125€ chegam sempre a tempo, mas não tapam pobreza do país


É justo que quem recebe 2700€ receba o mesmo apoio extraordinário de 125€ de quem recebe 705€ de rendimento mensal? Ou será que o Governo não poderia ter encontrado uma forma mais justa de distribuição desta medida que, sendo entrega de dinheiro, nunca será má para quem recebe? 


O Conselho de Ministros aprovou há poucas semanas um programa de 2.400 milhões de euros, com o objetivo claro de diminuir o efeito da inflação sobre o poder de compra das famílias portuguesas.

De entre as oito medidas apresentadas destaca-se uma: b) «atribuir um pagamento extraordinário de 125 euros a cada cidadão com rendimento até 2.700 euros mensais».

Sobre esta medida, já é conhecida a fórmula para mitigar o impacto da carestia de vida dos portugueses, é um 125 + (50 x X).

É esta a fórmula de cálculo que começa hoje a ser aplicada a 5 milhões e 800 mil portugueses que têm um rendimento bruto mensal até 2700€. São 125€ por pessoa mais 50€ por cada filho a cargo.

É esta a explicação da fórmula que, segundo o Ministro das finanças, irá chegar a todos nos próximos 10 dias a um ritmo de pagamento de meio milhão de pessoas por dia segundo o Governo.

O mês de outubro ficará assim menos duro para os mais necessitados, porque o aumento do custo de vida castiga todos, mas não é honesto intelectualmente perguntar: É justo que quem recebe 2700€ receba o mesmo apoio extraordinário de 125€ de quem recebe 705€ de rendimento mensal? Ou será que o Governo não poderia ter encontrado uma forma mais justa de distribuição desta medida que, sendo entrega de dinheiro, nunca será má para quem recebe? Certamente dava mais trabalho, mas todos sabíamos que podia e devia.

Mas vejamos o alcance temporal destes 125€.

Este pagamento único seria como se, num pagamento mensal (durante 12 meses) houvesse um acréscimo de 10,41€. Se fizermos as contas a um pagamento diário (durante 365 dias) isto representa 34,24 cêntimos…

Portanto, sobre o alcance da medida, estamos conversados à média de um café a cada 3 dias se rondar 1€ o preço do café onde o quisermos beber.

Sobre a equidade, é muito discutível. De acordo com o artigo 9.º da lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), “o princípio da equidade social traduz-se no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais”. Sendo justos, não parece que esse princípio esteja a ser respeitado quando se atribui montante igual (os 125€) a um individuo com um rendimento mensal de 2.700€ ou a um indivíduo com o salário mínimo (à data de 705€).

Porém, dirá a maioria: “Mais vale ajudarem com algo.”

Respeito, mas deixo a opinião clara que é injusto para quem menos tem e é claramente incumpridor do princípio da equidade social.

Mas olhemos a números que deveriam ser discutidos à medida que um Estado se vê obrigado a atribuir rendimentos extraordinários a quase 6 milhões dos seus cidadãos, o que não deveria ser por si só algo “leviano” ou “normal” no nosso dia a dia.

A taxa de risco de pobreza e de exclusão social em Portugal tem descido nas últimas décadas, exceto em períodos de crise financeira como entre 2011 a 2014. Agora, novamente, desde a Pandemia e a acentuar-se com a inflação vivida atualmente, vemos esta taxa aumentar desde 2020. Este aumento rouba parte significativa do poder de compra a todos os portugueses. Dos 14 salários por ano, o aumento do custo de vida fica com um desses 14 salários de cada português.  

Ainda sobre salários e trabalho, a crise ainda não afetou o emprego a números visíveis nos estudos já feitos, mas, em Portugal como vivemos com rendimentos baixos, é muito fácil – financeiramente falando – trabalhar/ter emprego e ser considerado por definição “pobre”.

Isto porque 25% dos trabalhadores portugueses ganha o rendimento mínimo e, com o peso da inflação, quem tem 705€ por mês passa a ter cerca de 639€. Se olharmos que o limiar de pobreza se situa nos 554€/mês, então, com 639€ sabemos que não estamos muito longe do empobrecimento do país nesta fase.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, 2 milhões de portugueses são pobres (por definição, repito). Porém, piora ainda o cenário se, segundo vários estudos do INE e PORDATA, incluirmos que sem apoios e rendimentos extraordinários do Estado teríamos não 2 mas 4 milhões de pobres.

A PORDATA validou as declarações de IRS de há dois anos das famílias portuguesas e diz que em 5,5 milhões de famílias estudadas, mais de 2 milhões tinham apenas 833€ de rendimento mensal.

Nesse mesmo estudo, é visto que o problema maior da pobreza são as famílias jovens com filhos. Então se o problema está nos jovens já, sabemos que este problema vai persistir até porque a situação de pobreza demora 5 gerações a deixar uma família, segundo a OCDE.

Mas sem ser os jovens, os mais velhos estão em boa situação? Não.

Em 2021, 71% dos pensionistas por velhice (e 87% dos pensionistas por invalidez, já agora) viviam com um rendimento inferior ao salário mínimo. E pensemos, nestes casos, como sobrevivem? Só com apoios das IPSS. IPSS’s essas que, segundo o Tribunal de Contas, vivem com menos apoio do Estado do que era devido.

É tudo uma enorme bola de neve sem travão à vista.

Portugal, país sem gelo na sua normalidade atmosférica, está a gelar com tanta bola de neve económica que rola e cai sobre as carteiras de todas as famílias portuguesas.

Inflação, aumentos de custos, energia, eletricidade, alimentação, combustíveis… tudo aumenta.

Mas o problema, como os números demonstram, não é só com 34,24 cêntimos por dia que vai acabar na vida de milhões de portugueses.

