Lula volta a ressuscitar


Apesar do resultado muito renhido, Bolsonaro não parece ter condições de repetir a “trumpalhada” americana. 


1. Convenhamos que escolher entre Lula e Bolsonaro é mais castigo do que glória, mas os brasileiros decidiram. Há que respeitar. Desde logo porque o processo foi transparente. A rapidez com que os grandes líderes internacionais saudaram a escassa vitória de Lula prova que a estabilidade do gigante sul-americano é um bem essencial num planeta instável. Prova também que o isolacionismo brasileiro não agradava.

Na hora de enviar esta crónica Bolsonaro ainda não tinha concedido a vitória a Lula, esperando-se que o fizesse rapidamente, até para não perder apoiantes e legitimidade. Apesar do clima crispado e dos cortes de estrada dos camionistas, não parece haver condições objetivas para ele repetir a “trumpalhada” americana. Bolsonaro conta com a oposição firme e autoritária do Supremo Tribunal Eleitoral, enquanto os políticos brasileiros mais respeitados não respaldam posições extremistas, os militares não estão disponíveis para aventuras e a direita brasileira ficou na prática com 50% do país e muitos postos de comando, podendo negociar e travar devaneios de um Lula que, hoje, parece mais capaz de controlar a marabunta de trafulhas que deixou tomar conta do Brasil nos seus anteriores mandatos. Lula é um caso de sobrevivência praticamente único no mundo.

Já ressuscitou politicamente várias vezes e recuperou muito desde que foi despronunciado de forma estranha na justiça. Vem do sindicalismo, da luta pela democracia, da transição democrática, foi candidato à presidência pela primeira vez em 1989, mas, lamentavelmente, deixou-se envolver por um manto de corrupção que certamente não desapareceu. Estando a transição de poder marcada para 1 de janeiro 2023, é impossível assegurar que ela se processe pacificamente, mas há que ter esperança que o bom senso prevaleça num país fraturado por clivagens de toda a espécie. O resultado renhido mostra que Bolsonaro deixou um país em melhor situação do que recebeu e que não abandonou as políticas assistencialistas.

O facto de ser um supremacista branco, apoiado pela praga das igrejas evangélicas, não o transformou num fascista como proclama Lula. Bolsonaro é mais um adepto da ordem, ao jeito dos militares que instauraram a ditadura militar no Brasil. Se fosse mesmo um radical de extrema-direita não teria recolhido mais de 58 milhões de votos, ou seja, 49,1% do total. Pode ser que a proximidade da entrada dos brasileiros em modo de Mundial do Qatar atenue as tensões, desde que a seleção não sofra uma humilhação tipo 7-0 como lhe aplicou a Alemanha, precisamente quando a Copa se jogou em Terras de Vera Cruz. Haja esperança!

2. O pagamento dos tão falados 125 euros para compensar a inflação tem erros a mais. Uns receberam e não era suposto. Outros deviam ter recebido e não viram nada. É a eterna questão de misturarmos as coisas entre finanças e segurança social. Pode-se ser milionário e não declarar rendimentos, o que leva a receber, enquanto alguém que esgotou todos os apoios sociais e continua na miséria pode ver-se arredado de ajudas. A toda a hora descobrimos falhas nos nossos sistemas. Sobretudo constatamos que o governo e a máquina estatal não param para pensar antes de agir, para evitar confusões. Se é assim com a semana de cinco dias, imagine-se com a de quatro.

3. Foi criada no Centro Hospitalar de Lisboa Central uma Clínica da Diversidade de Género para dar resposta às necessidades médicas de pessoas transgénero e melhorar a acessibilidade a estes cuidados, designadamente em intervenções médico-cirúrgicas, tentando reduzir tempos de espera para operar. Dito assim, nada a opor. O problema é que, ao mesmo tempo, se encerram maternidades, não há apoios paliativos suficientes e muito menos de longa duração e há enormes tempos de espera para casos correntes no nosso SNS. Em nome de que ética e com que autoridade política é que se tomam decisões deste género que podem acumular ainda mais atrasos no tratamento de outros problemas muito mais comuns? Alguém explica?

