O país do incha, desincha e passa


António Costa é quem melhor sabe gerir a capacidade única que Portugal tem de esquecer em poucos dias o que hoje acha indesculpável e gravíssimo.


Nota prévia: Arderam cerca de 20 mil hectares só na Guarda, além de centenas de outros por todo o país. Os fogos multiplicam-se. Alguns começam às três da manhã. É impossível fazer balanços na hora de mandar esta crónica. Há danos devastadores em florestas únicas e autóctones. As reações de indignação multiplicam-se. Há sinais evidentes de falta de meios e de descoordenação, consoante os locais. O pânico instalou-se em certas zonas, mas não há vítimas mortais, o que é notável. Anunciam-se inquéritos às causas. Ficam a cargo de uma gigantesca comissão que integra tanta gente que nunca será fácil reunir, a não ser por via de subgrupos. Absurdo! Chegará às conclusões do costume e proporá medidas estruturais. Dá tempo para desinchar e passar.

1. Na sua sagesse faraónica, António Costa tem uma filosofia muito específica por mais graves que sejam os problemas que sobressaltam a sociedade portuguesa. Tudo se resume a jogar com o tempo. Costa sabe que a memória dos média e dos políticos é curtíssima. E não ignora que a justiça é tão lenta que, desde que não se trate de crimes de sangue ou banditismo, está fora de tempo quando se chega à sentença final. Aplica-se a preceito entre nós a máxima do jornalismo de que não há nada mais velho do que o jornal de ontem. E isso é ainda mais óbvio com as redes sociais, que em segundos tornam qualquer tema numa não notícia. Ciente disto, António Costa mantém sempre um ar seráfico perante tudo o que aconteça. Mesmo quando se exalta, é mais porque lhe convém politicamente do que por genuína convicção. Sabe que a política é um palco. Assim como sabe que a vingança se serve fria e que Portugal é o país do incha, desincha e passa, o que o tem ajudado muito a ele, ao PS e à classe política em geral.

2. Caiu o Carmo e a Trindade por causa da controversa contratação de Sérgio Figueiredo para fazer uma análise do impacto das políticas públicas, matéria que não é preciso estudar em profundidade para concluir que a maioria das medidas não dá em nada. É como a lei das beatas no chão. São cada vez mais e parece que até hoje só um cidadão foi multado, o que é mais difícil do que ganhar o Euromilhões. A contratação do jornalista trouxe para já uma coisa inesperadamente boa: permitiu lembrar que já existe há mais de um ano a PlanAPP, que também dá pelo pomposo nome de Centro de Competências de Planeamento de Políticas e Prospetivas da Administração Pública. Praticamente ninguém tinha ouvido dessa entidade. Também não há nota de que tenha elaborado um qualquer relatório que necessariamente teria sido arrasador quanto à eficácia das políticas públicas, dado o estado miserável do país. O que se sabe é que a unidade tem 65 pessoas, vários peritos internacionais, custa 12 milhões vindos do PRR, sendo que 6 milhões são para remunerações. Um fartote! Não deve ser difícil Sérgio Figueiredo produzir mais do que essa misteriosa entidade que agora tantos sábios da economia retiraram das catacumbas, louvando a sua existência salvadora. A controversa contratação de Sérgio Figueiredo é uma estória à Tiririca: pior não fica. O típico caso que vai desinchar.

