Abram as janelas, disse o Papa


Esta mensagem é tão mais importante quando a janela para onde a humanidade é, hoje, orientada a olhar consiste, sobretudo, na que, deformadamente, os grandes meios de informação e comunicação social encenam.


O Papa Francisco concedeu a Maria João Avillez uma entrevista que reveste enorme significado, não só para os católicos, como para todos os cidadãos do mundo que se preocupam em construir uma vida boa para toda a humanidade.

É verdade que nessa entrevista, ao contrário do que sucede nas encíclicas, mensagens e outros documentos relevantes que subscreveu, o Papa Francisco pouco falou da pobre condição humana, tal como ela é vivida, atualmente, em muitas partes do mundo.

O Papa respondeu apenas às perguntas que lhe foram feitas e esteve, por isso, a elas circunscrito.

Em todo o caso, importa salientar a principal mensagem que transmitiu e que tanto serve de chave para compreender melhor os documentos escritos que, antes, deu a conhecer, como devia servir de guia para a ação dos clérigos e laicos católicos e, mesmo, para todos quantos, independentemente da religião que professem ou não, têm a responsabilidade cívica de participar na governação dos povos e nações.

A mensagem foi simples, mas nem por isso menos relevante.

 Disse ele: «Abram as janelas».

No que à vida da Igreja diz respeito, ela permite que os ensinamentos religiosos que estabeleceu nas encíclicas sejam lidos de acordo com o que os tempos de hoje impõem, para que se tornem efetivamente relevantes e possam, assim, ajudar as mulheres e os homens – todas as mulheres e todos os homens – a encontrar, aqui e agora, uma vida melhor para si e, por isso, para os outros que com eles convivem neste planeta.

«Abrir as janelas» indica a necessidade de cada um de nós, e principalmente dos que nos governam, de prestar verdadeira atenção às coisas do mundo, tal como elas são verdadeiramente e procurar para os problemas atuais soluções que tenham em atenção as razões e os anseios mais prementes das mulheres e homens que connosco o habitam.

Tal mensagem é tão mais importante quando a janela para onde a humanidade é, hoje, orientada a olhar consiste, sobretudo, na que, transformada, os grandes meios de informação e comunicação social mundiais medeiam e encenam.

A abertura da janela que o Papa propões aponta, pelo contrário, para a necessidade de cada um de nós tomar contacto direto com a realidade como ela é e não como gostaríamos que ela fosse, ou nos indicam que é.

A realidade que nos é dado ver, vem-nos, quase sempre, não da nossa janela, mas daquela que nos é proporcionada pelos media através de interpretações próprias, mas muito pouco objetivas.

E tal janela virtual serve, demasiadas vezes, para encobrir ou desviar a imagem e os sons verdadeiros dos que necessitam efetivamente da nossa solidariedade e apoio.

É, pois, uma realidade virtual, trabalhada e, frequentemente, interessada e interesseira.

Pena é, por isso, que a mensagem do Papa, apelando a um contacto direto com a vida, seja tão pouco discutida, entendida e acolhida, mesmo no seio da sua Igreja.

Assim como aconteceu, tal mensagem despareceu da reflexão do espectro institucional e comunicacional que a podia amplificar e fazer debater.

Quem ouvir, inclusive, a maioria das homilias das missas que se rezam em Portugal perceberá, espantado, que muito pouco, ou mesmo nada, do que este Papa diz ou escreve se reflete nelas.

A obnubilação desta mensagem e, portanto, a evidência da necessidade que todos temos de aproximação à realidade, no entanto, não é um problema próprio e exclusivo da Igreja.

Qualquer mensagem relevante que seja dita ou escrita por um personagem reconhecido e admirado na sociedade – nacional ou mundial – só é verdadeiramente divulgada, refletida e discutida, para e com o grande público, se se enquadrar no ideário propagandeado pelos meios de informação e comunicação.

Não foi sempre assim.

As mensagens dos grandes líderes religiosos, dos grandes políticos, dos pensadores políticos e sociais, dos cientistas mais ilustres, quando aconteciam, perduravam, suscitavam debates acalorados entre os intelectuais e o povo a quem estes apelavam e se dirigiam e influíam, portanto, nas opções dos governantes e das sociedades.

Os media promoviam e davam conta dessas preocupações e discussões alargadas.

De tais discussões resultavam, depois, tomadas de posição e movimentos cívicos empenhados.

