A cerveja do amigo Toninho


Meio-dia, hora da sombra mais curta, é cada vez mais difícil encontrar um canto da praia sem ninguém. O mar tornou-se uma moda. Todos querem um pedaço de esplanada, uma toalha estendida, um raio de sol, mesmo que este tenha de se esforçar para espreitar por entre as nuvens.


Meio-dia, hora da sombra mais curta, é cada vez mais difícil encontrar um canto da praia sem ninguém. O mar tornou-se uma moda. Todos querem um pedaço de esplanada, uma toalha estendida, um raio de sol, mesmo que este tenha de se esforçar para espreitar por entre as nuvens. Emile Verhaeren, o grande poeta belga, dizia que este é o ponto culminante da Humanidade. Este, o meio-dia, está bem de ver. Deixo para mais logo o ponto culminante de uma cerveja bem tirada, com muito gás a subir no copo, tal como apenas encontro no Café Farol ou no Márito que parecem fazer concorrência um ao outro no campeonato do mundo dos finos, porque aqui são finos, não imperiais, como em Lisboa, termo imponentemente alemão já que indicava as cervejas que brotavam de barris de madeira de uma fábrica que levava o nome de Germânia. Já o fino, segundo o livro Boémia Coimbrã (dos anos quarenta) de Nicolau da Costa, nasceu por causa do amigo Toninho, um fulano que se sentava ao balcão e pedia, concretamente – “Uma cerveja de pressão em copo de vidro fino”. Toninho Saraiva foi uma daquelas personagens de uma Coimbra de fado ainda com pigarro, tricanas e futricas e tudo e tudo. Hoje é cada vez menos Coimbra, mas devo visitas a muitos dos meus companheiros que lá moram e não gosto de dever nada a ninguém. Acerte-se para breve, portanto. Por seu lado, o Toninho da gente, isto é, o Toninho Pinto, lá da Cidade Luanda nos Olivais Sul, vira a cara a finos e imperiais. Segundo ele, bebeu tudo a que tinha direito na primeira fase da vida e extirpou o álcool da segunda. Sempre camarada, se nos oferecemos para uma refeição de companhia abstémia, recusa terminantemente: não bebe mas tira prazer em ver beber os outros. Não consigo descobrir gesto mais altruísta, mais cavalheiro, mais compadecido. Compreende as raízes da nossa sede. E com um golo de fino, fecho os olhos, fito a mancha alaranjada do sol, enquanto o gás sobe no copo de vidro fino como se batesse palmas.

 

A cerveja do amigo Toninho


Meio-dia, hora da sombra mais curta, é cada vez mais difícil encontrar um canto da praia sem ninguém. O mar tornou-se uma moda. Todos querem um pedaço de esplanada, uma toalha estendida, um raio de sol, mesmo que este tenha de se esforçar para espreitar por entre as nuvens.


Meio-dia, hora da sombra mais curta, é cada vez mais difícil encontrar um canto da praia sem ninguém. O mar tornou-se uma moda. Todos querem um pedaço de esplanada, uma toalha estendida, um raio de sol, mesmo que este tenha de se esforçar para espreitar por entre as nuvens. Emile Verhaeren, o grande poeta belga, dizia que este é o ponto culminante da Humanidade. Este, o meio-dia, está bem de ver. Deixo para mais logo o ponto culminante de uma cerveja bem tirada, com muito gás a subir no copo, tal como apenas encontro no Café Farol ou no Márito que parecem fazer concorrência um ao outro no campeonato do mundo dos finos, porque aqui são finos, não imperiais, como em Lisboa, termo imponentemente alemão já que indicava as cervejas que brotavam de barris de madeira de uma fábrica que levava o nome de Germânia. Já o fino, segundo o livro Boémia Coimbrã (dos anos quarenta) de Nicolau da Costa, nasceu por causa do amigo Toninho, um fulano que se sentava ao balcão e pedia, concretamente – “Uma cerveja de pressão em copo de vidro fino”. Toninho Saraiva foi uma daquelas personagens de uma Coimbra de fado ainda com pigarro, tricanas e futricas e tudo e tudo. Hoje é cada vez menos Coimbra, mas devo visitas a muitos dos meus companheiros que lá moram e não gosto de dever nada a ninguém. Acerte-se para breve, portanto. Por seu lado, o Toninho da gente, isto é, o Toninho Pinto, lá da Cidade Luanda nos Olivais Sul, vira a cara a finos e imperiais. Segundo ele, bebeu tudo a que tinha direito na primeira fase da vida e extirpou o álcool da segunda. Sempre camarada, se nos oferecemos para uma refeição de companhia abstémia, recusa terminantemente: não bebe mas tira prazer em ver beber os outros. Não consigo descobrir gesto mais altruísta, mais cavalheiro, mais compadecido. Compreende as raízes da nossa sede. E com um golo de fino, fecho os olhos, fito a mancha alaranjada do sol, enquanto o gás sobe no copo de vidro fino como se batesse palmas.