A respeito das declarações do Diretor da PJ sobre “terrorismo judiciário“, eu poderia dizer – como digo (e, com mais frequência, penso) de atoardas parecidas – que pessoalmente me estou nas tintas. E estou mesmo nas tintas, no que respeita ao apodo de terrorismo ou outro qualquer parecido. Cada qual será mais ou menos urbano, mais ou menos feliz ou infeliz nas expressões que usa, et cetera, e isso não me tira o sono. Sendo certo, também, que há apodos piores (por exemplo, alguns usados pelos bufões twitteiros ou saltitões e afins – e igualmente nas tintas para isso, digo, e digo só assim para não enlamear mais o nível da discussão); e as costas são largas, quem não aguenta o fogo não deve trabalhar na cozinha (como diria o outro), não me sobejam sensibilidades no foro e, last but not least, com opiniões e processos de intenção ofende apenas quem pode e ofende-se só quem quer. Embora, valha a verdade, haja coisas que fiquem mal a quem as diz. Mas dar-lhes muita importância só agiganta na aparência o que é pequeno na essência; e, metáfora por metáfora, dar muita importância é talvez dar trampolim para que tal palavreado possa almejar chegar a um céu que lhe não pertence. Acho eu, salvo sempre o devido respeito, e tal, e mais mesura e vossa excelência e outras coisas que às vezes nos levam a não dizer as coisas exatamente como elas são (ou nos parecem que são, que o mundo é a mais subjetiva das coisas, ao contrário do que poderão pensar alguns portadores da Palavra).
Mas adiante, porque a imputação, em si mesma, a mim tanto se me dá. Aliás, eu também poderia dizer que quem assim disse (ou assim diga) pratica “terrorismo intelectual”, e ficaríamos mais ou menos quites (isto admitindo que eu também era visado na imputação, o que ignoro, porque as generalizações, além de outros defeitos, cometem sempre o pecado da incerteza – mea culpa também, às vezes). Aliás, terrorismo intelectual ficaria bem melhor a quem assim diz do que terrorismo judiciário assenta a advogados que fazem o que é de Lei e lhes compete na lide criminal, pois, como diz a catedral do conhecimento instantâneo, a Wikipédia, “terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, por meio de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, pânico e, assim, obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo o restante da população do território; é utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar os seus objetivos, como organizações políticas, grupos separatistas e até por governos no poder”. Ora, metáfora por metáfora, parece-me que ficaria a ganhar no acerto se dissesse que o discurso em causa pode ser “terrorismo intelectual”, ou seja, um ataque – com falsos pressupostos, como se verá de seguida neste texto e no seguinte – talvez destinado a difundir o medo (na sociedade, e em especial no poder político sob as vestes de legislador) e a, com isso, talvez obter certos objetivos (nomeadamente uma ainda maior musculação do processo). Da forte suspeita, pelo menos, não se livra.
Mas não me interessa o campeonato das imputações, e menos ainda o das paragonas sonantes que geram baba saloia (e que vendem, já agora – pois os mensageiros, além da pureza dos princípios, claro está, também mercadejam, a mensagem, e também medem e quantificam, as audiências), pelo que prescindo de apontar terrorismo intelectual. E só escrevo algumas linhas sobre o tema, superando o facto de me estar nas tintas para a acusação ela mesma, porque me parece que subjacente pode existir algo que justifica que se reflita, escreva e diga, mais a mais se olharmos de forma diacrónica e abrangente, levando em conta estas declarações e tantas outras, por exemplo, e entre bastantes mais, algumas do presidente do STJ (sobre as quais já escrevi) ou algumas posteriores a estas do diretor da PJ que, não só lhe vieram dar amparo, como também carregaram nas tintas (nada, aliás, que surpreenda, já é o costume, e são os do costume, e a mensagem também privilegia os ou sai privilegiada pelos canais do costume; enfim, bate tudo certo).
E o que é esse algo que justifica que se reflita, escreva e diga, e que me faz dar importância ao que, em si mesmo, não ma merece? Algo que a mesmíssima Wikipédia define assim: “termo utilizado para designar qualquer dos movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à Terra Santa e à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-las, ocupá-las e mantê-las sob domínio cristão (…). O termo é também usado, por extensão, para descrever, de forma acrítica, qualquer guerra religiosa ou mesmo um movimento político ou moral.” Esse termo é, pois, cruzada, e, metáfora por metáfora, preferiria responder ao “terrorismo judiciário” com “cruzada”, porque, na verdade, vai-me parecendo (porventura, erradamente, e será só coincidência de opiniões, e aliás muito legitimas, que eu prezo muito a liberdade – toda, já agora –, incluindo a de opinião) que, mais coisa menos coisa, estamos (e não é de agora – e posso historiar os vários momentos, narrativas e Leis dos últimos dez a quinze anos) em algo que me faz lembrar o caminho dos soldados de Cristo para a aniquilação dos infiéis – e, claro está, para o domínio das coisas. E como é que hoje são travados esses combates? Essencialmente através da propaganda, como se verá. (Continua.)
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