É um dos símbolos da noite de Lisboa e há muitos anos que tem uma vasta legião de fãs que o segue nos seus vários projetos de animação noturna e cultural. Pelo seu Tabernáculo passam sessões de poesia, concertos ao vivo, exposições e, claro, muita música e comida. Nos últimos tempos voltou à ribalta por o seu bar-restaurante ser obrigado a fechar a explanada às 23 horas, quando uns metros à frente os espaços podem estar abertos até às duas da manhã. Isto para não falar do forrobodó do Largo de São Paulo onde diariamente existem grandes ajuntamentos, com um barulho infernal, ou mesmo a confusão da Rua cor de Rosa, vulgo Cais do Sodré. Diz que a presidente da junta fez uma lei sobre a sua rua e não poupa nas críticas. “As pessoas, sentadas, a comer ou a beber fazem mais barulho do que nas outras ruas?”, questiona, falando ainda do enorme barulho que fazem os homens da limpeza quando descem as enormes escadarias com os caixotes de lixo. “Isso não incomoda ninguém?”
Está aqui na Rua de São Paulo há…
Há sete anos.
E de repente passa a ter um problema com a esplanada…
Sim, passei a ter um problema com a esplanada porque temos aqui uma situação que não me parece muito lógica. Estamos na Rua de São Paulo neste momento e agora vamos passar aqui à Rua da Moeda, que dista uns dez metros e as esplanadas funcionam. Andamos um bocado na rua de São Paulo, chegamos ao Largo de São Paulo e as esplanadas existem na mesma. Ou seja, a junta através de quem manda lá, está a ser discriminatória com atitudes verdadeiramente fascistas. É uma senhora que, com muita pena minha, diz ser de esquerda, mas parece mais fascista que outra coisa. A tal ponto que, mesmo que a gente lhe peça que ela fale connosco, nunca fala com as pessoas. Estou aqui há sete anos e não a conheço. Sei quem é, porque, como já disse, nas eleições, a fotografia da senhora apareceu. E é uma coisa interessantíssima. Esta Junta de Freguesia será do top três ou do top cinco em Lisboa que mais dinheiro recebe da contribuição do turismo. Que raio de junta é esta que depois de andarmos a fugir à covid, tendo-nos dado esplanadas, é certo, agora decide fechar tudo. Lisboa com o sol que tem, será ou não será uma cidade de esplanadas?
Mas deu a esplanada durante a pandemia?
Não a mim. A minha esplanada está paga e mesmo assim não posso usufruir dela. O investimento, quando foi feito, foi a pensar na esplanada e, como toda a gente sabe, ninguém consegue vir aqui comer às 22h, porque eu tenho que fechar a cozinha às 21h30. Porque não é como ela diz que é às 23h. É mentira. A senhora está a mentir. Se chegar aqui às 22h30, ou às 22h, já não posso servir porque o tempo de fazer a comida e o tempo de servir já não dá hipótese. Portanto, esta história desta senhora ter feito de uma forma arbitrária e discriminatória uma lei… Será possível que a Câmara Municipal de Lisboa permita que exista uma lei só para uma rua?
Mas está a dizer que existe uma lei só para uma rua?
Sim. As outras ruas todas têm esplanadas.
A presidente da junta não pode alegar que há queixas de moradores?
Não digo que não possa alegar, pode alegar. Mas também pode ver que há sete anos tenho as licenças e não fui eu que causei isso.
Não causou o quê? O barulho?
O barulho. Porque a minha esplanada, a esplanada para a restauração, para as pessoas se sentarem e comerem, tem números de lugares fixos, números de mesas que foram licenciadas, e já tinha antes da pandemia. Ou seja, depois da pandemia é que a minha esplanada perturba?
Como toda a gente, esteve fechado, foi um grande abalo.
Um ano e meio.
Um ano e meio. E quando reabre, a presidente instituiu uma regra diferente de antes da pandemia?