4. A penitenciária de Lisboa vai começar a ser desmantelada. O processo deve durar quatro anos. É importante saber o que vai nascer a seguir naquele espaço no centro da cidade ao lado de outro que é enorme, entre a Artilharia 1 e as Amoreiras. Carlos Moedas tem naturalmente uma palavra relevante a dar sobre o assunto e o Governo também. 

5. Augusto Santos Silva deu uma entrevista à CNN/Portugal. Foram, como se diz na tauromaquia, as cortesias da sua faena como protocandidato a Belém. Falou da família e anunciou “urbi et orbi” que lá em casa lava a loiça muito bem, mas não sabe cozinhar. Muito interessante!

6. Quem anda paulatinamente a trabalhar o seu perfil presidencial é Paulo Portas. Quando começou as suas intervenções dominicais na TVI não falava de assuntos nacionais. Agora, já fala regularmente a nossa vidinha, procurando dar uma visão de Estado sem se comprometer muito. Há que marcar terreno.

7. Será que vamos continuar a ter televisão supostamente “gratuita”? Embora boa parte dos portugueses se tenha rendido à TV por cabo, há uma rede de Televisão Digital Terrestre (TDT) que permite a captação direta de emissões, sendo apenas necessário ter um televisor moderno (há muito baratos) e uma antena específica. Sobrevivem ainda aparelhos antigos que captam as emissões, desde que estejam ligados a um adaptador.

A TDT, em Portugal, transporta o sinal da RTP1, RTP 2, SIC, TVI, RTP3, Canal Memória e uma inutilidade total que dá pelo nome de ARTV. No próximo dia 9 de dezembro, a Altice anuncia se está disponível para manter esse serviço através da sua rede (herdada da PT, que comprou) ou se desiste. Se desistir, o Estado tem de abrir um concurso para a concessão através da ANACOM, o qual terá de estar fechado e a funcionar no prazo de um ano, o que é impossível. A questão é que pode não haver candidatos para concorrer e montar uma rede TDT, a qual entre nós só transporta 7 canais quando há países onde emite mais de 80.

Uma rede com 30 canais, por hipótese, retiraria um enorme mercado aos operadores de cabo que, com o atual sistema, têm uma implantação desproporcional e altamente lucrativa, inflacionando a oferta para encher o olho do cliente que pouco mais vê do que 20 canais. Uma outra originalidade é que a Altice é também dona da MEO. As empresas distribuidoras fazem mais ou menos o que querem e os clientes não têm normalmente defesa, face às manobras e artimanhas de fidelização e às frequentes falhas, até mesmo nas suas redes de net, essenciais à sociedade moderna.

A TDT, no modelo atual, serve populações mais desfavorecidas, mais remotas, chega a segundas residências e é resiliente a sismos, cheias e muitos cataclismos, pelo que não é despicienda em termos de Proteção Civil, contribuindo ainda para a coesão territorial. Sem ela, seria difícil continuar a justificar a atual taxa de audiovisual que financia basicamente a RTP enquanto prestadora do serviço público de rádio e televisão.

Só a rádio, que não tem publicidade e chega através de emissores de ondas hertzianas, teria justificação para receber essa taxa que está associada a 99% dos contadores de eletricidade. Fala-se em alternativas à TDT, como o satélite e a fibra ótica, mas são soluções irrealistas nesta altura. Em breve saberemos se há ou não motivos de preocupação com a TDT e o futuro da suposta TV gratuita, coisa que na realidade não existe.

Recentemente viu-se a importância da TDT no contexto de pandemia, com o regresso da telescola que a RTP pôs no ar num ápice. Uma alteração do paradigma implicaria também uma profunda modificação do panorama atual e uma mexida nas grandes estações de televisão nacionais, colocando-as numa única plataforma, o que alavancaria o mercado da CMTV.

Para já, estamos perante a hipótese ainda remota de cada um de nós ter de assinar um contrato com um operador para ver televisão (quando já paga a Contribuição Audiovisual com a eletricidade), o que num país com dois milhões de pobres contribuiria ainda mais para a exclusão, a ignorância e a iliteracia democrática.