3. Algumas ministras de António Costa andam meias avariadas politicamente. A mais regular e menos errática é Ana Catarina Mendes e no top das desastradas temos as imutáveis titulares da Saúde e da Segurança Social, Marta Temido e Ana Mendes Godinho. Já a poderosa Mariana faz mais trabalho de bastidores. Sai ao pai, que estava em todas sem se dar por ele. Ser discreto é a arma dos mais influentes. Quem também se mantém discreta e camuflada é a ministra da Defesa. Não tem dinheiro para munições nem para nada. Nem sequer dispõe de meios para mandar uns blindados Pandur para a Ucrânia (consta que os invadidos não fazem questão de receber as canónicas armas). Nunca as nossas Forças Armadas estiveram tão fragilizadas. Já a ministra Ana Abrunhosa deu à costa pelos piores motivos. A governante mandou arquivar o processo aberto pela Inspeção de Finanças ao acolhimento por russos de refugiados de guerra ucranianos. O assunto de Setúbal já era! Outra ministra na berlinda é a da Agricultura, que atinge picos de incompetência únicos, como se vê pela ausência de apoios aos agricultores face à seca e aos fogos. Confrontada pela CAP com essas incapacidades, Maria do Céu Antunes respondeu de forma inaceitável que era melhor perguntar porque é que a confederação aconselhou os agricultores a não votar no PS. Em qualquer democracia de jeito, a criatura era substituída na hora. O que ela disse está ao nível dos ‘corninhos’ que levaram Sócrates a despedir Manuel Pinho. Lá para setembro a ministra vai explicar-se no Parlamento. Depois o frisson passa e fica tudo na mesma. É como o caso da presidente do IEFP, Adelaide Franco, que andou a receber um subsídio de desemprego por ter saído de uma empresa que era dela num insólito autodespedimento. Ao que parece, dentro da instituição, a dirigente anda segura e confiante de que a coisa desincha e passa no verão. Deve ter razão!

4. Com Luís Montenegro o PSD renasceu positivamente em vários sentidos. Um deles é a tentativa de voltar a mobilizar uma vasta área da sociedade mais dinâmica de Portugal que fugiu para a esquerda, mas sobretudo para a direita. Deixou de se ouvir o discurso azedo cheio de remoques internos que Rio usava. Há diferenças de pensamento, há posturas diferentes, há uns dirigentes mais brilhantes do que outros, mas com Montenegro e Hugo Soares no terreno não se sente um ambiente persecutório. O grupo parlamentar herdado é frágil. Não reina lá um grande entusiasmo pelo líder. Há trabalho de unificação a fazer. Joaquim Miranda passou-se de Rio para Montenegro e lidera a bancada. Tem uma responsabilidade enorme e precisa de média-training. Veremos se consegue revelar-se como sucedeu com Paulo Rangel quando assumiu essas funções na liderança de Ferreira Leite. A rentrée marcou o regresso ao velho Pontal. Montenegro anunciou propostas importantes do PSD para defender os mais desfavorecidos perante a crise inflacionista. Percebe-se, mas parte do eleitorado tradicional do partido fica de fora de qualquer benefício quando é quem mais paga, quem mais dinamiza a sociedade e quem mais ativa a economia. Qualquer dia quem ganhe 900 euros recebe em espécie e subsídios mais do que quem leva para casa 2.500. Esse eleitorado não pode ser perdido, assim como o dos pensionistas, muitos quais são suportes de familiares menos abonados e desamparados. 

5. Há um grupo de profissionais de televisão que não são vedetas. Diariamente entram nas nossas casas a partir das diversas regiões do país, trazendo notícias de todo o tipo. Vão dos grandes incêndios às cheias, passando pelos acidentes, crimes, festas e romarias e tudo o que possa acontecer fora das grandes urbes. São jornalistas sempre em movimento, sejam repórteres de imagem ou redatores, faça sol ou chuva, seja noite ou dia. Trabalham normalmente nas grandes televisões, RTP, TVI/CNN, SIC e CMTV. Com melhor ou menor aprumo, estão sempre alerta. Num ano produzem centenas de peças. Nas suas regiões, são reconhecidos e acarinhados. Ainda agora, no grande incêndio da Serra da Estrela, trabalharam dias a fio em zonas de grande risco, bem mais perigosas do que as da Ucrânia urbana limítrofe à Polónia onde algumas vedetas/pivô marcaram o ponto. Os jornalistas do país real são um exemplo de serviço público. Sendo impossível citá-los a todos, refira-se o nome de Jorge Esteves da RTP/Guarda pelo rigor, perseverança e camaradagem saudável. Uma saudação individual que envolve todos os que estão no picanço diário nos sítios mais isolados. Sem eles, sem a imprensa regional e a relativa cobertura da Lusa, pouco saberíamos do Portugal profundo.

