O Chega soma e segue


A estratégia do Chega de Ventura já não se limita a um mero partido de protesto.


Nota prévia: Em 1995, Portugal classificou-se brilhantemente em terceiro lugar num mundial de futebol de sub20, depois de bater a Espanha. O campeão foi o Brasil, que venceu a Argentina na final. A competição decorreu no Qatar e ninguém se indignou ou se lembrou disso. A Arábia Saudita pretende agora candidatar-se a organizar uma das próximas fases finais. Quem não quiser que comece já a opor-se e não deixe isso para depois.

1. Aos poucos, o panorama político nacional está a modificar-se decisivamente. O PSD de Montenegro cresce de forma regular, enquanto, pendularmente, o PS desce. Estudos recentes indicam que o PSD poderia governar com os partidos à sua direita, se houvesse eleições agora e desde que aceitasse uma forma qualquer de aliança com o Chega e/ou a Iniciativa Liberal. O Chega é o partido mais interessante de analisar, não só pelas sondagens, mas também pela sua evolução estratégica. Apesar das convulsões internas por que passou e da liderança caudilhista de André Ventura, o Chega tem vindo a ocupar consistentemente o espaço mediático. E já não é só por berrar muito e por ser ajudado pelos média que, querendo atacá-lo, o projetam ainda mais. Hoje, o quadro de intervenção do partido desenvolve-se em várias frentes políticas e sociais, já não tendo Ventura o exclusivo do protagonismo, embora exerça uma liderança forte. Surgiram mais uns quantos dirigentes que não se resumem a discursos trogloditas. Sabem argumentar com a mesma civilidade do que, por exemplo, os comunistas, que a sociedade se habituou a aceitar como democratas. O Chega atual quer ter ligação ao mundo sindical, tem projetos de revisão constitucional, intervém com propostas racionais na discussão do Orçamento de Estado e aproveita todas as oportunidades para aparecer. Vai ser o caso do próximo congresso, o qual foi obrigado a convocar pelo Tribunal Constitucional (TC), a fim de retificar uns estatutos que dão poderes excessivos e ilegais ao seu presidente. É, aliás, a segunda vez que o TC faz essa imposição. Entretanto, o Chega procura ser o primeiro beneficiário do suicídio político da Iniciativa Liberal, circunstância que também pode aproveitar ao PSD. Mediaticamente, o Chega desenvolve uma estratégia aparentada à do Bloco de Esquerda. Ventura é uma espécie de Catarina Martins do lado oposto. Fala para os nichos que lhe interessa captar e fustiga os adversários. Aos poucos, o partido entra no quotidiano mediático e normaliza-se. Vai deixando de ser apenas um agrupamento de protesto, tornando-se mais abrangente. Há, porém, quem entenda que esse é um erro que pode levar à sua integração na direita moderada europeia, perita em absorver radicais. Não faltam exemplos no velho continente. Em Portugal, verificou-se à esquerda um fenómeno semelhante com o abraço de urso que o PS deu ao Bloco e ao PCP na “geringonça”. Ao abraçá-los, os socialistas abafaram os votos dos seus parceiros. Em França, o partido de Marine Le Pen fracionou-se e nasceu uma concorrência ainda mais à direita quando ela se moderou, sendo provável que o fenómeno se acentue ainda mais com a nova liderança exercida por um jovem com pouca notoriedade. Ver-se-á no futuro se as tendências que se detetam no Chega em Portugal o consolidam à direita e se, por isso, o partido se torna membro efetivo de um sistema que ele supostamente quer mudar. E veremos também se o PS mantém a rota descendente que parece estar ligada a dois fenómenos: a incapacidade de travar um aumento do custo de vida, que vai muitíssimo para além do que o impacto da guerra da Ucrânia pode justificar, e os sucessivos casos de manifesta incompetência do Estado, a que acrescem sucessivas situações no mínimo nebulosas de membros do Governo e do partido com lugares relevantes. Mesmo descontando o desgaste natural de sete anos de poder, tem de se reconhecer que há episódios graves a mais no quotidiano da governação. Uma prova evidente disso está na mudança regular de governantes como as que sucederam ontem por motivos pouco claros. Os dados recentes revelados pelo Census mostram, entretanto, o descalabro do país em múltiplos aspetos, o que é comprovado pela esperada notícia de que até a desoladora Roménia já não é a miséria que era. Para nossa surpresa e vergonha coletiva, prepara-se mesmo para nos deixar para trás no espaço europeu comunitário. Qualquer dia, entra a Albânia e também nos ultrapassa num fósforo. Triste sina esta! Temos um atraso atávico aliado a uma geografia periférica que só soubemos aproveitar quando nos fizemos ao mar há 500 anos. Toda a degradação atual reflete-se fundamentalmente no Governo, mas estende-se à classe política em geral, cuja degradação da imagem pode mesmo ser devastadora em próximas eleições. É provável que leve cada vez mais gente a ficar em casa por não querer dar a sua confiança a ninguém, mesmo que isso signifique entregar a outros a possibilidade de escolher por nós. Uma coisa é certa: não vamos por bom caminho e não se vê forma de invertermos a situação.

