Elizabeth Holmes. De revolucionária da medicina a criminosa

Elizabeth Holmes. De revolucionária da medicina a criminosa


Criou a sua própria empresa em 2003, aos 19 anos. Pouco tempo depois era uma das pessoas mais influentes do mundo. Elizabeth Holmes prometeu revolucionar a medicina. Porém, o plano saiu-lhe furado e, atualmente com 38 anos, pode ser condenada a mais de duas décadas de prisão.


“Que menos pessoas se tenham de despedir cedo demais das pessoas que amam”, era o seu “mantra”. Muitos chamavam-lhe heroína; outros “a mulher Steve Jobs”. Prometeu a saúde acessível para todos ao criar uma máquina, chamada Edison, que permitiria fazer algo nunca antes conseguido – prevenir doenças como o cancro. Com os seus olhos hipnotizantes azul quase celeste, um discurso persuasivo aliado à sua ambição desmedida, em 2015, Elizabeth Holmes foi considerada pela revista Forbes uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, tendo-se tornado ainda a mais jovem mulher multimilionária de Silicon Valley, região da Califórnia que abriga muitas start-ups e empresas globais de tecnologia, como a Apple, o Facebook e a Google.

Mas, como diz o ditado, “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. E o que a Theranos – resultado da mistura entre Therapy e Diagnosis –, a start-up fundada por Holmes em 2003 (quando tinha apenas 19 anos), prometia parecia bom de mais para ser verdade. A jovem empresária anunciou uma “revolução do mercado de exames de diagnóstico”, revolucionando assim a medicina. Com apenas algumas gotas de sangue (e sem agulhas), a empresa afirmava ser capaz de realizar dezenas de testes (oficialmente seriam 120, mas vários meios de comunicação americanos garantem que o número pode chegar até 250), de diabetes e colesterol indo até à prevenção do cancro. Isto através de uma máquina apelidada de Edison. Ou seja, a ideia era que as pessoas fizessem testes mensais para acompanhar regularmente a sua saúde a fim de reconhecer e prevenir doenças, não apenas intervindo quando elas já estivessem claramente doentes. Qualquer cidadão norte-americano podia autodiagnosticar-se em casa, sem recurso a quaisquer seguros de saúde.

 

A ascensão de Holmes

O que é curioso é que mesmo não tendo mostrado muita coisa, Holmes foi, em pouco tempo, elevada ao Olimpo de Silicon Valley. Muito por conta do seu histórico familiar: a empresária é filha de Christian Rasmus Holmes IV, que foi vice-presidente da Enron, empresa de energia que mais tarde foi à falência devido a um escândalo que envolvia fraude. Mais tarde, ocupou cargos executivos em agências governamentais, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Elisabeth chegou a ingressar na Universidade Stanford, como estudante de engenharia química, mas não terminou o curso, dedicando-se à criação da Theranos.

A Theranos recebeu ao longo dos anos cerca de 700 milhões de dólares em fundos de investimentos para a Edison, e foi avaliada pelos analistas em 9 mil milhões de dólares. Por deter 50% das ações da empresa, Holmes tornou-se a multimilionária mais jovem do mundo, com uma fortuna, segundo a Forbes, estimada em 4,5 mil milhões de dólares. Dos investidores influentes faziam parte George Schultz e Henry Kissinger, ambos ex-secretários de Estado dos EUA; os Waltons, donos da rede de supermercado Walmart e a família mais rica do país; a família da ex-secretária da educação dos EUA, Betsy DeVos – com um investimento de 100 milhões de dólares –, e o magnata da imprensa americana, Rupert Murdoch, que chegou a investir 125 milhões.