Escreve à quarta-feira

O país do incha, desincha e passa


António Costa é quem melhor sabe gerir a capacidade única que Portugal tem de esquecer em poucos dias o que hoje acha indesculpável e gravíssimo.


Nota prévia: Arderam cerca de 20 mil hectares só na Guarda, além de centenas de outros por todo o país. Os fogos multiplicam-se. Alguns começam às três da manhã. É impossível fazer balanços na hora de mandar esta crónica. Há danos devastadores em florestas únicas e autóctones. As reações de indignação multiplicam-se. Há sinais evidentes de falta de meios e de descoordenação, consoante os locais. O pânico instalou-se em certas zonas, mas não há vítimas mortais, o que é notável. Anunciam-se inquéritos às causas. Ficam a cargo de uma gigantesca comissão que integra tanta gente que nunca será fácil reunir, a não ser por via de subgrupos. Absurdo! Chegará às conclusões do costume e proporá medidas estruturais. Dá tempo para desinchar e passar.

1. Na sua sagesse faraónica, António Costa tem uma filosofia muito específica por mais graves que sejam os problemas que sobressaltam a sociedade portuguesa. Tudo se resume a jogar com o tempo. Costa sabe que a memória dos média e dos políticos é curtíssima. E não ignora que a justiça é tão lenta que, desde que não se trate de crimes de sangue ou banditismo, está fora de tempo quando se chega à sentença final. Aplica-se a preceito entre nós a máxima do jornalismo de que não há nada mais velho do que o jornal de ontem. E isso é ainda mais óbvio com as redes sociais, que em segundos tornam qualquer tema numa não notícia. Ciente disto, António Costa mantém sempre um ar seráfico perante tudo o que aconteça. Mesmo quando se exalta, é mais porque lhe convém politicamente do que por genuína convicção. Sabe que a política é um palco. Assim como sabe que a vingança se serve fria e que Portugal é o país do incha, desincha e passa, o que o tem ajudado muito a ele, ao PS e à classe política em geral.

2. Caiu o Carmo e a Trindade por causa da controversa contratação de Sérgio Figueiredo para fazer uma análise do impacto das políticas públicas, matéria que não é preciso estudar em profundidade para concluir que a maioria das medidas não dá em nada. É como a lei das beatas no chão. São cada vez mais e parece que até hoje só um cidadão foi multado, o que é mais difícil do que ganhar o Euromilhões. A contratação do jornalista trouxe para já uma coisa inesperadamente boa: permitiu lembrar que já existe há mais de um ano a PlanAPP, que também dá pelo pomposo nome de Centro de Competências de Planeamento de Políticas e Prospetivas da Administração Pública. Praticamente ninguém tinha ouvido dessa entidade. Também não há nota de que tenha elaborado um qualquer relatório que necessariamente teria sido arrasador quanto à eficácia das políticas públicas, dado o estado miserável do país. O que se sabe é que a unidade tem 65 pessoas, vários peritos internacionais, custa 12 milhões vindos do PRR, sendo que 6 milhões são para remunerações. Um fartote! Não deve ser difícil Sérgio Figueiredo produzir mais do que essa misteriosa entidade que agora tantos sábios da economia retiraram das catacumbas, louvando a sua existência salvadora. A controversa contratação de Sérgio Figueiredo é uma estória à Tiririca: pior não fica. O típico caso que vai desinchar.