2. São preocupantes as notícias que chegam da China, mostrando uma significativa movimentação popular de protesto motivada pela política de “covid-zero” e o respetivo confinamento. Os protestos são ainda pontuais naquela imensidão de gente, mas pela primeira vez começam a envolver críticas a Xi Jinping, cuja demissão é exigida. No Ocidente há sempre uma certa ambiguidade quando surge alguma instabilidade na China. Por um lado, considera-se positivo qualquer movimento pró-democracia. Mas, por outro, teme-se o pior relativamente ao dia em que o país mais populoso de mundo deixe de ser governado com mão de ferro, passando a liberdade individual a ser um valor semelhante ao que existe nas sociedades ocidentais democráticas. A perplexidade é legitima. O caos na China seria um desastre planetário que suplantaria largamente a guerra da Ucrânia, o problema ambiental e muitas outras questões quer julgamos prementes. E há que reconhecer que a implantação de um sistema democrático seria provavelmente um passo para a ingovernabilidade e para a implosão de um país com centenas de etnias e costumes diferentes que o comunismo diluiu pela força. A evolução da sociedade chinesa é determinante para a de toda a humanidade. Disso ninguém duvide. Imagine-se o impacto que teria a sua desordem na ordem mundial.

Escreve à quarta-feira

O Chega soma e segue


A estratégia do Chega de Ventura já não se limita a um mero partido de protesto.


Nota prévia: Em 1995, Portugal classificou-se brilhantemente em terceiro lugar num mundial de futebol de sub20, depois de bater a Espanha. O campeão foi o Brasil, que venceu a Argentina na final. A competição decorreu no Qatar e ninguém se indignou ou se lembrou disso. A Arábia Saudita pretende agora candidatar-se a organizar uma das próximas fases finais. Quem não quiser que comece já a opor-se e não deixe isso para depois.

