O mesmo Estado vigilante que se levanta contra as simples obras de substituição da caixilharia na habitação secular de uma família pobre residente há anos no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), falhou na protecção do essencial.
O mesmo Estado que leva a tribunal o autarca que questionou o parecer do PNSE recusando a reconstrução de um "palheiro" de apoio a um pastor.
Este Estado, é o mesmo que impede o crescimento urbano de freguesias rurais, plenamente integradas no parque, sem áreas de expansão nos planos territoriais, tudo para “defesa” da intocabilidade do Parque…
Estado este que quando chega a tragédia, exibe os bombeiros e as suas vicissitudes no relato dos acontecimentos e esconde os secretários de Estado e ministros responsáveis como se o tema fosse o do combate e não da prevenção, como se a responsabilidade fosse da agulheta e não da política ou das políticas governamentais.
No final, parece quererem convencer-nos de que nada há a fazer … mesmo quando o governo não tem feito outra coisa que queimar milhões no fogo: dos 500 milhões para o sistema de transmissões até ao contencioso contratual com hélis e aviões…
O governo, distante do terreno, vai emitindo sons de compreensão e lamento que prenunciam apenas a continuidade no próximo ano do mesmo e mais …
A expressão do primeiro-ministro, apertado pela comunicação social e interrogado sobre a falência de uma sistema que permitiu as negligências e eventuais crimes em Pedrogão, Leiria , Monchique e agora Serra da Estrela, limitou-se a externalizar a situação portuguesa, declarando "Há outros fogos na Europa".
Ora, não consta, que Portugal tenha cedido as suas competências em matéria de gestão florestal à Europa, (até existe (???) um secretário de Estado das Florestas, embora não se conheça a acção …), pelo que não são os incêndios dos outros que devem desmobilizar a nossa realidade.
Do ministro da Administração Interna chegou uma "mensagem de solidariedade às comunidades locais pela forma como se têm mobilizado e dar uma palavra aos bombeiros e a todas as forças e serviços da proteção civil” que têm combatido um incêndio que “é uma tragédia do ponto de vista do ambiente, da biodiversidade e do património ambiental”, disse…
Só agora o governante terá anotado a biodiversidade e o património actual não intervindo ex-ante com defesa do Estado e do Interior como era sua obrigação.
Ora o que está em causa é eficácia na prevenção, chamada dos melhores para o planeamento e organização.
O país está cheio de fundamentalistas ambientais que terçam armas por um plátano cujas raízes destroem um passeio urbano, mas assistem ano após ano à destruição de milhares de hectares de património arbóreo que, quer económica, quer paisagisticamente, era um dos grandes activos nacionais.
No caso dos fogos mais recentes na região – que só no PNSE arrasaram uma área correspondente a todo o concelho de Lisboa – relembre-se o que foi dito quanto à beleza daquele núcleo que vai desde o vale de Manteigas à Nave de Santo António, o chamado Vale Glaciar.
E depois veja-se a inconsequência na ausência de medidas simples e, provavelmente eficazes …
Quantos guardas florestais seriam precisos para sinalizarem e anularem os loucos pirómanos ?
Ou quantos drones de fabrico em série para exibir em permanência o quadro de situação?
Há nisto tudo uma preocupação base de um Estado burocrata como o nosso: fazer de conta que sendo radicalmente exigente, é profissional e competente.
Mas logo os fogos recentes põem a nu a realidade.
Passado o tempo de rescaldo e anunciadas as primeiras chuvas de Outubro tudo será arquivado e voltará a “normalidade” até daqui a um ano, quando regressar a “época dos fogos”, expressão imbecil do que devia ser extraordinário e passou ao reconhecimento de “crónico” pelo próprio Estado.
Este fogo no Parque mereceria uma convenção.
No actual estado da Nação, nem uma missa será celebrada.
Aliás, neste Portugal e cada vez vez mais, poucas coisas valem uma missa …
Nota:
"Nem sempre, nem sempre os cataclismos são negativos para o desenvolvimento posteriori. E eu dou como exemplo, se Lisboa não tivesse tido o terramoto que teve não tínhamos a Lisboa bonita e ordenada que hoje temos dimensionada à escala modernissima hoje. Londres ardeu no século XVII ou XVIII se não estou em erro, ardeu na totalidade. No tempo em que as casas eram de madeira. Londres ardeu na totalidade. Escapou apenas um pequeno castelo ou pequeno palácio da autoria de um arquitecto que depois, apesar das populações dizerem que Londres estava perdida, foi esse arquitecto que reabilitou e conseguiu conseguir a Londres que é hoje. Nós também temos que aproveitar esta pequena catástrofe para repensarmos e haveremos de sair melhorados".
Esta declaração à RTP do vice-presidente da Câmara da Covilhã, sobre a tragédia do Parque contém uma teoria cujo perímetro se situa entre a irresponsabilidade e o insulto ao cidadão comum.
É só ouvir.
https://www.facebook.com/100000831600460/posts/pfbid016nXMj3EHtvPR3nDpUNLbCtiacrVN7iXYR8Tnk5oBcQ3Wqi1BDEPysbTQsep2qaDl/?d=n
Os interesses locais estão assim representados, sem uma palavra sobre responsabilidades de quem não preveniu e não actuou como devia, sobre bens perdidos, vidas transtornadas, bombeiros feridos tudo o que uma tragédia como a que aconteceu significa.
Covilhã, Agosto 2022