. O expectável seria a saída de Alexandra Reis e pouco mais. Por muito que Pedro Nuno Santos pudesse ter responsabilidades, a sua saída não era obrigatória. Ao demitir-se, mostrou um raro desapego do poder. Mais sentido teria a saída de Medina porque foi ele quem recrutou Alexandra Reis, cujo histórico tinha de conhecer através da sua mulher, que trabalhou com ela na TAP, na qual foi diretora jurídica. É essencial perceber agora os comportamentos e negócios que Alexandra Reis liderou, seja na administração seja nas funções de direção anteriores, nas quais foi investida no tempo da dupla Nilman/Pedrosa. Por causa deste imbróglio, Medina está agora na corda bamba. Dificilmente resistirá a mais um ou dois episódios pitorescos e caricatos do mesmo género. Está ferido na sua credibilidade. Como foi dito e redito, a trama de fim de ano envolveu dois putativos futuros candidatos à liderança do PS. Quanto a António Costa correu-lhe mal rigorosamente tudo desde que ganhou as legislativas com maioria absoluta. O poder inebriou-o e ele deslumbrou-se consigo próprio, como pateticamente mostrou a entrevista/frete da Visão, ilustrada por fotografia narcisista, de mau gosto e politicamente esclarecedora. Afinal se as coisas estão assim. Se o Governo se desfaz, pondo a nu uma inacreditável teia de compadrios e de endogamia vergonhosa. Se a situação social se degrada para além do aceitável. Se há cada vez mais números torturados para mostrar uma realidade virtual. Se o PRR ameaça ser mais um “flop”. Se a saúde e a Segurança Social falham. Se as Forças Armadas não têm meios e se todas as grandes obras estão adiadas, a culpa é de António Costa, cujo Governo é péssimo, mal estruturado e incapaz em muitas áreas. Costa nem sequer foi capaz de perceber em sete anos que devia ter um número dois ao jeito de Fernando Nogueira, braço direito de Cavaco Silva. Medo de ter um suposto delfim? Ou forma de controlar o partido e o Governo, pondo tudo ao despique? É coisa que só ele saberá.

2. Com todos estes desenvolvimentos, torna-se claro que o processo político entrou em aceleração e que dificilmente o ciclo político chegará ao fim. 2024 deverá ser um ano de crises politicas, provavelmente com o PS em perda. Luís Montenegro terá mais hipóteses do que nunca, se estiver ao leme do PSD. Tem é de preparar uma alternativa sólida, trazendo figuras competentes e reconhecidas e não apenas políticos de partido e de “jotas” sem serem apenas políticos de partido.

3. No meio disto, o Presidente Marcelo fez o que lhe competia. Pressionou para que houvesse consequências do caso Alexandra. Manifestamente não esperava tanto dano. Por isso cortou cerce qualquer especulação sobre dissolução do Parlamento, menos de um ano depois de outra. Seria uma irresponsabilidade e péssimo para o rating da República. Marcelo fez questão de assinalar na mensagem de Ano Novo que a maioria absoluta é uma vantagem comparativa e rara de estabilidade que é preciso aproveitar. Seria imperdoável desbaratar essa vantagem em 2023, disse o Presidente. Está dado o recado a António Costa, que fica confrontado com a sua responsabilidade histórica. E, convenhamos, que Costa, até ver, não tem estado à altura. Veremos daqui para a frente.

4. O Tejo é simultaneamente o encanto, a riqueza e o pulmão económico de Lisboa e de uma zona ribeirinha gigantesca. O problema é que atravessá-lo é cada vez mais difícil, seja porque é sistematicamente mais cara a passagem, seja porque os transportes entre as margens são deploráveis. Quem tem de atravessar o rio diariamente está sujeito a vários tipos de sevícias. Duas delas chamam-se Transtejo e Soflusa, companhias públicas onde há sucessivamente greves, plenários, avarias, supressão de barcos tornando a vida infernal aos utentes. Só há uma solução para o problema e não passa por uma privatização. Há que incentivar de raiz o aparecimento de uma nova empresa que tenha gestão, exigência e padrões de qualidade. Em Portugal, só uma entidade privada ou gerida por privados é capaz de dar essas garantias num prazo relativamente curto. A experiência do comboio ligeiro da Fertagus (mesmo que tenha custado caro ao Estado) é a prova de que nem tudo tem de ser mau na travessia entre Lisboa e a margem sul. Imagine-se o caos que seria se em vez da Fertagus a ligação entre as margens do Tejo fosse assegurada pela funesta CP. O futuro passa, portanto, por uma nova entidade libertadora. Quanto às Soflusa e Transtejo era só deixá-las estar. Colapsariam sozinhas e paradas como tanto gostam os que as transformaram em meros instrumentos de luta política.

5. Desde o dia 1 de janeiro que o hospital de Cascais deixou de ser uma PPP, por desistência do grupo Lusíadas. O hospital de Cascais tem trabalhado em moldes que satisfazem e até orgulham a população local. Daqui para a frente teme-se uma degradação da qualidade, como aconteceu no hospital de Braga, no de Vila Franca de Xira e no Beatriz Ângelo em Loures. É impressionante ver como pouco ou nada se avança no sentido positivo no campo da saúde em Portugal. O SNS como referência nacional e internacional já era. Os bons exemplos são cada vez menos, apesar do esforço dos seus profissionais.

6. A ERC, Entidade Reguladora da Comunicação Social, vai mudar de morada. Foi colocado um anúncio na imprensa em que se procura um espaço com cerca de 2 mil metros. Sendo o único regulador constitucionalizado, a ERC, segundo dizem, tem mesmo de ter sede em Lisboa. Ora lá está, na tal revisão pontual da lei fundamental que alguns preconizam, um bom tema a abordar. Porque não deslocar para fora da capital as suas instalações e os seus quadros? Braga ou Porto seriam, por exemplo, magníficos locais, dada até a quantidade de gente sábia em matéria de comunicação social que abunda por lá. Difícil era escolher entre tanta gente. Além disso, dava-se uma mãozinha aos defensores da descentralização, que ficaram frustrados com o “flop” da transferência do Infarmed, tão demagógica como impraticável. No caso da ERC basta querer mesmo.

 

Escreve à quarta-feira