3. Algumas ministras de António Costa andam meias avariadas politicamente. A mais regular e menos errática é Ana Catarina Mendes e no top das desastradas temos as imutáveis titulares da Saúde e da Segurança Social, Marta Temido e Ana Mendes Godinho. Já a poderosa Mariana faz mais trabalho de bastidores. Sai ao pai, que estava em todas sem se dar por ele. Ser discreto é a arma dos mais influentes. Quem também se mantém discreta e camuflada é a ministra da Defesa. Não tem dinheiro para munições nem para nada. Nem sequer dispõe de meios para mandar uns blindados Pandur para a Ucrânia (consta que os invadidos não fazem questão de receber as canónicas armas). Nunca as nossas Forças Armadas estiveram tão fragilizadas. Já a ministra Ana Abrunhosa deu à costa pelos piores motivos. A governante mandou arquivar o processo aberto pela Inspeção de Finanças ao acolhimento por russos de refugiados de guerra ucranianos. O assunto de Setúbal já era! Outra ministra na berlinda é a da Agricultura, que atinge picos de incompetência únicos, como se vê pela ausência de apoios aos agricultores face à seca e aos fogos. Confrontada pela CAP com essas incapacidades, Maria do Céu Antunes respondeu de forma inaceitável que era melhor perguntar porque é que a confederação aconselhou os agricultores a não votar no PS. Em qualquer democracia de jeito, a criatura era substituída na hora. O que ela disse está ao nível dos ‘corninhos’ que levaram Sócrates a despedir Manuel Pinho. Lá para setembro a ministra vai explicar-se no Parlamento. Depois o frisson passa e fica tudo na mesma. É como o caso da presidente do IEFP, Adelaide Franco, que andou a receber um subsídio de desemprego por ter saído de uma empresa que era dela num insólito autodespedimento. Ao que parece, dentro da instituição, a dirigente anda segura e confiante de que a coisa desincha e passa no verão. Deve ter razão!

4. Com Luís Montenegro o PSD renasceu positivamente em vários sentidos. Um deles é a tentativa de voltar a mobilizar uma vasta área da sociedade mais dinâmica de Portugal que fugiu para a esquerda, mas sobretudo para a direita. Deixou de se ouvir o discurso azedo cheio de remoques internos que Rio usava. Há diferenças de pensamento, há posturas diferentes, há uns dirigentes mais brilhantes do que outros, mas com Montenegro e Hugo Soares no terreno não se sente um ambiente persecutório. O grupo parlamentar herdado é frágil. Não reina lá um grande entusiasmo pelo líder. Há trabalho de unificação a fazer. Joaquim Miranda passou-se de Rio para Montenegro e lidera a bancada. Tem uma responsabilidade enorme e precisa de média-training. Veremos se consegue revelar-se como sucedeu com Paulo Rangel quando assumiu essas funções na liderança de Ferreira Leite. A rentrée marcou o regresso ao velho Pontal. Montenegro anunciou propostas importantes do PSD para defender os mais desfavorecidos perante a crise inflacionista. Percebe-se, mas parte do eleitorado tradicional do partido fica de fora de qualquer benefício quando é quem mais paga, quem mais dinamiza a sociedade e quem mais ativa a economia. Qualquer dia quem ganhe 900 euros recebe em espécie e subsídios mais do que quem leva para casa 2.500. Esse eleitorado não pode ser perdido, assim como o dos pensionistas, muitos quais são suportes de familiares menos abonados e desamparados. 

5. Há um grupo de profissionais de televisão que não são vedetas. Diariamente entram nas nossas casas a partir das diversas regiões do país, trazendo notícias de todo o tipo. Vão dos grandes incêndios às cheias, passando pelos acidentes, crimes, festas e romarias e tudo o que possa acontecer fora das grandes urbes. São jornalistas sempre em movimento, sejam repórteres de imagem ou redatores, faça sol ou chuva, seja noite ou dia. Trabalham normalmente nas grandes televisões, RTP, TVI/CNN, SIC e CMTV. Com melhor ou menor aprumo, estão sempre alerta. Num ano produzem centenas de peças. Nas suas regiões, são reconhecidos e acarinhados. Ainda agora, no grande incêndio da Serra da Estrela, trabalharam dias a fio em zonas de grande risco, bem mais perigosas do que as da Ucrânia urbana limítrofe à Polónia onde algumas vedetas/pivô marcaram o ponto. Os jornalistas do país real são um exemplo de serviço público. Sendo impossível citá-los a todos, refira-se o nome de Jorge Esteves da RTP/Guarda pelo rigor, perseverança e camaradagem saudável. Uma saudação individual que envolve todos os que estão no picanço diário nos sítios mais isolados. Sem eles, sem a imprensa regional e a relativa cobertura da Lusa, pouco saberíamos do Portugal profundo.

Escreve à quarta-feira