Lula volta a ressuscitar


Apesar do resultado muito renhido, Bolsonaro não parece ter condições de repetir a “trumpalhada” americana. 


1. Convenhamos que escolher entre Lula e Bolsonaro é mais castigo do que glória, mas os brasileiros decidiram. Há que respeitar. Desde logo porque o processo foi transparente. A rapidez com que os grandes líderes internacionais saudaram a escassa vitória de Lula prova que a estabilidade do gigante sul-americano é um bem essencial num planeta instável. Prova também que o isolacionismo brasileiro não agradava.

Na hora de enviar esta crónica Bolsonaro ainda não tinha concedido a vitória a Lula, esperando-se que o fizesse rapidamente, até para não perder apoiantes e legitimidade. Apesar do clima crispado e dos cortes de estrada dos camionistas, não parece haver condições objetivas para ele repetir a “trumpalhada” americana. Bolsonaro conta com a oposição firme e autoritária do Supremo Tribunal Eleitoral, enquanto os políticos brasileiros mais respeitados não respaldam posições extremistas, os militares não estão disponíveis para aventuras e a direita brasileira ficou na prática com 50% do país e muitos postos de comando, podendo negociar e travar devaneios de um Lula que, hoje, parece mais capaz de controlar a marabunta de trafulhas que deixou tomar conta do Brasil nos seus anteriores mandatos. Lula é um caso de sobrevivência praticamente único no mundo.

Já ressuscitou politicamente várias vezes e recuperou muito desde que foi despronunciado de forma estranha na justiça. Vem do sindicalismo, da luta pela democracia, da transição democrática, foi candidato à presidência pela primeira vez em 1989, mas, lamentavelmente, deixou-se envolver por um manto de corrupção que certamente não desapareceu. Estando a transição de poder marcada para 1 de janeiro 2023, é impossível assegurar que ela se processe pacificamente, mas há que ter esperança que o bom senso prevaleça num país fraturado por clivagens de toda a espécie. O resultado renhido mostra que Bolsonaro deixou um país em melhor situação do que recebeu e que não abandonou as políticas assistencialistas.

O facto de ser um supremacista branco, apoiado pela praga das igrejas evangélicas, não o transformou num fascista como proclama Lula. Bolsonaro é mais um adepto da ordem, ao jeito dos militares que instauraram a ditadura militar no Brasil. Se fosse mesmo um radical de extrema-direita não teria recolhido mais de 58 milhões de votos, ou seja, 49,1% do total. Pode ser que a proximidade da entrada dos brasileiros em modo de Mundial do Qatar atenue as tensões, desde que a seleção não sofra uma humilhação tipo 7-0 como lhe aplicou a Alemanha, precisamente quando a Copa se jogou em Terras de Vera Cruz. Haja esperança!

2. O pagamento dos tão falados 125 euros para compensar a inflação tem erros a mais. Uns receberam e não era suposto. Outros deviam ter recebido e não viram nada. É a eterna questão de misturarmos as coisas entre finanças e segurança social. Pode-se ser milionário e não declarar rendimentos, o que leva a receber, enquanto alguém que esgotou todos os apoios sociais e continua na miséria pode ver-se arredado de ajudas. A toda a hora descobrimos falhas nos nossos sistemas. Sobretudo constatamos que o governo e a máquina estatal não param para pensar antes de agir, para evitar confusões. Se é assim com a semana de cinco dias, imagine-se com a de quatro.

3. Foi criada no Centro Hospitalar de Lisboa Central uma Clínica da Diversidade de Género para dar resposta às necessidades médicas de pessoas transgénero e melhorar a acessibilidade a estes cuidados, designadamente em intervenções médico-cirúrgicas, tentando reduzir tempos de espera para operar. Dito assim, nada a opor. O problema é que, ao mesmo tempo, se encerram maternidades, não há apoios paliativos suficientes e muito menos de longa duração e há enormes tempos de espera para casos correntes no nosso SNS. Em nome de que ética e com que autoridade política é que se tomam decisões deste género que podem acumular ainda mais atrasos no tratamento de outros problemas muito mais comuns? Alguém explica?