Hoje, quando muito, assistimos a um debate imediato e sucessivo de tudólogos televisivos, que nem tempo tiveram de estudar verdadeiramente o que foi dito por tais personagens maiores, mas que debitam logo, de cátedra, opiniões definitivas sobre tais mensagens e procuram, rápido, limar-lhes as arestas que contendem com a cartilha que estão encarregados de vender nos media que os empregam.

A importância das mensagens dos líderes e pensadores mundiais só importa se se enquadram na visão idílica ou terrificante que os media estão encarregados de transmitir sobre certas partes do mundo e sobre certas personalidades.

Joe Biden, por exemplo, num tom inquietante e sério, alertou, recentemente, com alguma pompa e circunstância, para o desenvolvimento interno de um possível golpe antidemocrático e fascistoide contra a constituição e democracia americanas.

Algum órgão de comunicação deu verdadeiro relevo a tal mensagem?

Alguém discutiu, com seriedade, a atual solidez e autenticidade da democracia dos EUA?

Não!

Ter-lhe iam dado atenção, por certo, se dissesse respeito a outra parte do mundo, mesmo que tal mensagem tivesse sido divulgada por algum pantomineiro, sem peso ou credibilidade, mas que ajudasse, de imediato, à estratégia de sedimentação do status quo existente.

Os EUA são, com efeito, o farol que orienta a governação da Europa e de muitas outras partes do mundo e não convém, por isso, desbotar a imagem de democracia perfeita que desse país se quer dar, para convencer o mundo do acerto das suas orientações.

Tenho, confesso, saudades do tempo em que as mensagens dos pensadores e das personalidades reconhecidas e mais sábias nos diversos domínios tinham peso e, mesmo em ditadura e com os riscos e cuidados que ela exigia, suscitavam, ainda assim, reflexões e discussões sérias entre os cidadãos que a elas tinham acesso.

Hoje o acesso é ilimitado – é verdade – mas a reflexão é, imediatamente, escamoteada, mais não seja pelos soundbites de uma qualquer nova e inócua notícia sobre o mais recente escândalo provocado por uma estrela do showbiz.

Exigir espaço e tempo para as reflexões e discussões sérias deve constituir, também, uma exigência democrática.

Deixem-nos, pois, abrir as janelas, por favor!

 

Abram as janelas, disse o Papa


Esta mensagem é tão mais importante quando a janela para onde a humanidade é, hoje, orientada a olhar consiste, sobretudo, na que, deformadamente, os grandes meios de informação e comunicação social encenam.


O Papa Francisco concedeu a Maria João Avillez uma entrevista que reveste enorme significado, não só para os católicos, como para todos os cidadãos do mundo que se preocupam em construir uma vida boa para toda a humanidade.

É verdade que nessa entrevista, ao contrário do que sucede nas encíclicas, mensagens e outros documentos relevantes que subscreveu, o Papa Francisco pouco falou da pobre condição humana, tal como ela é vivida, atualmente, em muitas partes do mundo.

O Papa respondeu apenas às perguntas que lhe foram feitas e esteve, por isso, a elas circunscrito.

Em todo o caso, importa salientar a principal mensagem que transmitiu e que tanto serve de chave para compreender melhor os documentos escritos que, antes, deu a conhecer, como devia servir de guia para a ação dos clérigos e laicos católicos e, mesmo, para todos quantos, independentemente da religião que professem ou não, têm a responsabilidade cívica de participar na governação dos povos e nações.

A mensagem foi simples, mas nem por isso menos relevante.

 Disse ele: «Abram as janelas».

No que à vida da Igreja diz respeito, ela permite que os ensinamentos religiosos que estabeleceu nas encíclicas sejam lidos de acordo com o que os tempos de hoje impõem, para que se tornem efetivamente relevantes e possam, assim, ajudar as mulheres e os homens – todas as mulheres e todos os homens – a encontrar, aqui e agora, uma vida melhor para si e, por isso, para os outros que com eles convivem neste planeta.

«Abrir as janelas» indica a necessidade de cada um de nós, e principalmente dos que nos governam, de prestar verdadeira atenção às coisas do mundo, tal como elas são verdadeiramente e procurar para os problemas atuais soluções que tenham em atenção as razões e os anseios mais prementes das mulheres e homens que connosco o habitam.

Tal mensagem é tão mais importante quando a janela para onde a humanidade é, hoje, orientada a olhar consiste, sobretudo, na que, transformada, os grandes meios de informação e comunicação social mundiais medeiam e encenam.

