8 de Novembro de 1968. O Professor Marcello foi à terra e até parecia o Professor Marcelo

8 de Novembro de 1968. O Professor Marcello foi à terra e até parecia o Professor Marcelo


Raramente os portugueses o viram tão emocionado: o Presidente do Conselho – que também foi figura televisiva com as suas Conversas em Família – foi de longada à terra natal dos seus pais,  José Maria e Josefa, numa digressão beirã que mexeu com o seu habitual feitio sério e fechado.


O Professor Marcello, assim mesmo com duplo L, não este, o outro, o mais antigo, e que aliás lhe deu o nome por via do apadrinhamento, nasceu em Lisboa, na freguesia de Santo André e Santa Marinha (agora Graça), no dia 17 de Agosto de 1906. Tal como o que é agora Presidente da República, o antigo Presidente do Conselho também foi uma figura televisiva por via do seu programa Conversas em Família, que ficou para a história como o primeiro da RTP a utilizar o teleponto.

Na sua maioria esses programas foram, como diria o João da Ega do divino Eça, uma grandessíssima estucha. Marcello era, no mínimo, monocórdico. Ainda me recordo razoavelmente dessa tal grandessíssima estucha, ainda por cima garoto como era, mais adepto do Daktari ou do Skippy “My Friend Kangaroo”. Tempos que lá vão…

Em Novembro de 1968, o Professor Marcello foi em romaria à terra de seus pais – no caso José Maria de Almeida Alves Caetano e sua segunda mulher Josefa Maria das Neves – conselho de Pampilhosa da Serra, Arganil e Coja e o diabo a quatro por entre penedos beirões. José Maria foi um dos grandes pioneiros do regionalismo local, e o Presidente do Conselho teve a oportunidade de o referir na enorme manifestação de carinho que recebeu em Arganil, na Praça Simões Dias, onde se encontrou com aquilo que a imprensa adorava apelidar de forças vivas da nação. O Governador Civil de Coimbra, engenheiro Horácio de Moura, não tardou a destacar-se nas manifestações de satisfação pela presença do Professor Marcello que, como todos os bons lisboetas, também “tinha terra”, como se dizia habitualmente de quem cujos pais eram de uma das muitas províncias deste Portugal ainda com sonhos de Império do Minho a Timor.

Era um sábado, as crianças das escolas da zona foram, naturalmente, dispensadas das aulas da manhã, e perfilaram-se como um bando de alegres passarinhos na recepção cinzentona de tantos senhores de fatos escuros e gravatas pretas. Portugal era um país a branco e preto. E, como tal, a preto e branco se alegrava a gente que recebia o Professor Marcello com um carinho muito particular. Acompanhado pelo ministro das Obras Públicas e pelo seu secretário particular, o Presidente do Conselho recebeu os mais distintos cumprimentos do Presidente da Câmara Municipal de Arganil, muito emocionado, pelos vistos, e viu um grupo de estudantes estender capas à sua passagem. Ficou agradado. O Professor Marcello nunca foi popular como o Professor Marcelo. Pelo contrário, muita gente embirrava profundamente com o Professor Marcello, o que não quer dizer que não haja muita gente a embirrar com o Professor Marcelo, embora este se ria muito e o outro raramente sorrisse. Feitios…

Jornais à perna Jornalistas em barda acompanharam a viagem beirã do Professor Marcello mas há que referir que o director de A Comarca de Arganil não arredou pé da sua proximidade ao longo de todo o trajecto. E assim, depois de ter sido presenteado com um espectáculo preparado de propósito para ele pelo rancho local, visitou as instalações desse distinto órgão como sinal de respeito pela imprensa regionalista.

O ponto alto da visita do Professor Marcello foi, no entanto, quando se emocionou ao descerrar uma placa em Pessegueiro de Cima, junto a uma antiga residência: “Nesta casa nasceu, em Outubro de 1863, José Maria Alves Caetano, regionalista e grande amigo desta terra”. De olhos humedecidos, o Presidente do Conselho mostrava-se mais sentimentalão do que nunca, tal e qual acontece com o seu afilhado, Professor Marcelo. O bispo de Coimbra, D. Frei Francisco Rendeiro, foi esperá-lo à porta da capela e tratou de, aí mesmo, assistido pelo pároco local, Sertório Baptista Martins, impante de orgulho, uma missa por alma dos pais do Professor Marcello. O momento foi particularmente emocionante porque, logo em seguida, o Presidente do Conselho tomou o caminho de regresso a Lisboa, parando apenas alguns minutos em Coimbra, terra natal de sua mãe D. Josefa. Fora um dia em cheio. Nada como ir “à terra”!