1. Aos poucos, o panorama político nacional está a modificar-se decisivamente. O PSD de Montenegro cresce de forma regular, enquanto, pendularmente, o PS desce. Estudos recentes indicam que o PSD poderia governar com os partidos à sua direita, se houvesse eleições agora e desde que aceitasse uma forma qualquer de aliança com o Chega e/ou a Iniciativa Liberal. O Chega é o partido mais interessante de analisar, não só pelas sondagens, mas também pela sua evolução estratégica. Apesar das convulsões internas por que passou e da liderança caudilhista de André Ventura, o Chega tem vindo a ocupar consistentemente o espaço mediático. E já não é só por berrar muito e por ser ajudado pelos média que, querendo atacá-lo, o projetam ainda mais. Hoje, o quadro de intervenção do partido desenvolve-se em várias frentes políticas e sociais, já não tendo Ventura o exclusivo do protagonismo, embora exerça uma liderança forte. Surgiram mais uns quantos dirigentes que não se resumem a discursos trogloditas. Sabem argumentar com a mesma civilidade do que, por exemplo, os comunistas, que a sociedade se habituou a aceitar como democratas. O Chega atual quer ter ligação ao mundo sindical, tem projetos de revisão constitucional, intervém com propostas racionais na discussão do Orçamento de Estado e aproveita todas as oportunidades para aparecer. Vai ser o caso do próximo congresso, o qual foi obrigado a convocar pelo Tribunal Constitucional (TC), a fim de retificar uns estatutos que dão poderes excessivos e ilegais ao seu presidente. É, aliás, a segunda vez que o TC faz essa imposição. Entretanto, o Chega procura ser o primeiro beneficiário do suicídio político da Iniciativa Liberal, circunstância que também pode aproveitar ao PSD. Mediaticamente, o Chega desenvolve uma estratégia aparentada à do Bloco de Esquerda. Ventura é uma espécie de Catarina Martins do lado oposto. Fala para os nichos que lhe interessa captar e fustiga os adversários. Aos poucos, o partido entra no quotidiano mediático e normaliza-se. Vai deixando de ser apenas um agrupamento de protesto, tornando-se mais abrangente. Há, porém, quem entenda que esse é um erro que pode levar à sua integração na direita moderada europeia, perita em absorver radicais. Não faltam exemplos no velho continente. Em Portugal, verificou-se à esquerda um fenómeno semelhante com o abraço de urso que o PS deu ao Bloco e ao PCP na “geringonça”. Ao abraçá-los, os socialistas abafaram os votos dos seus parceiros. Em França, o partido de Marine Le Pen fracionou-se e nasceu uma concorrência ainda mais à direita quando ela se moderou, sendo provável que o fenómeno se acentue ainda mais com a nova liderança exercida por um jovem com pouca notoriedade. Ver-se-á no futuro se as tendências que se detetam no Chega em Portugal o consolidam à direita e se, por isso, o partido se torna membro efetivo de um sistema que ele supostamente quer mudar. E veremos também se o PS mantém a rota descendente que parece estar ligada a dois fenómenos: a incapacidade de travar um aumento do custo de vida, que vai muitíssimo para além do que o impacto da guerra da Ucrânia pode justificar, e os sucessivos casos de manifesta incompetência do Estado, a que acrescem sucessivas situações no mínimo nebulosas de membros do Governo e do partido com lugares relevantes. Mesmo descontando o desgaste natural de sete anos de poder, tem de se reconhecer que há episódios graves a mais no quotidiano da governação. Uma prova evidente disso está na mudança regular de governantes como as que sucederam ontem por motivos pouco claros. Os dados recentes revelados pelo Census mostram, entretanto, o descalabro do país em múltiplos aspetos, o que é comprovado pela esperada notícia de que até a desoladora Roménia já não é a miséria que era. Para nossa surpresa e vergonha coletiva, prepara-se mesmo para nos deixar para trás no espaço europeu comunitário. Qualquer dia, entra a Albânia e também nos ultrapassa num fósforo. Triste sina esta! Temos um atraso atávico aliado a uma geografia periférica que só soubemos aproveitar quando nos fizemos ao mar há 500 anos. Toda a degradação atual reflete-se fundamentalmente no Governo, mas estende-se à classe política em geral, cuja degradação da imagem pode mesmo ser devastadora em próximas eleições. É provável que leve cada vez mais gente a ficar em casa por não querer dar a sua confiança a ninguém, mesmo que isso signifique entregar a outros a possibilidade de escolher por nós. Uma coisa é certa: não vamos por bom caminho e não se vê forma de invertermos a situação.

2. São preocupantes as notícias que chegam da China, mostrando uma significativa movimentação popular de protesto motivada pela política de “covid-zero” e o respetivo confinamento. Os protestos são ainda pontuais naquela imensidão de gente, mas pela primeira vez começam a envolver críticas a Xi Jinping, cuja demissão é exigida. No Ocidente há sempre uma certa ambiguidade quando surge alguma instabilidade na China. Por um lado, considera-se positivo qualquer movimento pró-democracia. Mas, por outro, teme-se o pior relativamente ao dia em que o país mais populoso de mundo deixe de ser governado com mão de ferro, passando a liberdade individual a ser um valor semelhante ao que existe nas sociedades ocidentais democráticas. A perplexidade é legitima. O caos na China seria um desastre planetário que suplantaria largamente a guerra da Ucrânia, o problema ambiental e muitas outras questões quer julgamos prementes. E há que reconhecer que a implantação de um sistema democrático seria provavelmente um passo para a ingovernabilidade e para a implosão de um país com centenas de etnias e costumes diferentes que o comunismo diluiu pela força. A evolução da sociedade chinesa é determinante para a de toda a humanidade. Disso ninguém duvide. Imagine-se o impacto que teria a sua desordem na ordem mundial.

Escreve à quarta-feira