O cais da eternidade


Preciso de caminhar para Sul. Sempre para Sul, agora que até as andorinhas deixaram de visitar a minha varanda sobre o Sado e só as gaivotas se divertem nas correntes do rio ou nos tubos de ar que as eleva sem o esforço de baterem as asas.


Sem se dar por ela, o outono veio e instalou-se e Setembro está à beira do fim. Chegou a altura da minha angústia e só falta mesmo o maldito alterar da hora, que traz consigo a noite às cinco da tarde, para que os lobos da depressão comecem a uivar-me aos calcanhares. Como cantava Bécaud, a areia das praias começa a ficar fria, o vento procura infiltrar-se pelas frinchas das janelas, as nuvens taparam o céu e pairam como sombras sobre Lisboa.

Preciso de caminhar para Sul. Sempre para Sul, agora que até as andorinhas deixaram de visitar a minha varanda sobre o Sado e só as gaivotas se divertem nas correntes do rio ou nos tubos de ar que as eleva sem o esforço de baterem as asas. O ar torna-se seco, o meu canto de escrever, no Calcutá, na Rua do Norte, mais escuro, as palavras mais arrastadas.

Quando nos deixávamos ficar na Praia da Barra para lá de Agosto, assistindo à partida de toda a gente até que o espaço ficasse vazio e só para nós, sentíamos a melancolia crescente de levantar a tenda e zarpar para Águeda onde talvez houvesse dias bons para mergulhar no rio, no Fojo, no Sardão, nas Lavadeiras, ou ainda mais longe, no Souto do Rio ou no Alfusqueiro. Mas o rio perdeu-se e a cidade tomou conta de nós.

“Da primeira vez era a cidade/Da segunda, o cais e a eternidade/Agora eu já sei/Da onda que se ergueu no mar/E das estrelas que esquecemos de contar…” Não, a noite hoje não terá estrelas, não teremos sequer lua, pelo que vejo no acumular das nuvens. Teremos o cais e a eternidade?, como dizia António Carlos Jobim, ou apenas mesmo o cais da eternidade que é agora e na hora da nossa morte? Rezo à Nossa Senhora do Silêncio para que amanhã haja sol.

Bem sei, amanhã é tão longe e, no entanto, é já amanhã. O cais espera pelos barcos de Pessoa que sabia que há barcos para todos os portos menos para a vida não doer. A noite vem aí. Cada vez mais dura. Cada vez mais longa. Cada vez mais triste…

O cais da eternidade


Preciso de caminhar para Sul. Sempre para Sul, agora que até as andorinhas deixaram de visitar a minha varanda sobre o Sado e só as gaivotas se divertem nas correntes do rio ou nos tubos de ar que as eleva sem o esforço de baterem as asas.


Sem se dar por ela, o outono veio e instalou-se e Setembro está à beira do fim. Chegou a altura da minha angústia e só falta mesmo o maldito alterar da hora, que traz consigo a noite às cinco da tarde, para que os lobos da depressão comecem a uivar-me aos calcanhares. Como cantava Bécaud, a areia das praias começa a ficar fria, o vento procura infiltrar-se pelas frinchas das janelas, as nuvens taparam o céu e pairam como sombras sobre Lisboa.

Preciso de caminhar para Sul. Sempre para Sul, agora que até as andorinhas deixaram de visitar a minha varanda sobre o Sado e só as gaivotas se divertem nas correntes do rio ou nos tubos de ar que as eleva sem o esforço de baterem as asas. O ar torna-se seco, o meu canto de escrever, no Calcutá, na Rua do Norte, mais escuro, as palavras mais arrastadas.

Quando nos deixávamos ficar na Praia da Barra para lá de Agosto, assistindo à partida de toda a gente até que o espaço ficasse vazio e só para nós, sentíamos a melancolia crescente de levantar a tenda e zarpar para Águeda onde talvez houvesse dias bons para mergulhar no rio, no Fojo, no Sardão, nas Lavadeiras, ou ainda mais longe, no Souto do Rio ou no Alfusqueiro. Mas o rio perdeu-se e a cidade tomou conta de nós.

“Da primeira vez era a cidade/Da segunda, o cais e a eternidade/Agora eu já sei/Da onda que se ergueu no mar/E das estrelas que esquecemos de contar…” Não, a noite hoje não terá estrelas, não teremos sequer lua, pelo que vejo no acumular das nuvens. Teremos o cais e a eternidade?, como dizia António Carlos Jobim, ou apenas mesmo o cais da eternidade que é agora e na hora da nossa morte? Rezo à Nossa Senhora do Silêncio para que amanhã haja sol.

Bem sei, amanhã é tão longe e, no entanto, é já amanhã. O cais espera pelos barcos de Pessoa que sabia que há barcos para todos os portos menos para a vida não doer. A noite vem aí. Cada vez mais dura. Cada vez mais longa. Cada vez mais triste…