Não. Abri tal e qual como era antes da pandemia.
E antes da pandemia a esplanada podia estar aberta até mais tarde?
Até às 2h, sempre pôde.
Que argumento vos deram para se ter alterado?
Isso gostava eu que a senhora explicasse. Diz que é por causa do barulho que se faz. Então expliquem-me lá a mim, se estou aberto há sete anos, qual é o barulho que eu faço? O que aconteceu foi que a senhora, é verdade e bem, durante a pandemia, a mando da Câmara, facilitou-se a abertura de esplanadas. Mas, a senhora não fez uma coisa que podia ter sido feito, que era exatamente regulamentar as esplanadas, criar regras e as regras não foram criadas. Como não foram criadas, nesta fase, a senhora, o que é que ela faz? Fecha tudo. O justo pelo pecador.
Fecha tudo na Rua de São Paulo.
Na Rua de São Paulo. No Largo São Paulo não tem problema.
Na Rua da Moeda, a dez metros, também não.
Também não tem problema. Aqui na parte de trás de mim, aqui na Bica, também há sítios que não tem problema.
Mas na Bica há mais moradores do que aqui, ou não?
Obviamente que sim.
Quantos comerciantes estão a ser afetados?
Não sei quantos são e nem sei se todos têm licenciamento ou não. Não sei, não faço ideia. Não sei da vida das pessoas, mas sei que eu tenho licenciamento pago para este ano. E a dita senhora, numa das cartas que mandou às pessoas, intimida-as como se fazia no tempo do António Salazar.
Intimida como?
Quase como as crianças. Se não se portarem bem, para o ano nem esplanada têm.
Mas o Largo São Paulo tem, a Rua da Moeda tem e é tudo a mesma Junta de Freguesia.
Exatamente. O Bairro Alto tem. O Cais do Sodré também.
O Cais do Sodré, além do Largo de São Paulo tem a Rua Cor de Rosa.
No Largo de São Paulo, na parte interior, onde estão os bares todos, tem esplanadas, tem restaurantes. O Rio Grande, a Rosinha, mais uns dois ou três restaurantes ali que funcionam. E bem, parece-me bem que estejam a funcionar até as 2h ou até à 1h, parece-me muitíssimo bem.
O que estão a pensar fazer?
Não sei o que é as outras pessoas estão a pensar fazer. Eu estou a pensar pedir uma audiência ao presidente da Câmara para ele ser árbitro nesta contenda, porque a senhora é surda, não ouve ninguém, não recebe ninguém. Quero perceber por que razão tenho uma licença paga e não posso usufruir da minha licença dentro do meu horário. Isso é que gostava que me explicassem. E o prejuízo que me estão a causar.
Mas sabe se há muitas queixas de ruído? Tem muitos moradores por cima?
Aqui não tenho queixas nenhumas. Vivem pessoas aqui mas por cima de mim é Airbnb. Os que estão cá em cima até vêm cá jantar abaixo sempre. E a esplanada, como qualquer pessoa que passa ali pode ver, leva de 14 a 16 pessoas. Sentadas. Em pé não leva ninguém.
Como é uma personagem muito conhecida, tem tido algum movimento de solidariedade?
Não, porque ainda não fiz por isso. Neste momento quero só ir por esta via, que é a via que me parece mais interessante. É perceber como é que vamos conseguir pôr a senhora a dialogar connosco. De certeza que não sou o único nisto. Nós contribuímos para a freguesia e de que maneira. Se calhar a senhora, como não está a tempo inteiro, porque está na junta a meio tempo, porque tem outra ocupação e, portanto, divide-se, não está a perceber. É normal, não tem tempo para a Junta de Freguesia. Trabalha para um organismo qualquer do Governo.
