Dentro de pouco mais de um ano vamos iniciar as comemorações de meio século do 25 de Abril, mas sem sabermos bem o que vamos festejar. Certamente a liberdade ganha naquilo dia glorioso, porventura um melhor nível de vida resultante de alguns avanços sociais e tecnológicos da Europa e o reconhecimento internacional resultante da independência das colónias e da adesão ao que é hoje a União Europeia. Uma liberdade consolidada no 25 de Novembro, que por alguma razão temos receio de festejar e uma União Europeia que tem servido principalmente para nos sustentar, à míngua de não o termos sabido fazer sozinhos.
Dentro em breve essas comemorações terão o apoio e a comoção de milhões de portugueses, alguns dos quais ainda viveram no antigo regime e a maioria dos que o não viveram reconhecem os seus malefícios. Todavia perguntemo-nos, que parte dessas comemorações será realidade e que parte será propaganda, a que pouco a pouco nos fomos habituando? Que parte resultará de uma avaliação séria dos avanços e dos recuos destes cinquenta anos e que parte continuará a ser a negação da vida dura do dia a dia dos portugueses de hoje, nomeadamente por comparação com as oportunidades perdidas e com os erros cometidos? Seremos capazes de fazer uma avaliação honesta das diferentes fases políticas e económicas que se sucederam, de Mário Soares a Cavaco Silva e dos anos seguintes dominados pelo Partido Socialista? Duvido.
Portugal precisa como de pão para a boca de um banho de realidade, tanto quanto necessita de vencer o medo da mudança e de perder o falso contentamento da mentira. Precisa urgentemente de vencer a barreira dos pequenos casos para definir uma estratégia, cuja importância não pode ser minimizada, mas também vencer a corrupção que mina a sociedade portuguesa. Como temos de aprender a recusar o videirismo político e comunicacional, para ganhar a consciência de que já não vivemos numa democracia plena e que nos está reservada como povo apenas uma falsa participação democrática no futuro do país. O centralismo democrático de má memória domina o panorama político e a partir do momento em que os líderes partidários ganharam o poder de escolher os “eleitos de povo”, a Assembleia da República tornou-se uma mera alavanca do poder exercido há mais de vinte anos pelo Partido Socialista, cerca de metade do tempo que nos separa do 25 de Abril. Partido Socialista que hoje tem muito pouco a ver com o seu fundador Mário Soares e com a experiência moldada no combate ao antigo regime. Como aliás pouco tem a ver com a seriedade pessoal e política de Jorge Sampaio.
Para além disso ao portugueses não têm muito para comemorar. Porque apesar do socialista Ascenso Simões se sentir preocupado com a “obsessão pelo PIB”, o facto é que o rendimento per capita de cada português, que em 2004 era de 91% da média europeia, recentemente até 2021 caiu para apenas 74%, ou seja, o empobrecimento dos portugueses não é uma fantasia oposicionista mas a dura realidade que teremos de enfrentar como povo, sem demagogia e com verdade. Que o Presidente da República, o primeiro-ministro e o Governo se recusem a compreender o que está mal e o que deve ser feito, não altera o enorme desafio que o país tem pela frente. Até porque entre 2002 e 2021 sete países entre os mais pobres da União Europeia – Hungria, Polónia, Estónia, Eslovénia, República Checa, Lituânia e Malta – nos passaram à frente e a Roménia que no mesmo tempo cresceu de 33% para 73% da média europeia, se prepara para ultrapassar Portugal em 2024. Atrás de nós temos agora apenas a Letónia, a Croácia, a Eslováquia, a Grécia e a Bulgária, mas a lutarem para nos ultrapassar. Para mais com Portugal a ter o garrote de uma dívida pública que em 2016 era de 241 mil milhões e os juros eram de 0%, para em 2022, apesar de todas as promessas feitas de boas contas e de um dos mais altos níveis de impostos da Europa e das ajudas de Bruxelas, já atingiu 279 mil milhões, agora que o BCE subiu a taxa de juro para 2%.
Mas não só, como o PS insiste em não compreender, sem uma economia forte e sem superar a estagnação económica que já leva mais de vinte anos e a apostar no Estado e não nas empresas, ou a preferir o mercado interno e a fugir da concorrência, como teorizado pelo Governo no caso da política ferroviária, Portugal tem apenas boas razões para se atrasar ainda mais. Finalmente, o Governo aparenta não compreender que as políticas sociais, a manutenção de um SNS digno e de um verdadeiro combate à pobreza e à ignorância endémicas na sociedade portuguesa, não são políticas sustentáveis sem um forte e saudável crescimento económico. O Governo insiste em não compreender que a pobreza e a ignorância sobrevivem nas famílias pobres e que apenas um ambicioso programa de creches e de pré-escolar de elevada qualidade, com bons educadores, boa alimentação e transporte, pode vencer o circulo vicioso que o 25 de Abril não venceu. Ou que a obsessão com as pequenas empresas no mercado interno, em grande parte comerciais, com a perseguição às grandes empresas, é a política errada. Ou que a ideologia não vende produtos ou cria riqueza, razão porque temos um nível de exportações muito insuficiente e muito abaixo dos outros países da nossa dimensão e que, tal como nós, têm pequenos mercados internos. Exemplo: 50% do PIB de exportações para Portugal e 105% para a Irlanda. Um Governo que também não entende que apenas o sector industrial pode vencer, através do crescimento das exportações, os baixos salários dos trabalhadores com baixas qualificações que representam ainda uma grande parte da força de trabalho em Portugal.
Ou seja, como ando a pregar há anos, apenas a combinação virtuosa de melhor educação, a começar pela base que são as crianças, com a industrialização, a qual permite treinar os trabalhadores em operações repetitivas, com maior produtividade e melhores salários, pode fazer crescer a economia de forma sustentável. Porque não será o turismo com os seus baixos salários e de continuidade duvidosa, ou os serviços de raiz tecnológica que fazem apelo a trabalhadores altamente especializados que não temos em número suficiente, que resolverão o problema. Até porque entre 2011 e 2020 saíram de Portugal 992 mil portugueses, dos quais cerca de 400 mil de forma permanente, sendo que entre eles estão muito jovens qualificados. Ou seja, precisamos de grandes empresas industriais, como está a recrutar a vizinha Espanha com o seu PRR.
Em resumo, ando nisto há tempo suficiente para não ter ilusões de que o Governo do PS, dirigido por António Costa e com um partido que não resolveu nenhum dos problemas que o país enfrenta, ou sequer compreendeu qualquer das medidas aqui propostas ao longo dos últimos sete anos, o vai fazer agora nos próximos quatro. Os portugueses que ainda votam, erraram quando deram uma maioria absoluta a um partido que passou ao lado de todas as oportunidades de crescimento económico do último quarto de século e que hoje não mostra a energia, a sabedoria e a seriedade para vencermos o enorme desafio que Portugal enfrenta. Lamento-o, mas a situação é muito grave, até porque temos um Presidente da República que não dá por isso.
Empresário
Subscritor do manifesto Por Uma Democracia de Qualidade