4. A penitenciária de Lisboa vai começar a ser desmantelada. O processo deve durar quatro anos. É importante saber o que vai nascer a seguir naquele espaço no centro da cidade ao lado de outro que é enorme, entre a Artilharia 1 e as Amoreiras. Carlos Moedas tem naturalmente uma palavra relevante a dar sobre o assunto e o Governo também. 

5. Augusto Santos Silva deu uma entrevista à CNN/Portugal. Foram, como se diz na tauromaquia, as cortesias da sua faena como protocandidato a Belém. Falou da família e anunciou “urbi et orbi” que lá em casa lava a loiça muito bem, mas não sabe cozinhar. Muito interessante!

6. Quem anda paulatinamente a trabalhar o seu perfil presidencial é Paulo Portas. Quando começou as suas intervenções dominicais na TVI não falava de assuntos nacionais. Agora, já fala regularmente a nossa vidinha, procurando dar uma visão de Estado sem se comprometer muito. Há que marcar terreno.

7. Será que vamos continuar a ter televisão supostamente “gratuita”? Embora boa parte dos portugueses se tenha rendido à TV por cabo, há uma rede de Televisão Digital Terrestre (TDT) que permite a captação direta de emissões, sendo apenas necessário ter um televisor moderno (há muito baratos) e uma antena específica. Sobrevivem ainda aparelhos antigos que captam as emissões, desde que estejam ligados a um adaptador.

A TDT, em Portugal, transporta o sinal da RTP1, RTP 2, SIC, TVI, RTP3, Canal Memória e uma inutilidade total que dá pelo nome de ARTV. No próximo dia 9 de dezembro, a Altice anuncia se está disponível para manter esse serviço através da sua rede (herdada da PT, que comprou) ou se desiste. Se desistir, o Estado tem de abrir um concurso para a concessão através da ANACOM, o qual terá de estar fechado e a funcionar no prazo de um ano, o que é impossível. A questão é que pode não haver candidatos para concorrer e montar uma rede TDT, a qual entre nós só transporta 7 canais quando há países onde emite mais de 80.

Uma rede com 30 canais, por hipótese, retiraria um enorme mercado aos operadores de cabo que, com o atual sistema, têm uma implantação desproporcional e altamente lucrativa, inflacionando a oferta para encher o olho do cliente que pouco mais vê do que 20 canais. Uma outra originalidade é que a Altice é também dona da MEO. As empresas distribuidoras fazem mais ou menos o que querem e os clientes não têm normalmente defesa, face às manobras e artimanhas de fidelização e às frequentes falhas, até mesmo nas suas redes de net, essenciais à sociedade moderna.

A TDT, no modelo atual, serve populações mais desfavorecidas, mais remotas, chega a segundas residências e é resiliente a sismos, cheias e muitos cataclismos, pelo que não é despicienda em termos de Proteção Civil, contribuindo ainda para a coesão territorial. Sem ela, seria difícil continuar a justificar a atual taxa de audiovisual que financia basicamente a RTP enquanto prestadora do serviço público de rádio e televisão.

Só a rádio, que não tem publicidade e chega através de emissores de ondas hertzianas, teria justificação para receber essa taxa que está associada a 99% dos contadores de eletricidade. Fala-se em alternativas à TDT, como o satélite e a fibra ótica, mas são soluções irrealistas nesta altura. Em breve saberemos se há ou não motivos de preocupação com a TDT e o futuro da suposta TV gratuita, coisa que na realidade não existe.

Recentemente viu-se a importância da TDT no contexto de pandemia, com o regresso da telescola que a RTP pôs no ar num ápice. Uma alteração do paradigma implicaria também uma profunda modificação do panorama atual e uma mexida nas grandes estações de televisão nacionais, colocando-as numa única plataforma, o que alavancaria o mercado da CMTV.

Para já, estamos perante a hipótese ainda remota de cada um de nós ter de assinar um contrato com um operador para ver televisão (quando já paga a Contribuição Audiovisual com a eletricidade), o que num país com dois milhões de pobres contribuiria ainda mais para a exclusão, a ignorância e a iliteracia democrática.