 

O plano da empresária

Mas desde cedo que várias coisas pareciam não bater certo com Holmes. A “nova Steve Jobs”, imitava o estilo e o método de trabalho do fundador da Apple e, de acordo com ex-funcionários, até tentava alterar a voz a fim de obter “mais credibilidade”. Assim que criou a empresa, foi aconselhada a adotar um estilo all black, tal como Jobs. Fazia uma dieta de sumos de vegetais igual à do empresário e chegou mesmo a contratar a mesma empresa de publicidade da Apple e alguns ex-funcionários da marca. Um deles chegou mesmo a revelar – num livro intitulado Bad Blood – Fraude Bilionária no Vale do Silício, escrito pelo repórter John Correyrou –, que a empresária obrigava os empregados a ler a biografia de Steve Jobs e que estes identificavam facilmente em que capítulo se situava, “com base no período da carreira de Jobs que estava a representar”. Dois anos depois de fundar a empresa fraudulenta, começaram a surgir indícios e múltiplas acusações de fraude no alegado processo revolucionário de exames de sangue.

Segundo o The Times, o cenário alterou-se realmente depois do repórter John Carreyrou, do The Wall Street Journal, publicar uma série de reportagens que apontavam inúmeras imprecisões nas técnicas aplicadas pela empresa. Segundo as revelações de Carreyrou, a empresa não só se regia por princípios fraudulentos como ainda tinha registo de resultados imprecisos de testes relacionados com HIV, cancro e até abortos espontâneos. Ou seja, além de Holmes não ter a tecnologia que dizia ter, estava a recorrer a equipamento de outras empresas para realizar os seus testes e a enganar investidores. O escândalo atraiu a atenção das autoridades, que abriram um inquérito para investigar a empresa.

As acusações acabaram por chegar à justiça dos EUA em 2018, mas só em janeiro deste ano é que surgiu o primeiro “desfecho do caso”, com a proibição pelo regulador da empresa de fazer testes sanguíneos e, depois, a dissolução. Nessa altura, o júri considerou Elizabeth Holmes culpada por quatro dos 11 casos de fraude e conspiração de que tinha sido acusada, podendo vir a ser sentenciada com  20 anos de prisão.

De acordo com o The Guardian, no ano em que a Theranos foi dissolvida, a empresária e o seu parceiro, Ramesh Balwani – que era também presidente e diretor de operações da empresa –, foram detidos por fraude e acusados de criar “um esquema milionário para enganar investidores, profissionais de saúde e pacientes que pagavam pelos testes”. Já Holmes respondia por dez crimes de fraude eletrónica e duas acusações de conspiração para cometer fraude eletrónica.

O julgamento foi inicialmente adiado por causa da pandemia da covid-19 e, mais tarde, devido à gravidez da empresária – o filho nasceu em julho deste ano. Em 2019, Holmes saiu em liberdade sob caução e casou-se com Billy Evans, de 27 anos, herdeiro da cadeia de hotéis Evans Hotel Group.

A fundadora da Theranos, que está sob fiança, deveria ter ouvido a sentença ontem. Porém, na véspera, solicitou um novo julgamento depois de uma testemunha, Adam Rosendorff, o ex-diretor do laboratório da empresa, lhe ter manifestado o seu arrependimento pelo papel que desempenhou na condenação da antiga patroa.

De acordo com o Guardian, que cita um documento de setembro sobre o incidente, Rosendorff disse que “tentou responder às perguntas honestamente, mas que os promotores tentaram fazer com que todos ficassem mal” e agora sente que “fez algo errado”. O juiz do caso Theranos disse que é  “incomum” uma testemunha aparecer na casa de um réu após um julgamento, informou a CNN. “Nunca vi um caso em que isso acontecesse”, revelou, concedendo a Holmes uma audiência online para considerar as novas provas.

Apesar do arrependimento, mais tarde Rosendorff fez uma declaração aos promotores afirmando que mantém o seu testemunho “em todos os aspetos”:  “No entanto, sinto compaixão por Holmes e Balwani, e ainda mais pelos membros das suas famílias que não foram responsáveis ​​pela sua conduta, mas serão afetados pela punição que podem receber”, escreveu.

Se o veredicto for mantido, Holmes será sentenciada entre novembro e dezembro. Pode enfrentar 20 anos de prisão, uma multa de 250 mil dólares, a somar à devolução de todos os montantes que recebeu.

Em abril, a plataforma Disney + lançou a série The Dropout: A História de uma Fraude, imortalizando a sua história. A produção é protagonizada pela atriz Amanda Seyfried.