125€ chegam sempre a tempo, mas não tapam pobreza do país


É justo que quem recebe 2700€ receba o mesmo apoio extraordinário de 125€ de quem recebe 705€ de rendimento mensal? Ou será que o Governo não poderia ter encontrado uma forma mais justa de distribuição desta medida que, sendo entrega de dinheiro, nunca será má para quem recebe? 


O Conselho de Ministros aprovou há poucas semanas um programa de 2.400 milhões de euros, com o objetivo claro de diminuir o efeito da inflação sobre o poder de compra das famílias portuguesas.

De entre as oito medidas apresentadas destaca-se uma: b) «atribuir um pagamento extraordinário de 125 euros a cada cidadão com rendimento até 2.700 euros mensais».

Sobre esta medida, já é conhecida a fórmula para mitigar o impacto da carestia de vida dos portugueses, é um 125 + (50 x X).

É esta a fórmula de cálculo que começa hoje a ser aplicada a 5 milhões e 800 mil portugueses que têm um rendimento bruto mensal até 2700€. São 125€ por pessoa mais 50€ por cada filho a cargo.

É esta a explicação da fórmula que, segundo o Ministro das finanças, irá chegar a todos nos próximos 10 dias a um ritmo de pagamento de meio milhão de pessoas por dia segundo o Governo.

O mês de outubro ficará assim menos duro para os mais necessitados, porque o aumento do custo de vida castiga todos, mas não é honesto intelectualmente perguntar: É justo que quem recebe 2700€ receba o mesmo apoio extraordinário de 125€ de quem recebe 705€ de rendimento mensal? Ou será que o Governo não poderia ter encontrado uma forma mais justa de distribuição desta medida que, sendo entrega de dinheiro, nunca será má para quem recebe? Certamente dava mais trabalho, mas todos sabíamos que podia e devia.

Mas vejamos o alcance temporal destes 125€.

Este pagamento único seria como se, num pagamento mensal (durante 12 meses) houvesse um acréscimo de 10,41€. Se fizermos as contas a um pagamento diário (durante 365 dias) isto representa 34,24 cêntimos…

Portanto, sobre o alcance da medida, estamos conversados à média de um café a cada 3 dias se rondar 1€ o preço do café onde o quisermos beber.

Sobre a equidade, é muito discutível. De acordo com o artigo 9.º da lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro), “o princípio da equidade social traduz-se no tratamento igual de situações iguais e no tratamento diferenciado de situações desiguais”. Sendo justos, não parece que esse princípio esteja a ser respeitado quando se atribui montante igual (os 125€) a um individuo com um rendimento mensal de 2.700€ ou a um indivíduo com o salário mínimo (à data de 705€).

Porém, dirá a maioria: “Mais vale ajudarem com algo.”

Respeito, mas deixo a opinião clara que é injusto para quem menos tem e é claramente incumpridor do princípio da equidade social.

Mas olhemos a números que deveriam ser discutidos à medida que um Estado se vê obrigado a atribuir rendimentos extraordinários a quase 6 milhões dos seus cidadãos, o que não deveria ser por si só algo “leviano” ou “normal” no nosso dia a dia.

A taxa de risco de pobreza e de exclusão social em Portugal tem descido nas últimas décadas, exceto em períodos de crise financeira como entre 2011 a 2014. Agora, novamente, desde a Pandemia e a acentuar-se com a inflação vivida atualmente, vemos esta taxa aumentar desde 2020. Este aumento rouba parte significativa do poder de compra a todos os portugueses. Dos 14 salários por ano, o aumento do custo de vida fica com um desses 14 salários de cada português.  

Ainda sobre salários e trabalho, a crise ainda não afetou o emprego a números visíveis nos estudos já feitos, mas, em Portugal como vivemos com rendimentos baixos, é muito fácil – financeiramente falando – trabalhar/ter emprego e ser considerado por definição “pobre”.

Isto porque 25% dos trabalhadores portugueses ganha o rendimento mínimo e, com o peso da inflação, quem tem 705€ por mês passa a ter cerca de 639€. Se olharmos que o limiar de pobreza se situa nos 554€/mês, então, com 639€ sabemos que não estamos muito longe do empobrecimento do país nesta fase.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, 2 milhões de portugueses são pobres (por definição, repito). Porém, piora ainda o cenário se, segundo vários estudos do INE e PORDATA, incluirmos que sem apoios e rendimentos extraordinários do Estado teríamos não 2 mas 4 milhões de pobres.

A PORDATA validou as declarações de IRS de há dois anos das famílias portuguesas e diz que em 5,5 milhões de famílias estudadas, mais de 2 milhões tinham apenas 833€ de rendimento mensal.

Nesse mesmo estudo, é visto que o problema maior da pobreza são as famílias jovens com filhos. Então se o problema está nos jovens já, sabemos que este problema vai persistir até porque a situação de pobreza demora 5 gerações a deixar uma família, segundo a OCDE.

Mas sem ser os jovens, os mais velhos estão em boa situação? Não.

Em 2021, 71% dos pensionistas por velhice (e 87% dos pensionistas por invalidez, já agora) viviam com um rendimento inferior ao salário mínimo. E pensemos, nestes casos, como sobrevivem? Só com apoios das IPSS. IPSS’s essas que, segundo o Tribunal de Contas, vivem com menos apoio do Estado do que era devido.

É tudo uma enorme bola de neve sem travão à vista.

Portugal, país sem gelo na sua normalidade atmosférica, está a gelar com tanta bola de neve económica que rola e cai sobre as carteiras de todas as famílias portuguesas.

Inflação, aumentos de custos, energia, eletricidade, alimentação, combustíveis… tudo aumenta.

Mas o problema, como os números demonstram, não é só com 34,24 cêntimos por dia que vai acabar na vida de milhões de portugueses.