O estribilho sempre esteve presente na poesia portuguesa e logo desde os primórdios da nacionalidade. Ainda hoje é célebre o real estribilhar poético de D. Sancho I e D. Dinis que, a par da conquista de terras aos mouros (uma palavra no index da nova história) ou a Castela, que moldaram a geografia do país, nos deixaram aquelas notáveis cantigas de amigo, trovas que ainda perduram na nossa literatura.
Todavia ninguém terá praticado tão intensivamente a forma, que não a arte, dos estribilhos como o nosso primeiro-ministro a exercita na política, mas tão astuciosos e prosaicos que não ficarão na memória, longe eles andam daqueles profundos, inspirados e emotivos gritos de alma da lírica dos seus antecessores, D. Sancho I e D. Dinis, perpetuados até aos dias de hoje.
Aliás, há mesmo um contraste completo entre D. Sancho e António Costa. Enquanto D. Sancho, O Povoador, espalhava a sua lira pelo belo sexo (ao tempo a expressão não era proibida) deixando-lhe versos para o recordarem nos intervalos em que pelejava castelhanos e mouros, criando e povoando um reino, para tal contribuindo com os seus 19 filhos conhecidos, o que António Costa tem feito é despovoar o país, cada ano com menos partos e mais emigração.
E o verdadeiro desespero daquela lastimosa donzela, saudosa do rei, “ai eu coitada, como vivo en gran desejo por meu amigo que tarda e não vejo” e que atingia o clímax no lancinante estribilho “ai muito me tarda o meu amigo na Guarda…” não sofre comparação com o incessante, prosaico e profundamente eufemístico estribilho das contas certas, do crescimento superior à média europeia e do regresso à austeridade nunca mais que o primeiro-ministro diariamente usa para traduzir a política governamental.
E como comparar tal continuado e repetido estribilho, certamente retirado das linhas mestras de um qualquer manual de comunicação socialista, com a dimensão romântica do estribilho e dos versos que D. Dinis também deixava às suas amadas, para o recordar nas ausências em Alcanizes na negociação do território do reino, ou na corte para impor o português como língua oficial, perguntando às flores do campo “ai flores, ai flores do verde pino se sabedes novas do meu amigo, ai deus e u é?”
E nem se ouve, vê ou vislumbra qualquer português a perguntar pelo primeiro-ministro, ai deus e u é?, porque antecipadamente sabe que, independentemente onde ele esteja, e estará em todo o lado, menos no seu gabinete em Portugal, a resposta cumprirá sempre o guião das contas certas, do crescimento superior à média europeia e do regresso à austeridade nunca mais.
E foi certamente na premonição deste estribilho, utilizado em todos os discursos e respostas a todas as questões, que Edgar Allan Poe escreveu o seu magnífico poema O Corvo, em versão sincopada, mas sem lhe retirar o sentido:
“…Vendo que o corvo entendia a pergunta que lhe eu fazia
Fiquei atónito, pois a resposta que dava dificilmente a entendia…
Ouvia uma pergunta e dizia em resposta: Nunca mais…
…O corvo solitário não tinha outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda a sua alma resumisse
Nenhuma outra palavra proferiu, nenhuma…
…Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: Nunca mais.
Não é o primeiro-ministro manifestamente um corvo, mas assemelha-se bem ao corvo de Edgard Allan Poe nas respostas que dá. Ele “não tem outro vocabulário” senão “ essa palavra escassa…que toda a sua alma resume e nenhuma outra profere”, esse estribilho das contas certas, do crescimento superior à média europeia e o regresso à austeridade e à política de empobrecimento nunca mais!
Nunca mais, dirão muitos portugueses, sim, nunca mais a uma política de estribilhos que, ritmadamente e sem desvios, nos faz embarcar no carro-vassoura da Europa.
Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto
Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com