Sendo um símbolo de África em Lisboa, apesar de ser o português mais alfacinha que conheço, recebe muita comunidade africana que passa por Lisboa
Não só recebo muito da comunidade africana que passa por Lisboa, assim como lhes indico o que é que devem ver, dou-lhes os conselhos que se deve dar a qualquer pessoa que vem visitar a cidade. E, curiosamente, cada vez mais tenho gente do mundo inteiro a vir cá, não só africanos, mas tenho um longo e vasto leque de pessoas que vêm cá e que depois, nos seus relatórios de viagem, devem dizer aos amigos onde foram.
Tem comida africana também.
Tenho comida africana, comida brasileira, comida portuguesa. Aliás, tenho um chef de cozinha de Cabo Verde, tenho um português e tenho um fantástico ajudante do Bangladesh, que também é cozinheiro. Nós estamos capazes de fazer diversos pratos. Mas esses pratos seriam úteis se tivéssemos, lá está, possibilidade de os servir.
Como era a vida há sete anos quando abriu?
Quando abri isto era uma rua com quase nada. Nós viemos dar um twist.
Mas esta rua é muito turística. Fica mesmo ao lado do início ou do fim do elevador da Bica.
Ou das escadinhas da Bica. Das escadinhas da Bica grande porque há umas escadinhas da Bica pequenas. Fica no meio das duas.
Há sete anos veio movimentar a vida noturna.
E diurna porque eu abri sempre de dia. Como restaurante, abrimos ao meio dia e fechamos às 2h00 da manhã. Uma das grandes, grandes, grandes lacunas que Lisboa tem é não ter restaurante para pessoas que estejam a trabalhar até à meia noite e queiram ir jantar à 01h00. Não tem. Uma cidade que pretende ser uma cidade europeia e uma cidade do mundo tem que ter serviços, restauração a noite quase inteira. Pelo menos com um, dois, três restaurantes é possível Lisboa aguentar. Uma pessoa que trabalhe numa redação de um jornal ou que acabe de chegar de um voo se tiver fome, onde é que vai comer?
Começou no Bairro Alto.
Sim, comecei no Bairro Alto, há muitos anos. Na altura chamava-se Café Concerto. Jukebox, primeiro. Depois Café Concerto e por aí fora.
E nunca teve problemas destes?
Não. É a primeira vez que tenho. Aliás, eu conhecia as presidentes de junta e esta é a pior presidente de junta que alguma vez a freguesia teve. Aliás, esta junta é uma junta bicéfala. São duas senhoras que estão na Junta que põe e dispõe a seu bel prazer da Junta. Todas as outras presidentes que a Junta eram pessoas de grande nível, que assim que existia um problema vinham a terreno falar com as pessoas para tentar resolver. Não se escondiam atrás da secretária e não se escondiam atrás dos papéis, debitando leis.
Teve o Targus, no Bairro Alto.
Certo.
Também não tinha problemas?
Nunca tive problemas.
Esteve no Bairro Alto quantos anos?
Estive no Bairro Alto de 80 a 2000.
E depois?
Estive no LX Factory uma temporada, estive também em Barcarena, na Fábrica de Pólvora e estive aqui no Terreiro do Paço. Aliás, fiz mais num ano pela promoção cultural do Bairro Alto do que esta senhora em três mandatos. Na minha Lisboa nunca vi nada igual e não conheço nada igual. É de uma deslealdade incrível. Inventou algo para prejudicar intencionalmente os comerciantes. Intencionalmente. E por isso vou tentar chegar à fala com presidente da Câmara ou alguém para me explicarem.
Nunca fez uma exposição?
Enviei uma carta, mas achei sempre que devia de falar com a minha junta. Mas como a minha junta não recebe ninguém, não fala com ninguém, é uma junta de surdos, Vou ter que falar acima.
Que atividades tem aqui?
Tenho poesia, muitos lançamento de livros, debates, música ao vivo, sessões com realizadores de cinema.
Centrado na cultura africana?
Não. Centrado na cultura. Está bem que se dá um ênfase muito grande à cultura africana, mas muito centrado na cultura em geral.
Eventos no interior são prejudicados por esta regra?