A abertura da janela que o Papa propões aponta, pelo contrário, para a necessidade de cada um de nós tomar contacto direto com a realidade como ela é e não como gostaríamos que ela fosse, ou nos indicam que é.

A realidade que nos é dado ver, vem-nos, quase sempre, não da nossa janela, mas daquela que nos é proporcionada pelos media através de interpretações próprias, mas muito pouco objetivas.

E tal janela virtual serve, demasiadas vezes, para encobrir ou desviar a imagem e os sons verdadeiros dos que necessitam efetivamente da nossa solidariedade e apoio.

É, pois, uma realidade virtual, trabalhada e, frequentemente, interessada e interesseira.

Pena é, por isso, que a mensagem do Papa, apelando a um contacto direto com a vida, seja tão pouco discutida, entendida e acolhida, mesmo no seio da sua Igreja.

Assim como aconteceu, tal mensagem despareceu da reflexão do espectro institucional e comunicacional que a podia amplificar e fazer debater.

Quem ouvir, inclusive, a maioria das homilias das missas que se rezam em Portugal perceberá, espantado, que muito pouco, ou mesmo nada, do que este Papa diz ou escreve se reflete nelas.

A obnubilação desta mensagem e, portanto, a evidência da necessidade que todos temos de aproximação à realidade, no entanto, não é um problema próprio e exclusivo da Igreja.

Qualquer mensagem relevante que seja dita ou escrita por um personagem reconhecido e admirado na sociedade – nacional ou mundial – só é verdadeiramente divulgada, refletida e discutida, para e com o grande público, se se enquadrar no ideário propagandeado pelos meios de informação e comunicação.

Não foi sempre assim.

As mensagens dos grandes líderes religiosos, dos grandes políticos, dos pensadores políticos e sociais, dos cientistas mais ilustres, quando aconteciam, perduravam, suscitavam debates acalorados entre os intelectuais e o povo a quem estes apelavam e se dirigiam e influíam, portanto, nas opções dos governantes e das sociedades.

Os media promoviam e davam conta dessas preocupações e discussões alargadas.

De tais discussões resultavam, depois, tomadas de posição e movimentos cívicos empenhados.

Hoje, quando muito, assistimos a um debate imediato e sucessivo de tudólogos televisivos, que nem tempo tiveram de estudar verdadeiramente o que foi dito por tais personagens maiores, mas que debitam logo, de cátedra, opiniões definitivas sobre tais mensagens e procuram, rápido, limar-lhes as arestas que contendem com a cartilha que estão encarregados de vender nos media que os empregam.

A importância das mensagens dos líderes e pensadores mundiais só importa se se enquadram na visão idílica ou terrificante que os media estão encarregados de transmitir sobre certas partes do mundo e sobre certas personalidades.

Joe Biden, por exemplo, num tom inquietante e sério, alertou, recentemente, com alguma pompa e circunstância, para o desenvolvimento interno de um possível golpe antidemocrático e fascistoide contra a constituição e democracia americanas.

Algum órgão de comunicação deu verdadeiro relevo a tal mensagem?

Alguém discutiu, com seriedade, a atual solidez e autenticidade da democracia dos EUA?

Não!

Ter-lhe iam dado atenção, por certo, se dissesse respeito a outra parte do mundo, mesmo que tal mensagem tivesse sido divulgada por algum pantomineiro, sem peso ou credibilidade, mas que ajudasse, de imediato, à estratégia de sedimentação do status quo existente.

Os EUA são, com efeito, o farol que orienta a governação da Europa e de muitas outras partes do mundo e não convém, por isso, desbotar a imagem de democracia perfeita que desse país se quer dar, para convencer o mundo do acerto das suas orientações.

Tenho, confesso, saudades do tempo em que as mensagens dos pensadores e das personalidades reconhecidas e mais sábias nos diversos domínios tinham peso e, mesmo em ditadura e com os riscos e cuidados que ela exigia, suscitavam, ainda assim, reflexões e discussões sérias entre os cidadãos que a elas tinham acesso.

Hoje o acesso é ilimitado – é verdade – mas a reflexão é, imediatamente, escamoteada, mais não seja pelos soundbites de uma qualquer nova e inócua notícia sobre o mais recente escândalo provocado por uma estrela do showbiz.

Exigir espaço e tempo para as reflexões e discussões sérias deve constituir, também, uma exigência democrática.

Deixem-nos, pois, abrir as janelas, por favor!