O que distingue a saudade da nostalgia? Provavelmente o tempo. Aquilo tudo entre o que vai e o que fica. Habituei-me a trabalhar no meio do ruído dos teclados das máquinas de ferro, das conversas, do ambiente enfumarado a tabaco das velhas redações. Escrever não me exige silêncio mas, agora que passámos, por via do ataque dessa praga maldita que nos trancou em casa, a viver cada vez mais sozinhos, sabe-me bem o trinar dos pássaros na minha varanda de Alcácer, o sino que dá as horas na igreja de Santiago ou, mais urbanamente, a minha mesa do lado esquerdo, no fundo do restaurante Calcutá, na Rua do Norte, velho Bairro Alto agora destruído onde passei alguns anos furiosos no n.º 23 da Travessa da Queimada a fazer, com os companheiros de então, e ainda com as velhas feras dos grandes nomes, o melhor jornal que se publicava em Portugal. Nostalgia? Sim. Ainda ouço a voz da Dona Alexandrina: “Siiiisto! Há fax!”; as atrapalhações do Neres a sair à pressa com os linotipos para a gráfica; o Joãozinho a ficar cada vez mais vermelho cada vez que ouvia um golo sofrido pelo Sporting, de tal ordem que parecia ir ficar apoplético; o nosso correspondente no Barreiro, tristonho, junto à secretária do chefe Vítor Santos: “Chefe, lá morreu mais um rapazinho da nossa idade…”; o Paiva e a sua grande barriga a medir páginas com um cordel; o Vítor Cândido vindo tarde de Alvalade – “Está tudo em ordem na base da desordem?”; o Vítor Hugo, o Boi-Cavalo, a chegar ainda mais tarde para fechar o basquete e as novidades do Benfica; o Nuno Ferrari escada acima, escada abaixo, com as calças a caírem-lhe pelo rabo, com as fotos para a primeira; o José Vidal e o Bruno Santos, acabados de desembarcar de Estocolmo ou de Paris, esfomeados por um prego no Pedro V; o Santos Neves a mandar vir garrafas de cerveja preta e acendendo cigarros uns nos outros; o Florêncio atendendo telefones: “Canta Alberto!”. Saudades? Não tenho saudades do que já morreu.
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