Passam-se cá dentro mas o ambiente começa criar-se lá fora. E qual é o incentivo que tenho para fazer esses acontecimentos aqui? Sinto que alguém me está a querer tirar o tapete.
Que nomes tem tido cá?
O Agualusa, o Rui Veloso, o Dani Silva, o Luís Represas, Paulo Flores, Paulo Gonzo, Dino de Santiago, Zézé Gamboa, Ramada Curto.
As pessoas quando saem daqui vão para a rua em frente.
Sim, para a Rua da Moeda ou para o Largo de São Paulo.
E o que dizem?
Que pena que não possamos continuar aqui na tua esplanada, porque além de ser controlada, que eu controlo imenso e bem os meus espaços, como toda a gente sabe, é uma esplanada calma, sempre. Ela no fundo está a perder um grande agente cultural com ideias que poderiam ser implementadas aqui e está a obrigar-me a levar as ideias para outros bairros. E vou levá-las. Seja a moda ou o grande dia de África que estou a organizar para o ano que vem. Era uma coisa que tinha pensado aqui para a Junta e assim estou a pensar dizer à senhora ‘bye bye’. Continuo com o espaço cá mas não faço atividades nenhumas aqui.
Já teve de reduzir empregados?
Já tive muitos mais. Tive 14. Depois da pandemia fiquei só com seis e agora estou com três. Somos quatro. Ao fim de semana chegamos às cinco pessoas. E não é isso. Uma pessoa sai aqui ou vai ali a passar, como não podemos pôr a esplanada cá dentro, está ali um amontoado de mesas, o que dá a entender que a casa está fechada.
Já disse que a perspetiva é tentar que a Câmara faça de árbitro nessa história. Tem alguma esperança?
Tem que ser, a Câmara tem de fazer de árbitro nisto. Tem de ser criar uma coisa razoável para ambas as partes: quantos lugares sentados tem? X. Não serve ninguém em pé, só sentado. Esta presidente habilita-se a uma coisa que é estar a pôr-nos contra os moradores sem necessidade nenhuma. Qualquer dia vai acontecer o que já aconteceu aqui na Musa, que tinha uma esplanada e a esplanada saiu e os miúdos estão-se nas tintas. Ficam ali em pé, a beber e a gritar. Quando havia esplanada estavam controlados, estavam sentados. Aqui, na rua, poderá vir a acontecer o mesmo. E depois não sei como é que vão tirar as pessoas da rua. Não é proibido estar na rua, não é proibido beber na rua. Portanto, álcool? Vão comprar ao Pingo Doce, fecha às 22h, enchem as mochilas e andam aí a beber, não precisam dos estabelecimentos para nada. Qualquer supermercado fecha às 23h…
E também tem o fenómeno de vendedores ambulantes.
Isso vai haver sempre. Já na Lei Seca nos Estados Unidos existia, portanto não somos nós que vamos conseguir colmatar isso. É impensável. A maior parte dessa gente que anda a vender, se for ver o rendimento desses senhores, se não fosse isso, morriam todos à fome…
É um facto aqui na zona.
Sim, mas por culpa de quem? Não há fiscalização.
Foi ainda assim notícia os moradores queixarem-se que no Cais do Sodré não conseguem dormir e a Câmara sentiu-se incapaz de resolver o problema.
Não tenho nenhum problema desses. À frente tenho uma escola infantil, o elevador da Bica, as escadinhas, este espaço virado para a frente o barulho é interior. Se é que há barulho, é isto. Não estou a perceber.
A única hipótese é serem queixas de quem vive por cima.
No primeiro andar… Até há seis meses, era eu que vivia em cima.
E alugou?
Não, devolvi ao senhorio quando foi a pandemia. Era eu que vivia aqui em cima, portanto não era por aí. Oiço mais barulho quando os carros do lixo vêm a descer aqui às 5h e às 6h da manhã. Isto não é preocupante.